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O recado do cheida: Até rato de circo dá lições

Luiz Eduardo Cheida - 15 de fevereiro de 2008 - 08:09

Em plena noite de estréia, de lona montada, casa lotada, mulher barbada e anão expelidor de labaredas pelo funil das orelhas, o Gran Circo Aguaraçaí anunciou sua mais esplêndida atração:

- O rato canguruuuuuuu!!!

Um oh! percorreu o recinto, enquanto as lamparinas que iluminavam a casa de espetáculos voltavam-se para a gaiola miúda, deixada no centro do picadeiro por uma donzela ondulada, joelho de fora e fita no cacho do cabelo.

Lá, bem dentro da gaiolinha, um rato de braços curtos, sentado nas longas pernas traseiras, em pose de canguru, empinava o nariz pontudo cheirando o ar.

E o apresentador, entusiasmado:

- Senhoras e senhores: este é o rato-canguru! Um pequeno mamífero que, mesmo vivendo no deserto, passa a vida inteira sem tomar sequer uma gota d'água. É o único vivente sobre a Terra que não precisa de água para viver! Uma obra prima da natureza. A cidade de Brejo Alegre nunca viu e nunca mais em tempo algum verá nada igual!

Erguendo seus oitenta e cinco anos de uma das cadeiras que rodeavam o picadeiro, Ludovico Carneiro, farmacêutico prático e manipulador de essências, com a cidade passada e repassada no respeito à ciência de seus chás e purgativos, acionando o indicador acima da cabeça, protestou em voz de corneta:

- Pois fique sabendo que para o rato-canguru, a água é tão indispensável quanto para o senhor ou para mim.

A platéia, que aplaudia, silenciou.

- Esse rato – continuou - extrai a água de que necessita das sementes que ingere, ricas em lipídeos*. Pode-se dizer que ele fabrica a própria água através de seu estranho metabolismo*. Entretanto, a planta de cuja semente alimenta-se não vive sem água. Dessa forma, seu moço, embora ele passe a vida sem beber, ele bebe a semente que bebeu do solo.

- Saiba, então, que, até este pequenino vivente, que por aparência despreza a água, não suportaria viver sem ela um dia sequer! E que suas informações são cientificamente equivocadas.

- E boa noite!

Puxando dona Ermelinda Carneiro pelo cotovelo, Ludovico Carneiro dependurou o guarda-chuvas no antebraço e saiu porta afora.

A multidão o acompanhou. Afinal, se o circo falava besteira até de rato, com certeza a mulher barbada tinha bigode postiço e o anão bota-fogo nem orelha de fornalha deveria ter.

Manhã cedo, com a lona nas costas, o Gran Circo Aguaraçaí deixou Brejo Alegre.

Por ironia, debaixo de forte aguaceiro.

Um forte abraço e até sexta que vem.


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Luiz Eduardo Cheida é médico, deputado estadual e presidente da Comissão de Ecologia da Assembléia Legislativa do Paraná. Premiado pela ONU por seus projetos ambientais, foi prefeito de Londrina, secretário de Estado do Meio Ambiente, membro titular do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) e do Conselho Nacional de Recursos Hídricos.

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