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O Brasil ainda não definiu sistema de rádio digital

Gabriel Corrêa e Paulo Monto/ABr - 29 de agosto de 2006 - 08:08

Quase um ano após a autorização para o início dos testes de mercado, as transmissões de rádio digital ainda não decolaram no Brasil. O país não definiu se adotará a tecnologia Iboc, que está sendo testada por quinze emissoras desde setembro passado com autorização do Ministério das Comunicações. As entidades do setor discutem o que pode ou deve ser feito para escolher a tecnologia e também acelerar a transição para o novo padrão.

Na semana passada, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) lançou um movimento, a Aliança Brasileira para o Rádio Digital, que pretende estimular a mudança para a nova tecnologia. Mas a escolha do padrão a ser adotado ainda recebe críticas de entidades de defesa das rádios comunitárias, da comunidade acadêmica e do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), entre outras.

Nesta entrevista, concedida à Rádio Nacional após a fundação da aliança, o coordenador-geral do FNDC, Celso Augusto Schröder, fala dos benefícios que a nova tecnologia pode trazer para a sociedade, defende o apoio financeiro do governo nessa transição, mas critica a falta de debate sobre o padrão que será adotado. Schröder, que é professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, afirma que o custo do padrão Iboc é muito elevado e poderá inviabilizar a digitalização dass rádios de pequenas cidades, acenando para uma nova fase de concentração de transmissões pelas grandes redes comerciais no país.

Agência Brasil - Muito tem se falado sobre TV Digital, mas a digitalização também é assunto de rádio. O que muda no rádio?
Celso Augusto Schröder - Vai depender do modelo que o Brasil adotar. O modelo Iboc está sendo implementado e não está sendo discutido na amplitude que achávamos que tinha de estar. Esse modelo está sendo implantado a partir de interesses muito pontuais da grande radiodifusão brasileira. A televisão brasileira foi razoavelmente bem discutida, segmentos importantes da população brasileira pelo menos se inteiraram disso. No rádio acabou acontecendo meio que na prática, algumas experiências foram liberadas. O rádio ainda é um elemento nacional de integração, é um elemento importantíssimo de contato com populações que ainda não tem outras condições de contato com a situação nacional, temos que estar atentos para isso.

Abr - Que implicações e custos têm a mudança?
Schröder - Temos feito um levantamento de que há um custo razoável por parte das rádios. Isso nos preocupa, porque se não for feito com cuidado, pode comprometer o mercado de rádio, que é muito frágil do ponto de vista de arrecadação de financiamentos, em comparação, por exemplo, à televisão e ao próprio jornal. O rádio hoje só tem 4% da verba publicitária e por isso precisa de uma política pública que não permita que ele entre em colapso. Há um custo tanto para as empresas que vão adquirir os novos equipamentos quanto para a população, que de alguma maneira é quem vai financiar essa transição. Temos alertado que essa é uma transição cara, que além dos interesses óbvios e necessários do negócio da radiodifusão, é preciso levar em conta que é um serviço de enormes possibilidades de integração nacional e de faixas importantes da população. É uma possibilidade muito interessante, desde que não seja desarticulada, que não seja feita simplesmente a partir de uma visão comercial, mas que existem outras implicações que, se não forem levadas em conta, colocam em perigo o próprio negócio.

ABr - A digitalização chega tanto para AM quanto para FM?
Schröder - No primeiro momento, me parece que é no AM. Nós temos uma previsão de que em torno de dez anos não teremos mais nada analógico. Achamos que é preciso complementar muito rapidamente e de uma maneira muito radical a convergência que pode ser advinda da digitalização. É uma chance de nos alinharmos com os países industrializados.

ABr - O senhor disse que essa é uma tecnologia que não é barata, que apenas 4% do bolo publicitário alcança as emissoras de rádio. O que está em estudo para que o empresário de rádio possa ter essa tecnologia?
Schröder - Pelo menos nas negociações há uma disposição do governo em produzir uma linha de financiamentos com isenções na área industrial. Dizíamos que essa base industrial da digitalização é uma base fundamental para a indústria do século 21. Então, mais do que a possibilidade de importar ou não com maior facilidade, para as empresas que exercerão esse serviço é importante saber se conseguiremos ter uma base industrial de semicondutores, por exemplo. O país precisa pensar como política pública, o governo tem que pensar nisso como um investimento, e colocar financiamento à disposição, tanto das empresas que queiram exercer o negócio, quanto da população. Esta é uma das buscas de qualquer governo moderno que queira efetivamente retirar as camadas das populações das condições de marginalidade.

Abr - Quanto será o custo do conversor? Para a TV, fala-se em R$ 80 a R$ 120. Será um valor menor para o rádio?
Schröder - Eu acho que sim. É mais simples, tem outro tipo de codificador. Mas não é uma transição inócua, haverá um custo social nacional para fazer isso, e é por isso que tem de ser pensado como política pública. Não há possibilidade de imaginarmos que a população vá fazer essa transição sem nenhum tipo de estímulo, sem nenhum tipo de vantagem. O que poderia acontecer se deixássemos ao espontaneísmo do mercado é o que aconteceu em outros países, onde a adesão à TV digital foi muito menor do que se esperava, por exemplo, nos Estados Unidos, na Europa, na Inglaterra. Isso atrasou por mais de dez anos o processo de digitalização. Então é um tipo de atividade econômica, mas também é um tipo de atividade social e política que precisa ter o comando do Estado para ser feita. Não é uma adesão tecnológica simplesmente a um outro patamar de negócios. Muda o paradigma, e portanto o estado, a nação, precisa ter controle sobre o processo, sob o risco segmentos importantes da economia que fazem parte da atividade de radiodifusão entrarem em colapso. E seria um desastre para o Brasil, seria um desastre para todos nós.

ABr - Como coordenador-geral do Fórum Nacional para Democratização da Comunicação, qual a avaliação do senhor em relação ao rádio?
Schröder - Houve uma política exagerada de implementação da televisão no Brasil. Isto acabou produzindo uma disfunção, que é a diminuição dramática de verbas nesse segmento de rádio. Precisamos reverter isso de alguma maneira e acho que é preciso uma política que reorganize o mercado e injete um pouco mais de recursos. Não podemos fazer um processo de digitalização que comprometa as pequenas rádios do Brasil. A grande maioria das rádios são rádios comunitárias e rádios comerciais pequenas. Temos de ter um cuidado muito grande nisso, porque concentraríamos muito mais a propriedade do rádio no Brasil.


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