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O recado do Cheida - O canto do galo
A CTNBio aprovou esta semana o plantio e a comercialização do milho transgênio Liberty LinK, da Bayer. Assim como já aprovara o algodão e o soja transgênicos.
Na penumbra. E, sem mais trocadilhos, uma pena.
O Brasil, com o auxílio daqueles que, por ignorância ou conivência, o permitem vai, pouco a pouco, assimilando o lixo do mercado internacional.
E, nesta surda e suja guerra comercial travestida de profundos e sacros colóquios científicos, ficando sem as suas sementes, patrimônio nacional obtido em centenas de anos de suor e seleção.
O próximo passo é a aprovação do milho BT, resistente a insetos. O mesmo que expulsou a borboleta monarca do seu local de moradia, infringindo perdas ainda não calculadas às teias alimentares de seus seculares habitats.
Outras dez variedade de arroz, algodão e milho, aguardam sua vez para aprovação. Para todas, as mesmas justificativas: a redução de agrotóxicos e a conseqüente redução da poluição.
Que estranho ouso pensar: justamente uma multinacional do agrotóxico empunhando a bandeira da redução de seu principal produto. A maior multinacional de agrotóxico quer reduzir o agrotóxico!
- Como o mundo está mudado, meu deuso do céu! suspiro, olhando pra riba.
Alguém me condena:
- ´Xá de sê maldoso... Não vê que os home querem o nosso bem?
- Verdade. Até, por coincidência, a semente do milho da Bayer não morre com o glufosinato de amônia, o agrotóxico que também é só da Bayer. lembro assim, de relance.
- O milho certo para o veneno certo alguém expira, inspirado.
- E as herva daninha? meu primo pára pra perguntar.
- Quéquitem elas?
- Ouvi falar que o veneno vai selecionando as mais resistentes e, depois de cinco a seis safras, a dose do remédio tem que aumentar.
- E a Bayer vai vender mais semente e mais veneno, é?
- É.
- Bem, mas aí já é culpa das herva, né cumpadi?
Falando tanto em milho, não posso deixar de lado o poema do patrício baiano, Junqueira Freire, morto na flor de seus 23 aninhos que, nos idos de 1850, já matava a charada:
(...)
Quando eu passar pelo cercado ao longe
abaixarás humilde o bico e a vista:
que eu sou o rei das mais gentis galinhas,
que eu sei erguer a minha régia crista
Há de seguir-te em toda a parte o espectro
de minha nobre e célebre conquista:
será manhã, - não cantarás teu hino,
nem jamais erguerás a régia crista.
Hás de sentir que eu fui valente antagonista:
- eu cantarei meu hino de triunfo,
tu correrás de minha nobre vista:
- tu, infamado, marcharás humilde,
eu erguerei a minha régia crista!
Corroer aos poucos o patrimônio biológico de um país, sob o pretexto de ajudá-lo, tendo vendidos e comprados compatriotas irmanados nesta causa, é o mesmo que trair a história da nação. Depois disso, só restará ao vencido abaixar humilde o bico e a vista, deixando que o comprador ande em solo pátrio erguendo a sua régia crista.
O poema se chama O canto do galo.
Três coisas delgadas sustentam o mundo, segundo os irlandeses: o delgado fio de leite que vai da vaca ao balde; a lâmina delgada do cereal verde que vem do chão; a fina linha de coser nas mãos da mulher experiente.
A Bayer parece saber disso melhor que ninguém.
Alguns de nossos patrícios também.
Um forte abraço e até sexta que vem.
*Luiz Eduardo Cheida é médico, deputado estadual e presidente da Comissão de Ecologia da Assembléia Legislativa do Paraná. Foi prefeito de Londrina, secretário de Estado do Meio Ambiente, membro titular do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) e do Conselho Nacional de Recursos Hídricos.