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Geral

Profissionais discutem como prevenir o uso de maconha

Agência Notisa - 21 de novembro de 2004 - 06:36

As discussões dos Simpósios começaram pelo que os especialistas apontam como o fundamental no combate ao uso de drogas: a prevenção. Família, escola, empresa e comunidade foram aspectos analisados.


O primeiro dia do IV Simpósio Internacional sobre Álcool e Outras Drogas, que começou dia 18 e termina hoje, no Rio de Janeiro, começou suas discussões propondo uma pergunta que há muito vem sendo feita: como prevenir o uso de drogas? Especialistas discutiram, dentro do curso "Maconha: mitos e verdades", as formas de prevenir o uso dessa substância, tendo como base quatro eixos: a família, a escola, a empresa e a comunidade.


Entre os palestrantes, estavam representantes da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, de empresas como a Petrobras, além de especialistas que atuam também na iniciativa privada. A platéia, composta por médicos, psicólogos, assistentes sociais entre outros profissionais, pôde interagir com a mesa, através de um debate ocorrido após o final das apresentações.


Um ponto comum entre as falas foi a necessidade de se criar parcerias entre os setores público, privado, organizações da sociedade civil e escolas. A importância da família e a contribuição que ela pode dar na recuperação de dependentes químicos também foi enfatizada pela mesa.


Família


Gisele Aleluia, especialista em dependência química, abriu sua apresentação pedindo que a platéia respondesse brevemente a uma pergunta: "o que a minha família de origem pensa e como se posiciona com o uso da maconha?". A partir daí, a palestrante mostrou, com a ajuda de casos clínicos, como a família pode participar da prevenção ao uso de substâncias entorpecentes. Um exemplo foi o caso dos pais C. e N., que procuraram a terapia porque o filho do meio apresentava um comportamento "preocupante", indo a muitas festas e buscando o isolamento da família. O pai achava que o filho precisava "querer mudar" e que eles não poderiam fazer nada caso isso não acontecesse.


A situação se agravou quando o jovem decidiu promover um "bacanal" na casa de praia da família, que descobriu a "travessura" e decidiu repreender o rapaz. Revoltado com a repreenda, o jovem tentou o suicídio, tomando comprimidos da mãe. No momento da consulta com a especialista, os pais estavam se julgando "muito rígidos" com o rapaz, que havia sobrevivido aos remédios, após lavagem estomacal. "Eles chegaram no consultório já se punindo muito, pois achavam que haviam sido muito duros com o filho e, por isso, ele tentara se matar. Só que os outros irmãos achavam o contrário. Para eles, os pais foram sempre muito permissivos", disse a especialista.


Gisele Aleluia, com base na observação de diversos casos clínicos, identifica três tipos de família. No primeiro, a família se sente em condição de controlar o filho, sendo, no segundo, o contrário. "Já o terceiro tipo de família é aquele que tenta controlar o filho através da droga. Ele dá droga para o filho, deixa que ele fume em casa, sobe morro para comprar droga para o filho, para que ele não se exponha. São os típicos pais que dizem: ‘eu não sou seu pai, sou seu amigo’", destacou a palestrante.


Como fatores de risco para o uso de drogas, Gisele Aleluia aponta a influência social — as amizades — , o uso de drogas pelo pai, mãe e amigos, uso precoce do álcool, além de baixa auto-estima. Já dentro da família, esses fatores ganhariam proporções ainda maiores, se acompanhados de: posições hierárquicas indefinidas, fronteiras difusas e relações simbióticas. "O jovem precisa identificar quem manda dentro da família. Não no sentido limitante, mas objetivando criar referenciais para ele próprio. Sobre as fronteiras difusas, essa moda agora de os filhos transarem na casa dos pais é o maior absurdo do mundo. Há uma perda de privacidade total para o jovem, tendo por traz uma família super-protetora que prefere que o filho fique em casa, do que se arriscar a ir a um motel ou coisa parecida", explicou.


Outro caso, descrito por Gisele, que mobilizou a platéia foi o da mãe que procurou a terapia para perguntar o que deveria responder ao filho que pedia para que ela mesma comprasse a droga que ele consumia. Segundo a mãe, o menino sabia que a droga lhe fazia mal, mas exigia consumir um único baseado a cada noite, contentando-se com a restrição. "Ela entrou no meu consultório me perguntando o que eu achava disso. Eu disse ‘olha, mãe, isso não vai ser nada bom’", contou. Passado um curto espaço de tempo, a mãe e o jovem retornaram à terapia, com aparente demonstração de que tudo estava resolvido. O jovem, que sofria com o sobrepeso, conseguira emagrecer, estava tirando boas notas na escola e tudo parecia bem, exceto por um fato: a mãe cedera as pressões e passara a fornecer o baseado (agora) noturno e diário do filho.


