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O recado do Cheida: Um pacto com a natureza

Luis Eduardo Cheida* - 03 de agosto de 2007 - 08:12

No ano da graça de 1587, aldeões franceses de Saint-Julie instauraram um processo junto ao juiz episcopal, contra uma colônia de carunchos. Os insetos haviam invadido seus vinhedos e causavam consideráveis estragos.

A petição foi endereçada:


- “Reverendíssimo senhor vigário geral e oficial do bispado, suplicamos que sejam graciosamente prescritas as medidas convenientes para apaziguar a cólera divina e proceder, de acordo com a boa usança, por via de excomunhão ou toda e qualquer outra censura apropriada, à expulsão definitiva destas pragas”.



Quarenta anos antes, os mesmos carunchos, ou melhor, seus ancestrais, tinham sido vítimas de idêntico processo. O caso era crônico. Naquela oportunidade, valha a verdade, o caso saldara-se com a vitória dos insetos, sob a seguinte argumentação:


- “Estes animais, criados por Deus, possuem o mesmo direito que os homens de alimentarem-se”. E, emendando a sentença, agora para cima dos reclamantes: - “Por isso, evocando a misericórdia divina, limito-me a prescrever numerosas preces públicas, intimando-os a arrepender-se sinceramente de seus pecados. De passagem, convido-os a pagarem seus dízimos, sem tardança, bem como a efetuarem três procissões ao redor dos vinhedos invadidos”.

Assim, depois deste 1 X 0 na invasão, agora os vinhateiros esperavam a cumplicidade do juiz. No mínimo, sensibilidade diante do recorrente flagelo.

Mas, o contrário aconteceu. O oficial ofereceu aos insetos um procurador, assistido por um novo advogado, e encarregou o vigário local de, preliminarmente, aplicar a mesma sentença de quarenta anos antes. O que foi feito com grande cerimon ial. Depois, o advogado dos insetos explorou tanto e tão bem os vícios de forma e conteúdo da acusação que esta, pressentindo o pior, tratou de convocar a assembléia geral dos habitantes. Estes, sem cerimônia, decidiram arrendar aos animais “lugar suficiente, fora dos vinhedos, no qual possam viver e comer”.



Após madura reflexão, ofereceram aos carunchos um lugar chamado La Grand-Feisse, de 45 sesteiros (200 alqueires) provido de faias, carvalhos, cerejeiras, plátanos, arbustos, ervas e pastos em abundância, convencendo a parte contrária de sua boa-vontade e da qualidade e valor real das terras:


- “É lavrado o presente contrato de cessão das supracitadas terras, nas condições acima estipuladas, tal como será requerido e assinado em boa forma, para ser válido ad perpetuam...”



Quequié isso? Acaso animais são pessoas jurídicas?



Este caso é a primeira evidência de um contrato entre diferentes seres da natureza. Porém, seu valor está em testemunhar o quanto achamos absurdo pactuar com a natureza. Parece insensato tratar os animais como pessoas jurídicas. É que, no senso comum, semelhante só pactua com semelhante. Mais uma prova de que não nos consideramos semelhantes à natureza.



Para a espécie humana, nunca o acordo. O litígio sempre é a escolha quando se tratra de definir o modelo de como lidar com o mundo natural.



Mas, parece que isso não vem dando certo...



Talvez, então, devamos tentar outro modelo. Um modelo que pactue uma aproximação porque se reconhece a autoridade de ambas as partes. Porque se reconhece o valor que os dois lados têm. Um pacto entre iguais.



Se semelhantes pactuam com semelhantes, apenas nos reconhecendo enquanto mundo natural, pactuaremos com ele.


É uma premissa. Sem ela, é caruncho no seu pé de uva. Na certa.

Um forte abraço e até sexta que vem.




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*uiz Eduardo Cheida é médico, deputado estadual e presidente da Comissão de Ecologia da Assembléia Legislativa do Paraná. Foi prefeito de Londrina, Secretário de Estado do Meio Ambiente, membro titular do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) e do Conselho Nacional de Recursos Hídricos.

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