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O recado do Cheida: ganância

Luiz Eduardo Cheida* - 28 de setembro de 2007 - 10:21

Nem foram necessárias as fotos de satélite comprovando que o gelo flutuante do Ártico sofrera um recuo de 25% nos últimos dois anos, ou a travessia da Ásia para a Europa, sob uma agora tenra camada de gelo, dispensando os tradicionais barcos quebra-gelos.

Antes disso, países nórdicos já instalavam bases de prospecção, extração e processamento de petróleo e gás natural. Afinal, trabalham com projeções.

E os planejadores do mercado acreditam nas previsões dos climatologistas. Quem ainda duvida delas somos nós.

À medida que o gelo recua, a ambição avança.

Uma surda disputa territorial é travada entre as nações que pretendem os quase 30% de todas as reservas de petróleo ainda conhecidas.

Mas, não existem mais nações. No mundo globalizado, o que há são mercados travestidos de pátrias. Assim, quem avança é o mercado. Uma vez mais, sobre o mundo natural.

O comércio comemora. A natureza se desespera.

Ironicamente, busca-se no fundo dos pólos, o mesmo combustível fóssil que causa o derretimento do gelo.
Esta sandice me lembra a célula tumoral que, para crescer, alimenta-se sofregamente das células vizinhas, extraindo a energia que a tornará forte. Forte o suficiente para ligar a ignição que acabará por colocar em marcha a morte do organismo. Inclusive dela própria. Irônica hipérbole.

Mas, não é a humanidade (causadora do efeito que derrete os pólos) quem, preocupada, deveria estar usando sua ciência para solucionar a enrascada em que ela própria se meteu?
Não deveria ela, usando a mesma ciência que, com impressionante exatidão, direciona a sonda para dentro de um poço de petróleo, na imensidão gelada do Ártico, acertar o que nos ameaça?

Infelizmente, parece que não.

A cobiça, apetite desmesurado, apaga qualquer lampejo de lucidez.

Temos aí um pequeno exemplo do que acontecerá nos próximos anos.
Como não há perspectivas a curto prazo de retração dos efeitos do clima sobre o planeta, um emergente mercado começa a tomar corpo. Trata-se do mercado que buscará seus lucros nas conseqüências deletérias sobre o ambiente; no medo das pessoas; na ilusão da sobrevivência de um modelo comprovadamente predatório.
Não serão poucos os que pagarão para continuarem a ser enganados.
Os planificadores das economias sabem disso.

O derretimento dos pólos trouxe à superfície um traço do caráter humano que, quase sempre, se pretende sepultar: a ganância.

O fato é apenas uma pequena amostra do que a humanidade é capaz.

Mesmo assim, sou otimista. As ambições podem ser canalizadas para propósitos coletivos. Podemos cobiçar um mundo melhor.

Sou otimista, não inocente.

É preciso manter os olhos abertos, o coração pulando dentro do engradado do peito e, com eles, mudar estas coisas.

Um forte abraço e até sexta que vem.

*Luiz Eduardo Cheida é médico, deputado estadual e presidente da Comissão de Ecologia e Meio Ambiente da Assembléia Legislativa do Paraná. Foi prefeito de Londrina, Secretário de Estado do Meio Ambiente, membro titular do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) e do Conselho Nacional de Recursos Hídricos.

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