"Quer dizer: a droga jamais pode ser instrumento de controle do filho. Há famílias que só falam em droga, há outras onde até o assunto é proibido. O que é preciso entender é que a droga está ocupando o lugar dos relacionamentos familiares. Se o menino está se isolando da família, isso tem que servir de alerta, pois ele poderá substituir essa interação pela droga. O mais importante, assim, é valorizar os relacionamentos familiares", conclui Gisele Aleluia.


Escola


Encarregado de falar sobre o papel da escola na prevenção ao uso de drogas, o médico Fábio Barbirato, da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, trouxe um dado preocupante ao encontro. Segundo ele, 100% dos jovens estudantes da rede pública brasileira já experimentaram algum tipo de droga. A trajetória de inclusão no vício teria início com o consumo da dupla álcool-tabaco, passando à maconha, chegando à cocaína.


"Se para um adulto, que sai entre amigos, já é chato ficar sem beber aquela cervejinha, imagina para um adolescente, que passa por um período de aceitação perante um grupo, onde pertencer ou não à panelinha pode representar o consumo dessa ou daquela droga", explicou o médico. Ele cita que são fatores predisponentes ao uso de drogas: flutuação de afeto, baixa auto-estima, queda no desempenho escolar, uso precoce do álcool e facilidade do acesso às drogas, dramas comumente vivenciado pelos adolescentes.


"Eu estava conversando com um amigo meu que disse que a escola do filho dele chamou os pais para uma reunião. A proposta do colégio era fazer com que os pais monitorassem o comportamento dos filhos durante a saída da escola, hora em que há grande concentração de jovens do lado de fora, momento ideal para a ação dos traficantes", contou Fábio Barbirato. O médico lembrou que o drama da venda de drogas nas proximidades dos colégios cariocas é bastante comum, visto que muitas escolas de bairros da Zona Sul, por exemplo, situam-se perto de morros e bocas de fumo. "O estudante de colégio particular é o cliente ideal para o traficante. É jovem, logo vai fumar para tirar onda, e ainda por cima, tem grana para bancar o vício", diz.


Contudo, um ponto bastante destacado pelo médico é a presença de fatores paralelos, que possam levar ao consumo de drogas. O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), segundo o profissional, é uma das causas mais comuns que podem levar ao uso de drogas. "Uma criança que tenha um TDAH não diagnosticado pode gerar um adolescente que busque nas drogas muitas respostas que não encontrou na sociedade. O maior problema nisso é que os próprios profissionais sentem muita dificuldade para diagnosticar o TDAH. A escola, assim, poderia ser um aliado nessa luta, identificando crianças agitadas demais ou muito quietas, por exemplo", apontou Fábio Barbirato.


Na opinião do especialista, o papel do profissional, no diagnóstico mais preciso do TDAH, aliado à intensa observação do professor em sala de aula e, principalmente, ao apoio da família são fundamentais para a detecção de alterações que possam levar ao uso de drogas. "Sobre o consumo de drogas, a culpa não é nossa, mas o problema é nosso sim", conclui.


Empresa


Joaquim Melo, coordenador do Programa de Prevenção e Recuperação da Dependência Química da Petrobrás/Reduc, foi o nome escolhido para falar sobre o papel da empresa na inibição do uso de drogas. Na opinião dele, o papel dos meios de comunicação na divulgação dos malefícios das drogas é fundamental.


O palestrante explicou que a prevenção das drogas na empresa é feita tendo como base três vertentes: intervir antes do uso (primária), intervir durante o uso (secundária) e atuar na recuperação do paciente (terciária). "Desses três tipos, o mais importante é a abordagem primária, já que ela acontece antes do funcionário usar a droga. Ela deve ser constante, sempre se fazendo presente", destacou.


