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O recado do Cheida: Mi nombre es Marcel!

Luis Eduardo Cheida* - 07 de setembro de 2007 - 09:00

Semana passada, apoitado no check-in do Aeroporto de Assunção, entre mochilas, passaporte, livros e celular, alguém puxou minha calça, na altura dos joelhos. Olhei para baixo.

- Quieres un lustre?

Um toco de gente me encarava, com o queixo erguido e a caixa de engraxate pendendo do ombro. Não tinha mais que sete anos e seus olhos eram tão firmes que os meus não conseguiram se desviar.

- Quanto é? – perguntei como me perguntavam, quando eu perguntava o mesmo. Também já engraxei.

- Cuanto quieiras – respondeu.

- Depois – desdenhei.

- Te espero – retrucou. E antes que eu pudesse reagir:

- Mi nombre es Marcel! - falou com a convicção de quem já abocanhara mais um cliente e sumiu na multidão de índios e mestiços que vendia colares, CDs, pulseiras e DVDs.

Só faltaram os acordes da guitarra para me levarem de volta aos cinemas de minha juventude, quando o cow-boy spagueti, cuspindo de lado, os olhos semi-cerrados pela fumaça do charuto, amedrontava:

- Mi nombre es Django!

Fui para Assunção a convite da paranaense Dra. Luciana Lepri, Promotora de Justiça, reunir-me com promotores do Paraguai, Argentina e Brasil, interessados em resolver crimes ambientais que grassam nas fronteiras dos três países. Na mesma sala, o PNUMA da ONU, Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, juntava promotores, juízes e fiscais ambientais para discutir o acesso à justiça no campo ambiental.

A tríplice fronteira é uma janela escancarada para o crime. Por ali passam animais contrabandeados, agrotóxicos piratas, madeira crua e carvão ilegais, num verdadeiro deboche às leis e autoridades. Acoplados a este mercado negro, o tráfico de mulheres, a prostituição infantil, o contrabando de armas e drogas. Uma rede de fazer inveja à mãe na tureza, tal sua organização e equilíbrio, mas com tal poder de destruição que pode detonar, de um sopro, de empresários a engraxates.

E, enquanto uns corrompem, esgarçando o já combalido tecido moral de nosso continente outros, como Marcel, na inocência de seus sete anos, querem somente trabalhar. Solamente un lustre.

Com o sapato já cheio de graxa foi que me dei conta de que fora àquele país também por aquele pequeno engraxate, agora ajoelhado no piso do aeroporto, concentrado em seu honesto ofício.

Toc! Toc! Ele fez ressoar a escova na caixa, a fim de que eu mudasse o pé.

Meus pensamentos continuaram voando. Mudar! Mudar os conceitos para ter o continente e o planeta para hoje e para sempre. Guinar o rumo para que amanhã não lamentemos a finitude de seus recursos. Trocar o diapasão a fim de que as mazelas sociais não mais estimulem a devastação.

Trocar o pé. Você está certo, Marcel. É preciso fazer com que mais gente troque o pé. O caminho ainda não está feito e, como bem disse o poeta:

El camino se hace al caminar. O caminho se faz ao caminhar.

Toc! Toc!

Um forte abraço e até sexta que vem.




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*Luiz Eduardo Cheida é médico, deputado estadual e presidente da Comissão de Ecologia e Meio Ambiente da Assembléia Legislativa do Paraná. Foi prefeito de Londrina, Secretário de Estado do Meio Ambiente, membro titular do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) e do Conselho Nacional de Recursos Hídricos.


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