Geral
O recado do Cheida - Por um fio
Os ensacadores de café cerzem a boca do saco com uma corda de sisal.
Os caiçaras juntam as malhas com mesmos fios de juta com que tecem suas redes.
Costureiras e alfaiates aproximam os retalhos de pano com uma fina linha de algodão.
Cirurgiões amarram artérias com fios de nylon e tecidos internos com tripa de carneiro.
Mas, há quem hoje tente aproximar pessoas, costurando seus sonhos e desejos com um fio de água.
São pessoas que já entenderem que a costura com água é terna. E pode ser eterna.
Na escola aprendemos que o rio Paranapanema separa os estados do Paraná e São Paulo. Em verdade, o Paranapanema une Paraná e São Paulo... A água nunca separa. A água une.
Se isso é verdade, costurar com água faz todo sentido.
Poucos se dão conta de que todos moramos em alguma bacia hidrográfica.
Poucos sabem em qual rio vai parar a bituca de cigarro depois de rodopiar no ar e se espatifar no chão. Poucos também são os que sabem que ela vai para algum rio.
É assim: de pequenos aprendemos a nadar em um córrego; a pescar nele; a beber dele. Depois, nos esquecemos dele.
Mas, continuamos a morar perto de algum deles.
Então, todos temos um endereço hidrográfico.
A idéia é essa: juntar as pessoas de um mesmo endereço hidrográfico, costurando-as com a água que é comum a elas.
O endereço hidrográfico é comum. Suas demandas também devem sê-lo.
Assim estão agindo algumas pessoas de Londrina, Paraná, que iniciaram mês passado o projeto Aquametropole, através do qual elegeu-se uma microbacia hidrográfica urbana e optou-se por trabalhar nela.
Moradia, transporte, saúde, esporte, outras demandas e, naturalmente, a limpeza de bueiros, a limpeza do rio, e o desenvolvimento de uma nova cultura em relação ao curso dágua comum a todos.
As pessoas começam aprendendo quem é o rio de sua rua. Conhecendo-o, passam a entendê-lo. Entendendo-o, passam a amá-lo. O passo seguinte é somar esforços com o fim de protegê-lo.
As pessoas sentem-se úteis. Mal sabem elas que, ao juntarem-se para protegerem o rio estão, em verdade, ajudando a si próprias. Quando se derem conta disso, será tarde demais: estarão tão unidas pela água que nada as poderá separar.
Há tempos não se tem idéias boas assim. Esta mesma, quase que a deixamos escapar. Estava passando de fininho.
Mas, tem gente que é danada! Percebe tudo. Esta foi por um fio.
De água.
Um forte abraço e até sexta que vem.
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Luiz Eduardo Cheida é médico, deputado estadual e presidente da Comissão de Ecologia da Assembléia Legislativa do Paraná. Foi prefeito de Londrina, Secretário de Estado do Meio Ambiente, membro titular do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) e do Conselho Nacional de Recursos Hídricos.