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O comentário do padre Antonio Maurílio

Padre Antonio Maurílio - 07 de outubro de 2014 - 09:14

“O Concílio de Trento não condenou a prática oriental sobre o matrimônio”


fonte: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/535874


É uma página da história pouco conhecida e agora a La Civiltà Cattolica, a autorizada revista dos jesuítas cujas provas são revisadas pela Secretaria de Estado, decidiu recordá-la no número que sairá após o início do Sínodo sobre a Família. O conteúdo do próximo número foi revelado na manhã do dia 02 de outubro aos jornalistas. O artigo do padre Giancarlo Pani, intitulado “Matrimônio e segundas núpcias no Concílio de Trento”, narra o que aconteceu em 1563, quando se discutiu sobre o cânon que condenava e excomungava aqueles que consideravam possível um segundo matrimônio após um adultério.


Fonte: http://bit.ly/1r1YsPF


A reportagem é de Andrea Tornielli e publicada no sítio Vatican Insider, 02-10-2014. A tradução é de André Langer.
O autor, após recordar que a Igreja, “arraigada na fé recebida dos apóstolos, deve saber ver o presente e projetar-se para o futuro, para se atualizar, para estar próxima dos homens e renovar-se sob a ação do Espírito Santo”, evoca a história “de um dos decretos mais inovadores do Concílio de Trento: o do matrimônio, chamado ‘tametsi’”. O decreto proíbe os casamentos clandestinos, estabelece a liberdade de escolha, a unidade e a indissolubilidade do vínculo, a celebração do sacramento na presença do sacerdote e das testemunhas; e impõe, além disso, a transcrição da ata nos registros paroquiais.


Este é o cânon em questão, distribuído em 20 de julho de 1563 aos padres conciliares para sua aprovação: “Seja excomungado quem disser que o matrimônio pode ser dissolvido pelo adultério do outro cônjuge, e que a ambos os cônjuges, ou pelo menos o inocente, que não causou o adultério, seja lícito contrair novas núpcias, e que não comete adultério quem se casar depois de ter repudiado a mulher adúltera, nem a mulher que, repudiado o homem adúltero, se casar com outro”.


Mas durante a congregação conciliar de 11 de agosto foi lida uma petição dos embaixadores venezianos. Os diplomatas da Sereníssima República de Veneza declaram solenemente a fidelidade de Veneza à Sé Apostólica e a sincera devoção à autoridade do Concílio. Depois apresentam uma petição e explicam que era inaceitável a formulação do sétimo cânon, pois criava preocupação entre os católicos do Reino de Veneza que se encontravam na Grécia e nas ilhas de Creta, Chipre, Corfu, Zante e Cefalônia. Teria provocado muitíssimos danos, não apenas para a paz da comunidade cristã, mas também para a Igreja do Oriente, em particular dos gregos. Nestas zonas sujeitas ao domínio veneziano viviam muitos cristãos que seguiam os ritos orientais apesar de serem guiados por bispos latinos. Não se colocava em discussão a comunhão com o Papa (a obediência ao bispo de Roma era repetida três vezes ao ano nestas comunidades), mas o costume dos ritos orientais.


Para os orientais, era normal, no caso de adultério da mulher, dissolver o matrimônio e casar-se novamente; e existe inclusive um rito muito antigo de seus Padres para a celebração das novas núpcias. “Este costume – recorda o artigo da La Civiltà Cattolica – nunca foi condenado por nenhum Concílio Ecumênico, nem caiu sobre eles nenhum anátema, embora o rito fosse conhecido pela Igreja católica romana”. Os embaixadores venezianos, pois, pedem aos padres conciliares a modificação do cânon, sobretudo quando excomunga a quem disser que o matrimônio pode ser dissolvido pelo adultério do outro cônjuge. Na petição, além disso, faz-se notar que esta excomunhão era contrária à opinião de alguns “veneráveis doutores”.


Os Padres da Igreja aos quais se referiam os embaixadores venezianos eram Cirilo de Alexandria, que, com respeito às causas de divórcio, afirmou que “não são as cartas de divórcio que dissolvem o matrimônio perante Deus, mas a má conduta do homem”. Depois, João Crisóstomo, que considerava o adultério a razão da morte real do matrimônio. E, finalmente, Basílio, quando fala do marido abandonado pela esposa, reconhece que ele pode continuar em comunhão com a Igreja (o texto pressupõe que o marido casou-se pela segunda vez). Os embaixadores da Sereníssima propõem uma nova formulação do cânon: que o Concílio de Trento não condene a prática oriental das segundas núpcias por adultério mediante uma norma que, além disso, ia acompanhada da excomunhão.
“Pretende-se evitar que – escreve o padre Pani – os católicos presentes nos domínios venezianos, que dependem de bispos em comunhão com Roma, se vejam afetados pela condenação por uma prática muito antiga sobre o matrimônio: um “rito grego” particular, mas que contrasta com a indissolubilidade do matrimônio estabelecida pelo Concílio. Posto que se teme um cisma, propõe-se a modificação do cânon, para que não sejam excomungados os que aceitam o rito oriental, mas apenas aqueles que negam a doutrina da indissolubilidade do matrimônio. Desta maneira, ataca-se os que negam a autoridade do Papa ou do magistério da Igreja, mas não os católicos gregos que as reconhecem”.


