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País tem longo caminho a percorrer no combate à corrupção, avaliam especialistas

Agência Brasil - 04 de junho de 2016 - 15:24

Especialistas em corrupção avaliam que o Brasil tem um longo caminho a percorrer a fim de encontrar uma saída para o desvio de recursos públicos, classificado por representantes de órgãos de controle nacionais como um problema sistêmico e presente em toda a sociedade. Apesar desse quadro sistêmico, na opinião deles, os brasileiros estão mais atentos a irregularidades, o que abre uma oportunidade – e um desafio – para que a desonestidade seja extinguida da vida pública e privada nacionais.

O tema da corrupção foi debatido no Recife, em um evento nacional que reuniu, na quinta-feira (2) e na sexta (3) desta semana, representantes de organizações públicas e civis para discutir como podem trabalhar juntos e que mecanismos são necessários para isso. A Agência Brasil conversou com alguns desses especialistas. E a primeira conclusão unânime é: a percepção de que um ou outro partido ou político rouba mais é ilusão. O que existe é um problema sistêmico de mau uso dos recursos públicos – e também do mau exemplo da população em atos cotidianos.

O conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e procurador regional da República, Fábio George Cruz da Nóbrega, é taxativo: “Corrupção no país não tem cor partidária. Eu estou há 20 anos nessa atuação. Em todos os governos houve casos emblemáticos de malversação de recursos públicos. Não é partido A, B ou C”. Nóbrega foi um dos criadores do primeiro Fórum de Combate à Corrupção (Focco) do Brasil, na Paraíba, e articulou outros Brasil afora.

Assim como não é exclusividade de determinado governo, a corrupção também não se limita ao poder público, segundo o presidente da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), Valdecir Pascoal. “Ela atinge todos, e um fato novo muito importante que a Lava-Jato trouxe foi mostrar que o setor privado tem corrupção. Porque antes era só a imagem do agente público, e agora não, está comprovado. O setor privado se organizava em cartéis”.

Tanto o conselheiro Fábio George como Valdecir apontam o financiamento privado de campanhas eleitorais como uma fonte dessa relação que culmina em atos de corrupção. “É um problema grave o financiamento de campanhas eleitorais feito por grandes empresas, que depois querem o troco, ou seja, querendo conquistar de maneira ilícita contratos e serviços públicos”, disse.

O Supremo Tribunal Federal (STF) declarou no ano passado a inconstitucionalidade da doação de pessoas jurídicas a campanhas, mas ainda é possível contribuir como pessoa física. “Na eleição de prefeito agora vai ser uma grande experiência, para ver se essa norma que o Supremo delimitou se vai ser útil”, analisa o presidente da Atricon.

Educação e integração contra ilegalidades

A relação existe também entre os pequenos atos irregulares julgados como sem importância por quem o comete e os grandes desvios de dinheiro público. “O mau exemplo daqueles que deveria, na administração pública, zelar pela coisa pública, faz com que a população deixe de adotar práticas éticas no dia a dia. Pesquisa do Ibope detectou que 75% do povo brasileiro condenam a corrupção na vida pública, mas faria o mesmo se lá estivesse. São atos como furar fila, pagar propina para não receber multa, que acabam se espalhando. Uma coisa reforça a outra”, disse Fábio George. “E aqueles que estão na vida pública e observam que a população não cumpre isso no dia a dia acabam tendo a percepção que existe uma tolerância em relação a essas práticas”.

Outro efeito é o descrédito das instituições que compõe o Estado e da própria democracia. Para os especialistas, a Operação Lava Jato deu uma oportunidade para que os órgãos de controle ganhem a confiança da população, mas para conseguir resultados efetivos, Valdecir Pascoal defende a integração dos trabalhos. “Esse tempo de lançar anzóis individuais tem que acabar, é preciso ter a ideia de rede. Tem que ter a integração cada vez mais, complementaridade, ser solidário com o outro órgão de controle. Porque a corrupção é organizada, então a gente tem que ser cada vez mais integrado para dar mais efetividade no combate à corrupção”.

Os participantes do encontro também defendem que a população se organize para fiscalizar o poder público. “A população tem papel fundamental. Num país de proporções continentais como o nosso, é impossível para os órgãos de controle saber o que está sendo feito com dinheiro público em todos esses locais”, afirmou o conselheiro Fábio George.

Uma das experiências levadas ao evento foi a do Observatório Social do Brasil. Criado no interior do Paraná, está presente hoje em 107 cidades e 19 estados. Em outros 98 municípios o projeto está em fase de implementação, que entre outros aspectos acompanha o uso de recursos públicos pelas prefeituras. De acordo com o presidente nacional da organização, Ney Ribas, em três anos o grupo já conseguiu a economia de mais de R$ 1,5 bilhão de recursos públicos. “A operação Lava Jato, com toda a estrutura que tem, conseguiu R$ 3 bilhões. Então é significativo”, disse.

O trabalho consiste em acompanhar as ações da gestão municipal, da publicação de um determinado edital até a entrega do produto ou serviço, para atuar de forma preventiva. “Quando encontramos algo errado, a primeira pessoa a ser notificada é o gestor. Se ele não resolver, vamos a outras autoridades, como o Ministério Público”, afirmou Ribas. Para isso, um princípio deve ser respeitado: não é permitido receber recursos públicos do ente monitorado para financiar as atividades da organização.

