Cassilândia Notícias

Cassilândia Notícias
Cassilândia, Terça, 19 de Março de 2024
Envie sua matéria (67) 99266-0985

Geral

Para durar, capitalismo precisa reaver legitimidade, diz ex-docente de Oxford

Correio do Estado - 17 de dezembro de 2017 - 09:30

À frente do MBA da Universidade de Oxford por 14 anos, uma das dez melhores instituições de ensino superior do mundo, Stephan Chambers se define como capitalista. Na sua visão, uma das saídas para a crise de legitimidade pela qual o mercado passa são os negócios com propósito.

'Propósito e lucro não são excludentes. O poder do capitalismo pode servir para o benefício público assim como para o retorno privado', afirmou à reportagem o agora diretor do Instituto Marshall de Filantropia e Empreendedorismo Social da LSE (The London School of Economics and Political Science).

Ele integrou o início do movimento que levou essa visão para quase toda faculdade de administração no mundo e que começou em Oxford por iniciativa de Jeff Skoll, cofundador do eBay e criador da Fundação Skoll.

Agora, em outra instituição de prestígio, ele começa o próximo passo coordenando um novo mestrado executivo em setembro de 2018. 'Uma educação clássica de MBA é desenhada para pessoas comandarem empresas no último pedaço do século 20. Eles não estão equipados para lidar com a complexidade que temos hoje.'

PERGUNTA - Como você chegou ao empreendedorismo social?
STEPHAN CHAMBERS - Há aproximadamente 20 anos me convidaram para ensinar alunos do MBA de Oxford a começar novos negócios, e fiquei interessado na ideia de que era possível criar algo sem possuir todas as peças.
Comecei a pensar: 'E se essa lógica fosse aplicada em coisas que realmente importam, como grandes injustiças ou grandes fracassos do mercado?'. Por coincidência, conheci o então novo presidente da Fundação Skoll na Califórnia. Tivemos uma conversa que terminou na ideia de construir um movimento para fazer algo com relação a isso.

P - Qual era o objetivo?
SC - Pensamos fazer isso de três formas diferentes: reconhecer o trabalho de pessoas que estavam fazendo coisas incríveis sobre as quais ninguém sabia; mudar como as faculdades de administração ensinavam empreendedorismo, mudando para o viés social; e tentar colocar algumas ideias, teorias e pesquisas na direção desse campo que estava emergindo.
Jeff Skoll, cofundador do eBay, criou então a empresa em Oxford em um tempo em que nenhuma universidade no mundo sabia o que era empreendedorismo social e nenhuma grande faculdade de administração tinha isso como um elemento central.

P - Como isso impactou o ensino de administração?
SC - 17, 18, 19 anos depois, as grandes instituições levam esse movimento muito a sério. Estudantes do mundo todo estão batendo nas portas desses lugares dizendo que se importam com propósito tanto quanto com lucro. Toda grande faculdade de administração do mundo tem a presença do empreendedorismo social.

P - Quais foram os principais desafios?
SC - Encontramos menos obstáculos do que se possa imaginar. Pessoas diziam que isso era ótimo, mas não era real. Depois, diziam que os negócios que importavam eram aqueles no centro da distinção entre fazer o bem e fazer bem. E então as pessoas no movimento de Empresas B chegaram e disseram que isso não era verdade, que era possível melhorar a performance em diferentes métricas se estiver fazendo o certo ao invés do otimizado.

P - E qual é o maior desafio neste momento?
SC - Provavelmente a crise global de legitimidade no capitalismo. Se o sonho do mercado global capitalista de acabar com a pobreza, reduzir a desigualdade, criar uma classe média forte, se esse sonho se mostrar um pesadelo, todo o tipo de coisa ruim vai acontecer.

P - Como superar isso?
SC - Demonstrando que propósito e lucro não são excludentes. O poder do capitalismo pode servir para o benefício público assim como para o retorno privado. Por mais de 50 anos, as organizações privadas globais foram lideradas por pessoas treinadas de uma maneira particularmente ortodoxa, da primazia do acionista. Gostaria de um mundo em que nos próximos 50 anos treinássemos essas pessoas na primazia social.

P - Educação é um ponto chave?
SC - Sim, principalmente para mim, que estou numa instituição de ensino e meu jeito de tratar essa questão é tentando criar um novo programa no coração de uma instituição de elite. Se tivermos sucesso, teremos o mesmo efeito que Skoll teve em Oxford.

P - Que metodologia o programa pretende disseminar?
SC - Não chamaria de metodologia. As crises são cíclicas, e precisamos parar esse progresso antagonista. Uma educação clássica de MBA é desenhada para pessoas comandarem empresas no último pedaço do século 20. Eles não estão equipados para lidar com a complexidade que temos hoje de legitimidade, informação, tecnologia, globalização e novos tipos de polarizações políticas. Tudo isso atinge as empresas.
Os desafios são muito grandes e as crises são tão extremas que precisamos de uma nova versão do que são os negócios. A maioria dos impactos nas empresas hoje vem de fora dela. 50 anos atrás, vinha de dentro. Os programas tradicionais de MBA não entendem isso bem o suficiente. Liderei um programa de MBA por quase 20 anos e acredito no ensino de administração, mas precisamos desafiar alguns desses métodos ortodoxos.

P - Esse movimento não fica limitado às faculdades de administração?
SC - Não acredito que isso seja verdade. As pessoas não precisam ser encorajadas a verem a si como empreendedores. Isso vem muito naturalmente, especialmente em países com desafios políticos e de infraestrutura. Os países mais pobres são os que mais têm empreendedores porque essas pessoas não podem depender do Estado ou de empregos estáveis, elas têm que seguir por conta própria.

P - O que você espera desse movimento nos próximos 20 anos?
SC - Que qualquer previsão que eu faça estará errada. Mas um momento interessante na história mundial será quando todo os negócios sejam considerados sociais e sejam regulados, medidos, taxados e investidos com base nisso.
Isso pode não estar tão longe quanto se imagina. Para o capitalismo sobreviver ­e eu sou um capitalista­, é preciso que ele reivindique sua legitimidade. Precisa lutar contra corrupção, desigualdade, degradação ambiental, injustiça. A alternativa é muito horrível.

P - Não é preciso um sistema completamente diferente?
SC - Se você puder me falar como seria esse sistema, talvez eu pudesse responder. Não é possível reiniciar sociedades complexas, não é assim que funciona. A qualquer lugar do mundo que eu vá, as pessoas estão comprometidas em melhorar o mundo. O que precisamos fazer agora é alinhar nossas organizações com esse impulso humano, que é totalmente renovável. Um dos grandes recursos renováveis do mundo é a generosidade humana.

SIGA-NOS NO Google News