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O recado do Cheida - O cavalo de Samarra

Luiz Eduardo Cheida* - 14 de julho de 2007 - 06:41

Na antiga Mesopotâmia, antes a região com a agricultura mais rica do mundo, hoje um deserto, um soldado, cheio de medo, procurou o rei:

- Majestade, salvai-me! Ajudai-me a fugir daqui! Eu estava na praça e encontrei a Morte, toda vestida de negro. Ela me olhou com olhos tão malévolos que, não tenho dúvidas, veio buscar-me. Dai-me vosso cavalo para que eu possa correr para bem longe. Quero ir para Samarra. Permanecer aqui será o mesmo que entregar-lhe a minha vida.

- Dêem-lhe o meu melhor corcel, – disse o soberano compadecido – arriem Relâmpago!

E fez-se a vontade do rei.

Mais tarde, andando pela cidade, o soberano encontrou a Morte e lhe disse:

- Meu soldado estava desesperado. Disse-me que a encontrou hoje, na praça, e que o olhavas de modo malévolo.

- Não, não – respondeu a Morte – meu olhar era de surpresa, apenas, pois não sabia como ele podia estar hoje por aqui, visto que o espero em Samarra, esta noite.

Na precipitação para resolver problemas imediatos, confiando na milagrosa velocidade e precisão de novas tecnologias, acabamos vencidos justamente porque corremos.

Nossa civilização tem sido comandada pela busca ao cavalo de Samarra. Também por isso, a crise ambiental em que estamos imersos é uma crise de civilização.

Nosso entendimento de progresso sustenta-se na necessidade de que tenhamos domínio sobre a técnica para que, através dela, dominemos os fenômenos naturais.

Dominando o mundo natural, podemos transformá-lo. Só transformando-o, podemos crescer, erradamente pensamos.

E erradamente agimos.

Crescer quanto e com qual objetivo, não importa. Também, pouco nos preocupa se as soluções encontradas aumentarão os problemas da humanidade como o esgotamento dos recursos naturais e os irreparáveis danos amplamente conhecidos.

Até aqui a velocidade tecnológica tem importado mais que o respeito aos tempos biológicos da natureza. O tempo em que os processos biológicos de amadurecimento e reparação se desenvolvem não são os mesmos que norteiam o voraz mercado.

Enquanto o mundo natural faz do equilíbrio uma evolução, a modernidade faz da celeridade uma condição.

Por isso, no fim da estrada que nos conduz a esse crescimento sem limites e a essa cega fé na tecnologia, pode haver uma Samarra a nossa espera.

O uso adequado da ciência não está em dominar a natureza, mas em viver de acordo com ela.

Quando a cavalo, é preciso trotar no tempo certo.

Um forte abraço e até sexta que vem.


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*Luiz Eduardo Cheida é médico, deputado estadual e presidente da Comissão de Ecologia da Assembléia Legislativa do Paraná. Foi prefeito de Londrina, Secretário de Estado do Meio Ambiente, membro titular do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) e do Conselho Nacional de Recursos Hídricos.

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