A abordagem primária do combate ao uso de drogas pode se basear no uso de material promocional/ educativo (folders, cartazes, brindes), do exame médico periódico dos funcionários, treinamento de agentes de saúde e gerentes (que atuariam como agentes multiplicadores), além da promoção de eventos em datas alusivas ao combate às drogas. "Por exemplo, no Dia Mundial do combate ao Fumo, a gente faz uma confraternização com os funcionários. Mandamos mensagens no contra-cheque, pela intranet; O jornalzinho interno da empresa é outro canal muito importante, pois o funcionário leva o jornal para casa e o filho lê, a mulher, a mãe, todo mundo lê e você está levando a campanha para dentro da família dele", explicou Joaquim Melo.


Já as prevenções secundária e terciária atuam em um terreno no qual o funcionário já teve algum contato com a droga. O coordenador do programa da Petrobras fez questão de ressaltar que esses programas nas empresas devem servir para recuperar profissionais, não para identificar possíveis usuários para serem demitidos. "O programa tem que servir para recuperar. Demitir um usuário de drogas, sem justa-causa, é um crime. Ninguém pode ser demitido de uma empresa só porque usa drogas. O usuário pode até ser demitido da empresa sim, mas porque abandonou o emprego, chega atrasado ou não cumpre suas tarefas corretamente, o que é algo relativamente comum nesses casos", disse.


De acordo com o palestrante, as empresas devem estar isentas de qualquer tipo de preconceito, quando o assunto é o uso de drogas. Lembrando que todas as empresas buscam o lucro suas iniciativas, incluindo os programas para dependentes, o representante da Petrobras destacou a importância de esses programas darem retorno para a empresa. "Empresa não é instituição de caridade. Ela faz isso e espera obter retorno financeiro, social e humanístico. Evitar possíveis danos que um funcionário dependente possa causar é, sem dúvida alguma, um grande benefício desses programas", finalizou.


Comunidade


Quem acompanhou a conferência do psiquiatra Jorge Jaber , proprietário de um clínica privada para dependentes químicos, sobre o papel da comunidade na prevenção ao uso de drogas ganhou de brinde um concerto de rap. É que o especialista, em um momento de descontração, interpretou trechos de um rap que prega a legalização da maconha, com brados de "legalize já".

"Maconha faz mal sim. Esse argumento de que é só uma erva, algo natural, portanto não traz malefícios é um dos maiores absurdos que podemos ouvir", enfatizou.


O palestrante destacou que a luta contra o uso de drogas tem que priorizar a abstinência total, mas a diminuição do uso já deve ser comemorada. Examinar a comunidade, ver quem são seus membros, quais suas atividades, que recursos dispõe e quais os poderes disponibilizados seriam fatores indispensáveis para buscar o apoio da sociedade civil na luta contra as drogas.


Jorge Jaber citou o exemplo da Câmara de Comércio da Barra da Tijuca, uma instituição da sociedade civil que, entre outros trabalhos, desenvolve campanhas de prevenção ao uso das drogas. "Temos cursos de primeiros socorros, senhoras que são voluntárias no Hospital Lourenço Jorge, chamadas de 'verdinhas' (em referência à cor do uniforme que usam), curso de como lavar cisternas, mas a luta contra as drogas tem sido uma de nossa metas nos últimos anos", destacou.


Contando com 139 mil moradores, de 180 condomínios da Barra da Tijuca, o projeto conta com financiamento de comerciantes locais, além do apoio da prefeitura, que fornece infra-estrutura aos eventos promovidos. "A gente junta um grupo, vai na prefeitura, e diz que quer falar com o Cesar Maia. Se ele não receber a gente, a gente diz que vai na Rede Globo dizer que o prefeito não recebe a comunidade. A gente luta com as armas que tem. A mídia tem sido um forte aliado", contou o palestrante.


Foi a exaustiva exposição na mídia, segundo Jorge Jaber, que alavancou a campanha anti-drogas da instituição. Contando com nomes conhecidos do grande público, como atrizes globais, atletas olímipicas e músicos, o projeto alcançou o horário nobre da TV, levando a causa para dentro dos lares brasileiros. "A gente se reúne em um hotel, que dá até lanche para a gente, e ali mesmo inicia a capacitação de jovens, que se transformam em agentes da mensagem anti-drogas. Treinamos a família, o jovem, a comunidade toda. Nessa luta, é fundamental você formar líderes dentro da própria comunidade. Às vezes, a gente vai dar uma palestra e tem só cinco pessoas. Outras vezes tem cem. O que importa é acreditar na força que a comunidade tem. A resposta pode estar nas nossas mãos", opinou.

(Agência Notisa – jornalismo científico - science journalism)

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