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Geral

Qual é a pior violência?

Daniel Viégas Barroso (*) - 13 de setembro de 2014 - 09:22

Toda semana assistimos a uma série de violências. Basta vermos o noticiário, postagens nas redes sociais, programas na hora do almoço e pelo final da tarde, que o produto será a violência. Não necessariamente de cunho físico: ela pode ser uma ofensa moral, como a tão comentada injuria racial proclamada pela torcedora gremista, contra o goleiro do Santos. Mas, também, pode ser a violência dos políticos (caso do “mensalão”), a dos executivos (crimes de colarinho branco), como a simples criminalidade de rua, como roubos, furtos, homicídios, e por aí vai.

Por que a que mais chama a atenção nos telejornais é a violência de rua? Será o sangue? Ou será que é a mais palpável para a população? Dificilmente vemos notícias dos outros tipos de violência serem veiculadas na grande mídia por mais de um mês. Um exemplo é o caso da jovem Suzane Von Richthfofen, condenada por matar seus pais em 2002. É perceptível que até os dias de hoje ela é foco da grande mídia. Ainda cumprindo pena em regime fechado, recebe os holofotes quando recusa a progressão de regime para o semiaberto.

Mas existe uma violência camuflada: a institucionalizada, ou seja, perpetrada por aqueles que deveriam zelar pela proteção dos direitos fundamentais de qualquer ser humano. A quem caberia o zelo das garantias e da legalidade dos atos estatais, não o faz, acabando a utilizar desta roupagem para cometer uma série de arbitrariedades e por não legitimar o Estado de Direito, mas sim, um Estado de Polícia tão latente na década de 40, época da publicação do Código Penal e de Processo Penal.

A política de Lei e Ordem não pode ser mais aventada como um exemplo. Nos Estados Unidos, onde a massa carcerária é a maior do mundo, nunca se prenderam e cometeram tantas atrocidades contra latinos americanos. E isso sempre foi realizado na busca de neutralizar o “inimigo”, calcado pelo medo, como sinaliza Aury Lopes Jr em seu livro denominado ‘Introdução Crítica ao Processo Penal’. Por outro viés, vemos muita atrocidade naquele país, que não vemos no Brasil, como serial killers (aqui temos, bem verdade, porém, lá é corriqueiro), crianças que matam colegas em sala de aula, entre outros casos de violência. É outra cultura, e lá, há prisão perpétua e pena de morte, e mesmo assim, NUNCA diminuíram os índices de violência. Ao contrário, só aumentam. Então, não adianta importar!

Por outro lado, enquanto a investigação no Brasil continuar sendo realizada em delegacias, sem a presença de um Defensor (público ou privado), os indiciados irão continuar sendo alvo de uma série de arbitrariedades. Principalmente pelo fato de rezar abalizado pelo princípio fundante do Código de Processo Penal, da década de 40, que não vigora, nesta fase processual, o contraditório. Discurso este, que legitima a violência institucionalizada, pois, nesta época, simplesmente vivíamos sobre o Regime da Ditadura de Vargas!

Assim, delegados e juízes calcam suas diligências ou decisões na literalidade dos textos expressos nessa lei antiga, sem, contudo, interpretá-la de acordo com a Constituição Federal de 1988. Por exemplo: como uma testemunha intimada para prestar depoimento na Delegacia, pode ser alvo de Reconhecimento. Isto é: como pode fazer eventualmente prova contra ela mesma, sem sequer ter sido indiciada? Pois versa o art. 226 do Código de Processo Penal que “quando houver necessidade de fazer-se o reconhecimento da pessoa(...)”. Ora, na década de 40, nos porões da Ditadura, valia tudo. Qualquer pessoa, considerada subversiva, já era mandada para Delegacia, já era “fichada” e a polícia lhe mostrava as “boas vindas”! Agora, estamos em 2014, onde vige o princípio da presunção de inocência que adveio com a Constituição de 1988, dispondo que a todos presumirão sua inocência até que se prove o contrário (por sentença transitada em julgado, ou seja, que não caiba mais recurso). Portanto, este princípio engloba a todos. Assim, ninguém - indiciado ou testemunha - deverá fazer prova contra sua vontade.

Poderia escrever muito mais, mas o espaço é curto diante do tema. Ocorre que não podemos aceitar mais o discurso velho e ultrapassado do combate à violência, simplesmente com mais violência. Sabemos que a partir desse discurso, se vende mais e alimenta uma série de indústrias do medo. Mas, se realmente queremos diminuir a violência, o caminho há de ser outro, pois o atual, resta comprovadamente falido. A violência só aumenta, como bem ainda nos ensina o criminólogo Alessandro Baratta “Não se pode, ao mesmo tempo, excluir e incluir”. Pense nisso, caro leitor!!

(*) Daniel Viégas Barroso é advogado criminalista sócio do escritório FGBR Advogados em Campo Grande (MS). É autor do livro "Criminologia - do Estado de Polícia ao Estado de Direito", da Editora Conceito Editorial.

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