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Prepare-se para a era da precisão no diagnóstico de doenças

EPharma Notícias - 25 de setembro de 2017 - 18:00

São Paulo — Quando Arthur tinha 6 meses de vida, suas mãos e seus pés começaram a tremer. Após três dias na Unidade de Tratamento Intensivo, seu quadro ficou estável ao ser tratado com medicamentos para convulsão. No entanto, depois da retirada dos remédios, Arthur mudou completamente: seu corpo estava mole como o de um recém-nascido. Começava ali uma longa jornada médica de um ano e meio em busca da causa de sua doença. Foram três ressonâncias magnéticas, vários eletroencefalogramas, um sem-fim de exames de sangue e sessões semanais de fisioterapia e hidroterapia a fim de preservar sua musculatura. Os diagnósticos — todos inconclusivos e com divergências entre médicos — iam de epilepsia a paralisia cerebral.

Nesse longo processo, a família de Arthur gastou mais de 100.000 reais com consultas e procedimentos não cobertos pela seguradora de saúde. A resposta para o problema surgiu com um teste genético quando Arthur estava prestes a completar 2 anos. Por causa de uma rara mutação, ele tinha deficiência de uma enzima responsável pelo controle motor. Bastou o uso de um remédio utilizado no tratamento da doença de Parkinson para que Arthur recuperasse os movimentos — em 15 dias, ele conseguia se sentar; sete meses depois, começou a andar. “Sem o teste genético, meu filho estaria em uma cadeira de rodas até hoje”, diz Michele Monteiro Leite, enquanto olha Arthur andar em seu triciclo.

De todas as expectativas a respeito do desenvolvimento da genética — incluindo a clonagem e as terapias com células-tronco —, é na área do diagnóstico que ela desponta com benefícios para empresas e consumidores. Do lado dos pacientes, o teste genético abrevia a jornada em busca de respostas. Para hospitais e seguradoras pode significar uma redução expressiva dos custos com exames desnecessários e mais caros. Os especialistas em saúde consultados por EXAME são unânimes em dizer: testes de DNA serão, nos próximos anos, tão comuns quanto realizar um exame de raios X. Poder e medicina: A IBM mostra como a inteligência artificial está impactando a medicina e a precisão dos diagnósticos Patrocinado

Para isso, a tendência de queda no valor do teste — provocada pela adoção de novas técnicas de sequenciamento — joga a favor (veja quadro na pág. 46). Um bom exemplo desse movimento é o caso de Arthur. Realizado pelo laboratório Mendelics, com sede em São Paulo, o teste custou 10 000 reais em 2015. Hoje, graças a novas tecnologias, Michele poderia descobrir a doença do filho ainda na maternidade realizando um exame de 999 reais.

A Mendelics está lançando neste mês, em parceria com o Hospital MaterDei, de Belo Horizonte, o Primeiro Dia, uma versão genética complementar ao tradicional “teste do pezinho” — obrigatório e oferecido gratuitamente pelo SUS no Brasil. Só que, no lugar das seis doenças examinadas, o novo teste é capaz de detectar 150 enfermidades, a maioria não diagnosticável por nenhum teste a não ser por análise do DNA. “Não será preciso mais esperar a manifestação de sintomas para que as pessoas comecem o tratamento. Vamos encontrar essas doenças nos primeiros dias de vida”, afirma David Schlesinger, presidente e cofundador da Mendelics.

 O novo teste é uma mudança significativa para a Mendelics, fundada em 2011. Até agora, todos os testes da empresa estavam voltados para responder a uma pergunta médica específica. Por mais que, eventualmente, fossem encontradas outras mutações graves, como a de um câncer, o paciente recebia um laudo a respeito apenas da doença causadora dos sintomas relatados pelo médico. Com o teste Primeiro Dia é possível fazer uma abordagem mais aberta e investigar, ao mesmo tempo, 150 doenças tratáveis. Isso só é possível com um software de análise de um grande volume de dados de DNA — a Mendelics realiza 25.000 testes por ano.

A necessidade de um programa reflete no tamanho da equipe: há o dobro de profissionais de computação em relação ao número de biólogos na empresa. A razão para isso é que o DNA é uma estrutura de informação longa e complexa. De acordo com John Sulston, prêmio Nobel de Medicina de 2002, uma cadeia de DNA humano esticada mede cerca de 2 metros. Mas, se o DNA, em vez de sua escala microscópica, fosse da grossura de uma linha de costura, então a célula para abrigá-lo teria de medir 200 quilômetros de comprimento. Essa é a imagem do desafio que é armazenar os dados de genomas de pacientes em supercomputadores, interpretá-los com a ajuda de algoritmos e compará-los constantemente com a descoberta de novas mutações.

A briga por dados

É por isso que atualmente o mercado vive uma corrida por volume de testes: nesse tipo de negócio, a quantidade de dados disponível importa. Só nos Estados Unidos, desde agosto de 2015, o número de novos tipos de teste — que analisam apenas parte do genoma humano — oferecidos no mercado aumentou em oito vezes. Estão, afinal, todos de olho num potencial de negócio de mais de 22 bilhões de dólares anuais a partir de 2020.

