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Recado do Cheida: Bárbaro nu

Luiz Eduardo Cheida - 26 de junho de 2008 - 06:42

Um dos efeitos mais temidos do aquecimento global é a acidificação dos oceanos.
As águas salgadas funcionam como um aspirador de pó, sugando o excesso de gás carbônico (CO2) emitido pelas atividades humanas. Nos oceanos, este gás forma o ácido carbônico (H2CO3) de acordo com a seguinte equação: CO2 + H2O = H2CO3.

Entretanto, na água, o ácido carbônico dissolve o carbonato de cálcio (CaCO3), que é a matéria-prima dos esqueletos dos corais, conchas de moluscos e carapaças de diversas algas.

Ora, se estruturas de carbonato de cálcio são formadas de cálcio e carbono, então os esqueletos e carapaças dos organismos marinhos são um mecanismo natural de seqüestro de carbono. Isso quer dizer que, sem esse seqüestro, a capacidade de absorção de CO2 pelos mares fica comprometida. E o mundo fica ainda mais quente.
E não é só da atmosfera que chegam as moléculas de CO2. Elas invadem as águas através das chaminés vulcânicas submarinas o tempo todo, tornando a água ainda mais ácida.

Em algumas ilhas mediterrâneas da Itália, em águas próximas a estas chaminés, já se constata a morte de 30% das espécies de corais e ouriços-do-mar se comparadas a águas de acidez normal. Nestes locais, há uma verdadeira invasão de algas verdes, provocando um rearranjo do ecossistema local.

Esta alterações de fauna e flora era o que os cientistas projetavam para os mares no final do século, quando o gás carbônico tivesse tornado os oceanos mais ácidos!

Ou isso já está ocorrendo ou é uma pista do que acontecerá.

Por isso, não foi com surpresa que, dia desses, deitado nas areias mediterrânicas da ilha de Ischia, coçando meu bicho-de-pé da maior estimação, ouvi uma alga Chlorella, atracar-se em mortal combate verbal com uma terminal concha bivalve:

- Que bárbaro nu! Pelada, assim, em plena luz do dia? – disse, cínica.

- Deus! Estou tão transparente assim?

- Mais do que deveria, minha filha – criticou a alga. E, sorvendo mais um gole de gás carbônico: – O que aconteceu?

- Eu sei? Estão dizendo que o mar azedou.

- Ficou mais ácido, você quer dizer...

- Que seja! O caso é que, quanto mais venho a estas águas, mais leve me sinto.

- Pudera! Sua concha está se dissolvendo.

- Jura? – gritou horrorizada a concha bivalve, tomando ciência do que lhe acontecia.

- É só querer enxergar. Seu primo, ali, era vermelho, não é mesmo? – apontou para um dismilingüido molusco disforme – Hoje, está cinzento e cheio de buracos. Você já esteve como ele e, agora, nem mais concha tem – arrematou com a voz carregada de desprezo.

- O que farei, Chlorella? – suplicou a conchinha.

- Top-less! É tudo o que lhe resta fazer – sorriu amarelo, tentando amenizar a acidez das próprias palavras e a dramática situação da amiga.

Porém, a pequena concha não mais ouvia. Seus pensamentos haviam dissipado-se tal qual seu corpo dissolvido, agora misturado ao monótono verde em que se transformara o colorido da paisagem local.

E, como há bilhões de anos, a microscópica Chlorella voltou a ficar só.

Um forte abraço e até sexta que vem.

* Chlorella: alga verde microscópica, que usa gás carbônico para sintetizar seu alimento. Originada há 3 bilhões de anos, é uma das primeiras formas de vida de nosso planeta.

Luiz Eduardo Cheida é médico, deputado estadual e presidente da Comissão de Ecologia e Meio Ambiente da Assembléia Legislativa do Paraná. Premiado pela ONU por seus projetos ambientais, foi prefeito de Londrina, secretário de Estado do Meio Ambiente, membro titular do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) e do Conselho Nacional de Recursos Hídricos

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