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O recado do Cheida: Quem é que manda

Luiz Eduardo Cheida - 14 de março de 2008 - 07:54

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Em uma roda pós-prandial, perdida no tempo do século XVIII, na velha Inglaterra, imersos na névoa de cachimbos e charutos, iminentes cientistas divagam:

- O triunfo da ciência é devolver ao homem o domínio sobre a criação que, em parte, ele perdeu com o pecado original – pondera Francis Bacon.
- Realmente! A ciência deve deixar claro a necessidade do império da espécie humana sobre as coisas da natureza – emenda John Beale.
- Veja, por exemplo, as lagartas – ajusta os óculos William Forsyth – seria de grande utilidade familiarizar-se com esses insetos (sic) pois, só desse modo, encontraríamos o método mais adequado para destruí-los.
- Observando o visco, esta planta de invulgar beleza, ocorreu-me que o Todo-Poderoso a destinou para fins mais avançados que apenas alimentar tordos ou ser dependurada nas casas para espantar maus espíritos. Deus a criou para curar a epilepsia humana! – entusiasma-se John Colbatch.

Na prece que antecedeu o jantar, o reverendo William Kirby já abençoara o mundo natural, com especial destaque aos animais:
- Os animais interessam apenas por sua preeminente utilidade para o gênero humano. Além do que, a verdadeira origem da sociedade humana está na associação dos homens para defenderem-se das feras.

Às vezes, o colóquio enveredava-se por sendas mais sádicas:

- Quebrar as asas deste pato selvagem...
- Despedaçar aquele cervo...
- Suspender no gancho o ganso...
- Esfolar aquele porco.
- Desmembrar o coelho...
- Mutilar esse pavão...
- Desarticular aquele caranguejo...
- Picar esse siri...
- Desjuntar o boi...
- Abrir a garça...

Imagina-se que diante de tanta carne cedida à civilidade humana, as trinta cópias da Bíblia de Gutenberg, que empregaram o couro de aproximadamente 5 mil bezerros, ali também não causava tanto embaraço.

Assim ia a animada conversa dos doutores que, em seu mundo de certezas, cerziam as idéias que, em nosso mundo, compraríamos como verdades absolutas.
Pérolas também saltavam da saleta ao lado, onde as esposas ensaiavam uma ou outra aterrissagem na vastidão daquele campo desconhecido:
- Montar um avestruz, em breve será o meio de transporte favorito, e certamente o mais rápido...
A previsão não destoava de todo da conversa masculina. Afinal, montar e manobrar um cavalo sempre simbolizou o triunfo da razão humana sobre as paixões animais.

Dessa forma, entre baforadas e preconceitos, durante séculos, os civilizados europeus edificaram o pensamento de seu mundo e do nosso. Muito do que padece hoje a civilização humana tem suas raízes nestes conceitos. Civilização humana, diga-se de passagem, sinônimo de conquista da natureza.

Assim temos concebido nossas relações com o mundo natural.
Não é por acaso nossa dificuldade em estabelecer uma conduta solidária para com os demais seres vivos. Afinal, foi um intenso adestramento. Estamos por demais amestrados.

Já sabemos quem manda.
Quando é que vamos desmandar?


Um forte abraço e até sexta que vem.



Luiz Eduardo Cheida é médico, deputado estadual e presidente da Comissão de Ecologia da Assembléia Legislativa do Paraná. Premiado pela ONU por seus projetos ambientais, foi prefeito de Londrina, secretário de Estado do Meio Ambiente, membro titular do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) e do Conselho Nacional de Recursos Hídricos.

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