Como o filão mais interessante é o de diagnósticos, algumas empresas estão começando a ajustar o foco de atuação ao sair de exames considerados recreativos para testes médicos. A 23andMe e a Ancestry.com, duas das principais empresas desse setor nos Estados Unidos, querem ir além de apenas vender exames que fornecem dados de ancestralidade, como a etnia da família e a quantidade de traços neandertais no DNA do cliente, e curiosidades inúteis sobre o tipo da cera de ouvido ou se a pessoa é portadora de uma mutação que provoca a alteração do odor da urina após a ingestão de aspargos. O que elas querem é entrar, definitivamente, no mercado de saúde.

A 23andMe, presidida e criada por Anne Wojcicki — ex-mulher de Sergey Brin, cofundador do Google —, conquistou em abril uma aprovação da FDA, o órgão regulador da saúde nos Estados Unidos, para oferecer testes de dez doenças genéticas — em 2013, o mesmo órgão havia barrado os primeiros testes da empresa. Diferentemente da brasileira Mendelics, a 23andMe oferece serviços diretamente ao cliente sem a necessidade de um pedido médico. A luz verde para a entrada no setor de diagnóstico foi fundamental para a conclusão de uma rodada de investimento de 250 milhões de dólares, liderada pelo fundo Sequoia Capital, no início de setembro. O aporte fez o valor da empresa subir 16%, alcançando 1,75 bilhão de dólares. “Nós apenas começamos a arranhar a superfície da genética voltada diretamente para os consumidores”, disse Anne em comunicado.

A concorrente Ancestry.com, por outro lado, adiou no dia 12 setembro o planejamento para a abertura do capital, prevista inicialmente para o próximo ano. Não que as perspectivas não sejam boas, pelo contrário. A Ancestry.com deve faturar 1 bilhão de dólares em 2017. Até agora, mais de 5 milhões de pessoas já fizeram o teste de ancestralidade com base no DNA — mais simples do que um teste de genoma completo — que custa 79 dólares. Seus clientes dispõem de uma rede social em que é possível rastrear parentes perdidos e analisar a presença de uma doença por gerações ou por ramos familiares. “O AncestryDNA é o maior serviço de genética do mundo, com crescimento de receita de 40% no segundo trimestre e previsão de crescimento de 30% para este ano”, disse na última semana Tim Sullivan, presidente da empresa.

O poder dos algoritmos

Essas empresas apostam que os bancos de dados que estão acumulando com testes mais simples — como o do gene do aspargo — podem ser a chave para o futuro do diagnóstico. Com o desenvolvimento de modelos matemáticos e de uma técnica conhecida como imputação, as empresas do ramo acreditam poder estabelecer correlações mais precisas entre os fenótipos — as características observáveis — e os genótipos — o conjunto dos genes. Mesmo que o paciente tenha sequenciado apenas parte de seu DNA, a promessa é que algoritmos façam o resto do trabalho calcados nos dados acumulados e num número mínimo de testes completos de referência. Seria, numa hipótese, traçar correlações entre as cores do cabelo e dos olhos com as probabilidades de desenvolver câncer ou ter ataque cardíaco.

Mayana Zatz, coordenadora do Centro de Pesquisas sobre o Genoma Humano e Células-Tronco da Universidade de São Paulo, é cética quanto à possibilidade de prever doenças com base num sequenciamento parcial combinado com modelos matemáticos, como querem a 23andMe e a Ancestry.com. Pioneira em estudos genéticos no país, ela sabe, no entanto, do poder que bancos de dados robustos têm na compreensão de doenças. Em parceria com o instituto Human Longevity, que tem o físico Peter Diamandis entre os fundadores, o centro da USP concluiu em julho uma etapa importante do projeto de sequenciamento genético de 1.300 idosos saudáveis — uma chave para a compreensão do envelhecimento e de doenças.

Numa primeira análise, que corresponde a apenas 1% dos dados disponíveis, foram encontradas 200.000 variantes do genoma humano que nunca haviam sido descritas antes. “Com esse banco de dados já conseguimos mudar diagnósticos, pois, uma mutação que antes era considerada uma doença, descobrimos agora que está presente em nossa população normal”, diz Mayana. Uma forma de expandir interpretações desse tipo seria com a construção de um grande banco público com as informações dos genomas do maior número possível de brasileiros.

O ministro da Saúde, Ricardo Barros, prometeu que testes desse tipo estarão disponíveis no SUS — embora não tenha fornecido uma data para isso. Segundo Mayana, se a medida fosse adotada, representaria um ganho no longo prazo para o sistema público de saúde. Sem contar, é claro, o impacto emocional ao evitar pular de médico em médico em busca de um diagnóstico. Um problema que Arthur e sua mãe conhecem muito bem.

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