A educação para a cidadania é outro objetivo do Observatório. Primeiro, para entender a estrutura do Estado brasileiro. É comum ouvir e ler comentários que confundem o papel de cada um dos três poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – e também dos níveis federal, estadual e municipal. Se o posto de saúde vai mal, a culpa é de quem?

Dados da Controladoria-Geral da União (CGU) levantados com um terço dos municípios brasileiros e apresentados pelo conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) indicam que quatro em cada cinco (80%) prefeituras fiscalizadas apresentam irregularidades graves e médias, o que significa a ocorrência de desvios de recursos públicos federais. “É na nossa cidade que o dinheiro público é gasto. Ou ele some no meio do caminho ou some na nossa cidade”, diz, sugerindo que o controle social das prefeituras é uma arma de combate à corrupção.

Para isso, o presidente da organização defende que os conselhos municipais sejam ocupados de fato pela comunidade, e que seus integrantes sejam capacitados. “Para que tomem consciência da responsabilidade que eles têm, e não apenas assinem. E a participação tem que ser efetiva, o representante do nosso bairro tem que participar das reuniões do conselho da merenda escolar, da saúde, de todos. Temos que participar inclusive da vida das câmaras municipais”, defende.

Justiça e Congresso demoram

Fábio George entende que a rapidez no julgamento de contas públicas e de processos de corrupção na Justiça também deve entrar no pacote de instrumentos contra esse tipo de ilegalidade. “É uma Justiça que ainda é morosa. Não se pode admitir que alguém cometa um crime tão grave e precise de 10, 15 anos para receber uma sanção. Isso estimula práticas criminosas”, afirmou o conselheiro do CNMP.

Em paralelo, o presidente da Atricon, Valdecir Pascoal, fala da demora dos tribunais de contas – e do Congresso Nacional – em cumprir a atribuição de decidir sobre as contas do Poder Executivo. O TCU elabora um parecer técnico sobre a prestação de contas da Presidência da República, que é remetido ao Poder Legislativo. No caso federal, o Congresso Nacional tem a competência de julgar, anualmente, essas informações prestadas. O mesmo ocorre nos estados, com seus órgãos correspondentes.

Ganhou repercussão nacional a decisão, proferida pelo Tribunal de Contas da União (TCU), de recusa das contas do exercício de 2014 da presidenta afastada Dilma Rousseff. O órgão anunciou na última quarta-feira (1º) que vai julgar as do ano de 2015 a partir do dia 15 de junho. Essa velocidade, segundo Pascoal, não é a regra pelo país. “É um grande desafio. Sem prescindir da qualidade, é fundamental que se julgue as contas até o fim do exercício seguinte. Fora isso, acompanhar a gestão concomitantemente. Se você analisar preventivamente, assim que concluir o exercício financeiro você vai estar com análise já, então é muito mais rápido oferecer julgamento”, defende.

Mas, para Valdecir Pascoal, no Poder Legislativo é que reside o caso mais grave. O Congresso Nacional, por exemplo, não aprecia esses pareceres há 12 anos, ou seja: não faz os julgamentos finais cuja competência é exclusivamente sua. “É desde a época do Collor. O tribunal está fazendo sua parte, mas é fundamental que o Congresso Nacional se sensibilize para essa sua função primordial que é o poder fiscalizador do Poder Legislativo”, diz o presidente da Atricon.

Discussão de instituições fortes passa pela CGU

É no contexto de crise de confiança e tentativa de integração das instituições que os servidores da CGU fizeram uma série de manifestações contra a extinção do órgão e a nomeação de Fabiano Silveira como ministro da Transparência, Fiscalização e Controle (nova pasta que absorve a CGU), depois que foi divulgado o áudio da sua conversa com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), na qual ele critica a condução da Operação Lava Jato. Eles conseguiram que Silveira deixasse o cargo, mas continuam se mobilizando para que a antiga estrutura seja mantida.

O chefe da Controladoria Regional da União no Estado de Pernambuco, Victor de Souza Leão, disse que defende o quadro de funcionários do órgão: “A prioridade é voltar o status que a CGU tinha antes. Voltar para a [estrutura da] Presidência da República, porque como ministério perdemos poder com relação às demais pastas que a gente fiscaliza”.

De acordo com Leão, não existe clareza na motivação da mudança. “Por que mexer no que estava funcionando? Qual foi o ganho que a CGU teve em passar para o nível dos demais ministérios?”, indaga. A manutenção do nome da controladoria também é considerada importante para o movimento. “A marca CGU já fazia parte do vocabulário do nosso povo. Perder isso é perder força e identidade do nosso trabalho”, afirma o chefe regional.

Segundo ele, A mudança feita pelo governo convive com outra luta mais antiga dos servidores do órgão. Os funcionários da controladoria que participaram do encontro no Recife usaram uma camisa pedindo “CGU na Constituição Já”, uma demanda que tem a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 45/2009 como alvo. A PEC, se aprovada, torna permanente os órgãos de controle interno. A proposta está em tramitação no Senado Federal.

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