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O recado do Cheida - Valores e Valore$

Luis Eduardo Cheida* - 01 de junho de 2007 - 15:46

Miguel, meu filho de três anos, acordou esta semana com uma nota de R$1 enrolada e apertada na palma da mão direita. Tão pequenina a mão que a suada notinha sobrava metade pra cima e metade pra baixo no punho cerrado.

Passou a manhã com ela. Tomou café de mão fechada. Escovou os dentes com a mão esquerda. Brincou de bola sem abrir os dedos.

Quando cheguei para o almoço, vi a cena e não resisti:

- Miguel, esse dinheirinho é seu?

- Não. É do bejafoi [Nota do Tradutor: beija-flor].

Criança é criança. Por isso, tratei de ir colocando meu feijão no pato, isto é, no prato. E, de rabo de olho, vendo-o equilibrar o garfo na mão trocada.

Minha garganta coçava de vontade de dizer pra ele guardar aquela nota, lavar as duas mãos e comer direito. Mas, como dizem que não é bom falar que dinheiro é sujo, cocei a goela com mais um punhado de arroz.

Pedro, de cinco anos, como irmão mais velho, portanto, com mais autoridade, tratou de quebrar o gelo:

- Quem te deu esse dinheiro, Miguel?

- A mamãe.

- Dá ele pra mim?

- Não. Ele é do bejafoi.

Não mais contive a irritação:

- Mas, que diacho de beija-flor é esse, moleque?

E ele, assustado com a brabeza do pai:

- Esse qui, ó – balbuciou, abrindo a mãozinha direita pela primeira vez.

Desenrolei a nota quase molhada e, no verso, vi um beija-flor dando de comer no bico a seus dois filhotes.

Ele não estava nem aí para o valor da nota. Aliás, achava até que a nota nem era dele. Para ele, o valor estava no passarinho, que alimentava os filhotes.

Há valores e valores.

O Miguel vai crescer e eu terei que ensinar a ele que dinheiro também tem valor. E que é preciso ir buscá-lo, com honestidade e honradez, mas é preciso ir atrás. Não por causa de algum beija-flor e sim pela sobrevivência.

Mas, como garantir que ele continue sentindo na alma que os beija-flores são ainda mais valiosos que o dinheiro que ele terá que ganhar? Até porque não sou somente eu quem fala. A TV fala. O professor ensina. Os amigos sugerem. O mercado impõe. E quase todos dirão a ele o contrário do que eu gostaria que dissessem. E eu nem sempre estarei lá, com direito ao contraditório. E, um dia, pode ser que eu me surpreenda novamente ao perguntar:

- Miguel, esse dinheirinho é seu?

- Sim, pai, esse dinheiro é meu! Meu!

Ah! Miguel, existem tantas coisas que eu gostaria de assoprar nesta sua alma generosa, mas você ainda é tão pequeno...

Tempo ao tempo: espero não faltar e viver o bastante para desfrutar a lição que você acaba de me ensinar: beija-flor alimentando os filhotes é mais valioso que dinheiro.

Não vou me esquecer, filho.

Nunca se esqueça você também.

Se me permitem, hoje o meu abraço vai só pra ele.

Um forte abraço, Miguel, e até sexta que vem.


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*Luiz Eduardo Cheida é médico, deputado estadual e presidente da Comissão de Ecologia da Assembléia Legislativa do Paraná. Foi prefeito de Londrina, Secretário de Estado do Meio Ambiente, membro titular do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) e do Conselho Nacional de Recursos Hídricos.

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