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Pesquisa explica como bactéria engana o organismo

EPharma Notícias - 16 de fevereiro de 2016 - 18:00

Pesquisadores do Brasil, da Austrália e dos EUA descobriram como uma bactéria consegue enganar as células que invade, impedindo que elas revidem o ataque.

Pouca gente conhece a Coxiella burnetii, embora o micróbio tenha sido estudado como possível agente de um ataque biológico durante a Guerra Fria, conta Dario Zamboni, pesquisador da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto.

"Além de muito estável no ambiente, ela consegue causar a doença com alta eficiência. Bastam cinco indivíduos da espécie para desencadear a infecção numa pessoa", diz Zamboni, um dos autores da nova pesquisa sobre o micro-organismo, publicada na revista científica "Nature Communications".

Normalmente, a C. burnetii causa uma pneumonia leve, que pode ser confundida com uma gripe comum, capaz de "derrubar" o doente por dois ou três dias.

A presença da bactéria quase nunca é diagnosticada —o que não significa que muita gente não seja infectada por ela.

Muitas bactérias costumam tentar se reproduzir no interior de células humanas, como os macrófagos. Para isso, criam compartimentos especiais lá dentro

No entanto, as células do organismo humano aprenderam a reconhecer a presença de certas moléculas típicas dessas bactérias. Dado esse alarme, entra em ação uma enzima chamada caspase-1, que deflagra a “explosão” da célula infectada, num processo chamado piroptose

Na piroptose, formam-se grandes poros na membrana da célula, o que faz com que ela “estoure”. Ao mesmo tempo, são ativadas substâncias que favorecem processos de inflamação e mandam sinais de alerta para o sistema de defesa do organismo, as chamadas citocinas

Com a destruição da célula infectada, tais substâncias passam a circular, alertando outras células para combater a ameaça, o que explica a inflamação quando há uma infecção bacteriana

A NOVIDADE

Agora, pesquisadores brasileiros descobriram como a bactéria Coxiella burnetii, causadora de um tipo de pneumonia, é capaz de bloquear a ativação da piroptose, o que pode ajudar tanto a combater o micróbio como a entender processos de inflamação

"Levando em conta os estudos que avaliam a presença de anticorpos produzidos pelo organismo como reação à presença da bactéria, e que permanecem no corpo por muito tempo após a infecção, cerca de 5% da população parece ter tido contato com ela", afirma Zamboni.

Há casos bem mais sérios, quando a C. burnetii leva à hepatite ou à endocardite (problema que afeta a camada mais interna do coração, o endocárdio).

A bactéria é o que os biólogos chamam de patógeno intracelular, ou seja, só se sente à vontade no interior das células humanas, numa estrutura chamada vacúolo.

Protegida nesse "saco de dormir" que, por sua vez, fica dentro dos macrófagos (uma célula de defesa do organismo), a C. burnetii se põe a manipular o hospedeiro.

Um dos pontos mais importantes desse processo é a maneira como o micro-organismo engana o sistema de alerta inflamatório dos macrófagos. Quando outras bactérias chegam no interior desse tipo de célula, substâncias produzidas por elas são reconhecidas por esse sistema, o chamado inflamassomo.

Os componentes-chave do inflamassomo são moléculas conhecidas como caspases, cuja ação leva à abertura de buracos na membrana dos macrófagos e à autodestruição dessas células, chamada de piroptose.

Ao "estourar", a célula infectada que sofre piroptose libera substâncias que promovem a inflamação e o combate à bactéria invasora.

Tudo isso também deveria acontecer quando a C. burnetii se instala nas células humanas, mas os pesquisadores descobriram que o micróbio é particularmente hábil em evitar a piroptose de suas vítimas e continuar se multiplicando dentro delas.

O difícil era saber como a C. burnetii fazia isso, em parte porque é complicado cultivar a bactéria em laboratório (ela se multiplica devagar) e manipulá-la geneticamente para estudar quais trechos de seu DNA estão ligados a esses talentos especiais.

Zamboni e seus colegas brasileiros contornaram esses problemas com a ajuda da pesquisadora australiana Hayley Newton, da Universidade de Melbourne, uma das primeiras a "domesticar" o patógeno, e que também assina o estudo junto com ele. Newton e a equipe da USP de Ribeirão Preto conseguiram identificar um gene da bactéria até então desconhecido, apelidado de IcaA.

Esse gene contém a receita para a produção de uma molécula que a bactéria injeta na célula onde está alojada e que é capaz de bloquear justamente a ativação do inflamassomo por uma das caspases. Esse não deve ser o único truque da C. burnetii, mas certamente é um dos mais importantes.

CONTRA SEPSE?

Além de abrir a possibilidade de combatermos essa bactéria no futuro, a descoberta também pode ajudar na formulação de estratégias contra a sepse, um problema que mata pacientes (em geral gente que está hospitalizada há muito tempo) por causa da resposta inflamatória excessiva do corpo a uma infecção.

A ideia é usar os poderes do micro-organismo para o bem, digamos, aproveitando o mecanismo do gene IcaA para desarmar a inflamação.

Seja como for, num momento em que praticamente todos os antibióticos disponíveis estão tendo de enfrentar bactérias resistentes a eles, nunca é demais entender mais precisamente a biologia desses patógenos.

"Se você aprender a inibir uma agulha molecular como essa, você pode não matar a bactéria, mas evita que ela se espalhe pelo organismo", resume Zamboni.

A pesquisa teve apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e do programa Ciência Sem Fronteiras, do governo federal.

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