Depois da discussão, 97 padres conciliares estiveram a favor da petição dos venezianos e a aprovaram, ao passo que outros 80 estavam contra a prática oriental, mas nem todos tinham os mesmos motivos. “Isto não significa – lê-se na La Civiltà Cattolica – que a maior parte dos padres quisesse questionar a indissolubilidade do matrimônio: pretende-se apenas discutir a forma da condenação. Permanece inalterado o quinto cânon, que expressa as razões contra o divórcio”.


Esta seria a nova formulação do sétimo cânon: “Se alguém dissesse que a Igreja erra quando ensinou e ensina, segundo a doutrina do Evangelho e dos Apóstolos, que não se pode dissolver o vínculo do Matrimônio pelo adultério de um dos dois consortes; e quando ensina que nenhum dos dois, nem mesmo inocente que não deu motivo ao adultério, pode contrair outro Matrimônio vivendo o outro consorte; e que cai em fornicação aquele que se casar com outra deixada a primeira por adúltera, ou a que, deixando o adúltero, casar-se com outro; seja excomungado”. Esta nova forma, observa o padre Pani, “é singular, pois, por um lado, condena a doutrina de Lutero e dos reformadores que depreciavam a prática da Igreja sobre o matrimônio, e, por outro lado, deixa sem condenação as tradições dos gregos que, no caso específico, toleram as novas núpcias”. Também há outra correção importante: já que não se diz “o matrimônio”, mas “o vínculo do matrimônio”. O cânon ocupa-se apenas da indissolubilidade interna do matrimônio, ou seja, do fato de que o matrimônio não é dissolvido “ispo facto” nem pelo adultério de um dos cônjuges, nem, muito menos, quando os cônjuges decidem segundo a própria consciência. O Concílio “não diz nada sobre a questão de se a Igreja tem ou não a possibilidade de pronunciar uma sentença para dissolver o vínculo”.


Segundo o artigo da La Civiltà Cattolica, na Igreja dos primeiros séculos se entendia a “indissolubilidade” como a exigência evangélica de não infringir o matrimônio e de observar o preceito do Senhor de não dividir o que Deus uniu, contrapondo-se à lei civil (que considerava legítimo o repúdio e o divórcio). “No entanto – observa o padre Pani –, até mesmo ao cristão poderia sobrevir um fracasso no próprio casamento e passar a uma nova união; este pecado, como qualquer pecado, não estava excluído da misericórdia de Deus, e a Igreja tinha e reivindicava o poder de absolvê-lo. Tratava-se justamente da aplicação da misericórdia e da condescendência pastoral, que leva em conta a fragilidade e a pecaminosidade do homem. Esta misericórdia permaneceu na tradição oriental sob o nome de ‘oikonomia’: apesar de reconhecer a indissolubilidade do matrimônio proclamada pelo Senhor, enquanto ícone de união de Cristo com a Igreja, sua esposa, a prática pastoral considera os problemas dos esposos que vivem situações matrimoniais irrecuperáveis. Depois de um discernimento por parte do bispo e após uma penitência, os fiéis podem se reconciliar, declarar válidas as novas núpcias e ser admitidos novamente à comunhão”.


A revista dos jesuítas recorda que na Igreja dos primeiros séculos, que “considerava o adultério como um dos pecados mais graves, além da apostasia e do homicídio, os bispos tinham o poder de absolver todos os pecados, inclusive os pecados relacionados à infidelidade conjugal e à conclusão de uma nova união”.


Esta é a página esquecida do Concílio de Trento. “Hoje, parece singular – termina o autor do artigo – que no Concílio em que se afirma a indissolubilidade do matrimônio não se condene as novas núpcias para os católicos da tradição oriental. No entanto, esta é a história: uma página de misericórdia evangélica para os cristãos que vivem com sofrimento uma relação conjugal fracassada que não tem conserto; mas também um caso histórico que tem evidentes implicações ecumênicas”.
www.ihu.unisinos.br

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