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O recado do Cheida: descartar para voar

Luiz Eduardo Cheida* - 21 de setembro de 2007 - 08:06

Em dado instante geológico, na encruzilhada entre permanecer ou evoluir, os ancestrais das aves atuais tiveram que optar.

Foi agorinha pouco, há a não mais que 150 milhões de anos.

As escamas nas patas e o mesmo ovo terrestre não deixam margem a dúvidas: as aves descendem dos répteis. Mais precisamente, descendem de um primitivo grupo de répteis, que também originou os dinossauros.

Em algum tempo, em algum lugar, uma certeza implacável abateu-se sobre estes animais: manterem-se pesados, como os trombolhos de seus primos, era condenar-se, para sempre, ao chão. Pesados e rastejantes, correndo o dia todo atrás da caça, sem nem mesmo ter controle sobre a própria temperatura, um gigantesco gasto de energia.

Ficar com aquele corpanzil, num mundo onde as plantas diversificavam-se a olhos vistos, tornando as florestas cada vez mais apertadas, era o mesmo que estrelar a versão moderna da galinha em um armário de louças.

Foi aí que a evolução optou:

Ossos compactos? Fora! Em seu lugar, ossos cheios de ar, deixando o corpo com uma densidade infinitamente menor.

Bexiga urinária, acumulando líqüido, aumentando o peso? Fora! A urina, agora, deixa o corpo junto com as fezes.

Dentes, grossos lábios, pesada língua? Fora! Língua pequena e, em lugar de boca e beiço, um leve bico desdentado.

Osso do peito achatado? Fora! Osso como a quilha dos barcos, para rasgar o ar, como estes sulcam as águas.

Uma mutação benéfica originou as penas.

Assim, os antigos répteis tornaram-se capazes de voar.

Sua história é a própria história do descarte do supérfluo. E, como toda trajetória natural, é a vitória do bom-senso.

As aves só conseguiram voar porque ficaram apenas com o que era, verdadeiramente, necessário.

Não é fácil fazer como elas. Nossa cultura é a cultura da acumulação.

Elas descartaram. Nós acumulamos.

Talvez, por isso, ainda rastejamos.

Somos especialistas em acumular peso em excesso. São mágoa, medo, rancor, inveja, dor, lágrimas represadas, ambição que, ao lado dos bens materiais (a maioria desnecessários) nos transformam em fardos.

Enfardados, nem nós nos agüentamos.

Descartar para voar, disseram as aves.

Acumular para voar, dizemos nós.

Quem está com a razão?

Um forte abraço e até sexta que vem que a semana já está batendo asas.




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*Luiz Eduardo Cheida é médico, deputado estadual e presidente da Comissão de Ecologia e Meio Ambiente da Assembléia Legislativa do Paraná. Foi prefeito de Londrina, Secretário de Estado do Meio Ambiente, membro titular do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) e do Conselho Nacional de Recursos Hídricos.

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