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O recado do Cheida: Visgo para quem gosta dele

Luiz Eduardio Cheida - 08 de fevereiro de 2008 - 08:45

E foi de repente.
Tudo começou, na pequena Muriqui da Mata, em uma tarde ensolarada de abril quando o passarinheiro Serginho João-de-barro jurou sobre a bíblia ter visto pardal passar voando, batendo apenas a asa do lado direito.

À noitinha, a professora Quequé já avistava o gato vizinho fazendo um ó com a cauda, por ter a ponta do rabo colada às costas.

O galo da madrugada, com sotaque de galo de bico fechado, no lugar do tradicionalista cocoricóóóó! emitiu um desprezível hãhãhãhãããã!

E ao sair dos primeiros raios de sol da manhã, a cada rajada mais forte da brisa outonal, as andorinhas pousadas nos fios levantavam as asas, adernavam para trás e para frente, mas não despregavam do lugar: firmes como anu no arame em dia de vento.

Aquilo não estava com jeito de coisas de Deus.

Por precaução, o padre chamou missa extra e o prefeito mandou buscar Tonim Benzedor, especialista nos casos de nó em rabo de cavalo, pertence sumido, casamento desfeito, noivado vencido, espinhela caída.

De olhos fechados, mascando uma ave-maria e remexendo o terço dentro do bolso, após tomar ciência dos fatos mandou que o povinho ficasse a distância prudente como era praxe em casos daquela natureza. Formou-se, então, uma roda e o velho Tonim Benzedor, do alto de seus noventa e seis anos, doze mordidas de cobra, três carreirões de onça, seis pneumonias, uma joanete e dois caninos sobreviventes, sapecou:

- É visgo!

O povo encolheu.

Na surpresa do inesperado diagnóstico, o anão Breginaldo Ganimedes, nos seus um metro e vinte de tamanho e muito mais que isso de serviços prestados à frente da coletoria estadual, empalideceu e engoliu seco. Imediatamente depois desengoliu, avermelhou as bochechas e as pontas das orelhas, passou a sapatear e erguer os bracinhos acima da cabeça e, com as mãos em jeito de ventilador, gritava de Breginaldo para Breginaldo:

- Cuméquipode ser visgo se visgo está proibido por aqui desde a geada negra de 1975?

De fato, por ordem legal da distinta e destemida Câmara Municipal, há mais de 30 anos a pequena Muriqui da Mata tornara ilegal a prática do visgo.

Desde então jamais se ouvira dizer que a moda de pegar passarinho com o leite pegajoso de cipó tivesse voltado àquelas bandas. Como acreditar que, sem mais nem menos, a prática retornara?

Era o que todos se perguntavam, exceto o delegado Celsão Aroeira, para quem o faniquito de Breginaldo não passara despercebido. Inda mais sabedor que era de que o anão, em tempos idos e esquecidos, fora o maior (!) visgueiro que a região da mata conhecera. No visgo de Breginaldo sentava, e não levantava vôo nunca mais, qualquer bicho de pena. De curruíra a saracura.

- De rato distraído a capivara curiosa – dizia ele na pontinha dos pés.

Por tudo isso, naquela mesma noite, cidade caída no sono e Tonim Benzedor longe dali, Celsão Aroeira, que de visgo conhecia até o que não devia, colocou seu plano em ação.

Manhã seguinte correu notícia de que o delegado saíra em viagem longa, pra lá de dez dias. O terreno estava limpo.

Em verdade, de tocaia no mato, Aroeira esperava pelo anão. Esperou pouco. No sol das nove o matagal começou a mexer. Não se via ninguém. O delegado apurou os olhos tentando enxergar Breginaldo no meio da quiçaça. Nada. Entretanto, no barulho de facão do primeiro corte de cipó, Aroeira desabou em cima do meliante, que gritou surpreso:

- Celsão Aroeira!

E Celsão, mais surpreso ainda:

- Serginho João-de-barro! É você?! Cadê o anão?

- Ele pediu que eu viesse tirar visgo pra ele, delegado – retrucou ofegante.

Mas já era tarde para mentir. E Celsão Aroeira levou João-de-barro, sem visgo e sem nada, para cantar por um bom tempo na intimidade da delegacia.

E a caminho do xilindró:

- Quebra esse galho, Dr. Celsão..
.
- Quem quebra galho é macaco gordo, seu João.

Assim são a lei e os homens da lei em Muriqui da Mata.

Um forte abraço e até sexta que vem.

P.S. O visgo é um arbusto da família das leguminosas, nativo das Guianas e do Brasil. Em território brasileir, só não é natural nos estados do sul. Tem folhas amarelas e resina pegajosa. Untando-se esta resina a galhos, onde pequenos pássaros possam assentar-se, é possível capturá-los.



Luiz Eduardo Cheida é médico, deputado estadual e presidente da Comissão de Ecologia da Assembléia Legislativa do Paraná. Premiado pela ONU por seus projetos ambientais, foi prefeito de Londrina, secretário de Estado do Meio Ambiente, membro titular do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) e do Conselho Nacional de Recursos Hídricos.

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