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Geral

Ministro considera "um escárnio" a renúncia de deputado

31 de outubro de 2007 - 17:35

Ministro afirma que com renúncia do deputado Federal Ronaldo Cunha Lima ação penal não será julgada pelo STF

“Considero um escárnio para com a justiça brasileira e especialmente para com o Supremo Tribunal Federal.” Essas foram as palavras do ministro Joaquim Barbosa, relator da Ação Penal (AP) 333, ao comentar a renúncia do deputado federal Ronaldo Cunha Lima em entrevista a jornalistas. Na segunda-feira da semana que vem, dia 5 de novembro, Cunha Lima, ex-governador da Paraíba, seria julgado pelo Plenário do STF pela tentativa de assassinato de seu antecessor no governo estadual Tarcísio Burity, crime ocorrido no dia 5 de novembro de 2003, há exatos 14 anos da data do julgamento que aconteceria na Suprema Corte.

“Ele tem o direito de renunciar ao mandato, mas é evidente a segunda intenção. O que ele quis foi impedir que a justiça se pronunciasse, uma renúncia a cinco dias do julgamento tem como objetivo precisamente isso: impedir que a justiça funcione”, enfatizou o ministro, dizendo acreditar que o réu manobrou juridicamente o processo durante 14 anos. Joaquim Barbosa disse que deve encaminhar os autos para o juízo de 1ª Instância. “espero que haja juízes corajosos e independentes na Paraíba para julgá-lo”, finalizou o ministro.

Crime

Em 5 de novembro de 1993, o ex-governador da Paraíba Tarcísio Burity, do PMDB, almoçava no restaurante Gulliver, em João Pessoa, capital do estado, acompanhado por parlamentares e jornalistas. Pouco depois das 14 horas entrou no estabelecimento o então governador Ronaldo Cunha Lima – também do PMDB e pai do atual governador Cássio Cunha Lima, e disparou dois tiros, acertando o seu antecessor de surpresa, sem oferecer possibilidade de resistência.

Processo

O caso acabou levando o Ministério Público Federal (MPF) a denunciar Ronaldo Cunha Lima pelo crime de tentativa de homicídio qualificado (artigo 121, parágrafo 2º, IV, c/c artigo 14, II, ambos do Código Penal). O Inquérito (INQ 1057) chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) em 1995, depois que Ronaldo Cunha Lima foi eleito senador, passando a ter direito ao foro privilegiado por prerrogativa de função. Convertido em Ação Penal (AP 333), o processo foi colocado na pauta de julgamentos do Plenário do STF do próximo dia 5 de novembro, segunda-feira.

Na época do crime, que teve grande repercussão nacional, o MPF apresentou denúncia contra Ronaldo Cunha Lima no Superior Tribunal de Justiça (STJ), instância competente para julgar os governadores de estado pelos crimes comuns. O STJ pediu, então, autorização à Assembléia Legislativa da Paraíba para processar o governador, mas teve o pedido negado. Por considerar que o crime não tinha relação com o cargo exercido por Ronaldo Cunha Lima, o STJ decidiu determinar o sobrestamento da ação enquanto o acusado estivesse no exercício do cargo.

Ronaldo Cunha Lima, que além de político é advogado e escritor, foi eleito senador da República, ainda pelo PMDB, nas eleições de 1994. Com isso, em 1995, logo após sua posse no Senado, o Inquérito (INQ) 1057 chegou ao STF, sendo designado relator o então ministro Moreira Alves. No mesmo ano, o Supremo solicitou licença ao Senado para julgar o senador, conforme determinava à época a Constituição, em seu artigo 53. O Senado negou o pedido, com a alegação de que requerimento semelhante havia sido negado pela assembléia paraibana. Com isso, em 2000, novamente foi sobrestada a tramitação e suspensa a prescrição do Inquérito. Com a promulgação da Emenda Constitucional 35/2001, que alterou o artigo 53 da Carta Magna e permitiu ao STF passar a julgar parlamentares sem necessidade de licença prévia, a ação voltou a tramitar. A denúncia foi recebida em 2002, por unanimidade, inclusive a pedido do próprio acusado, e o processo foi reautuado como Ação Penal (AP) 333.

O ex-governador Ronaldo Cunha Lima foi interrogado no STF pelo ministro Moreira Alves em dezembro de 2002. Ele admitiu a autoria dos fatos narrados na denúncia. O réu alegou, porém, que não houve premeditação. Ele afirmou que agiu em legítima defesa da honra. Disse que era vítima de ofensas pessoais e ataques à sua família e, ao entrar no restaurante, pensou que Burity sacaria uma arma após uma discussão entre os dois. Burity chegou a atuar como assistente da acusação, ainda na fase de Inquérito, até sua morte em 2003.

Segundo notícias amplamente veiculadas pela imprensa nacional na época dos fatos, os verdadeiros motivos do governador Cunha Lima para tentar assassinar seu desafeto político foram as duras críticas feitas por Burity a Cássio Cunha Lima, que era o então superintendente da antiga SUDENE.

O relator delegou ao juiz federal da seção judiciária de João Pessoa, em 2003, a competência para inquirir outras testemunhas arroladas na denúncia.

Em 25 de junho de 2003, o ministro Joaquim Barbosa, recém empossado, substituiu o relator inicial, ministro Moreira Alves, que se aposentou naquele ano.

A defesa solicitou, já em 2007, que fosse juntada aos autos uma fita de vídeo contendo entrevista concedida por Tarcísio Burity momentos antes do crime. Para a defesa, o conteúdo da fita seria extremamente importante para esclarecer os fatos ocorridos. A fita foi periciada pelo Instituto Nacional de Criminalística, da Polícia Federal, a pedido do relator, e o laudo foi juntado ao processo.

O procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, emitiu parecer, em 22 de agosto último, opinando pela condenação do então deputado federal Ronaldo Cunha Lima. Para o procurador não se aplica, no caso, a tese de legítima defesa da honra, sustentada pelo réu para justificar sua conduta.

No último dia 23 o revisor da ação, ministro Eros Grau, após receber os autos de Joaquim Barbosa, pediu dia para o julgamento da ação, conforme determina o artigo 242 do Regimento Interno do STF. A data foi marcada para a próxima segunda-feira, 5 de novembro, quando se completam 14 anos da tentativa de homicídio. Mas, com a renúncia ao mandato parlamentar, o processo agora deve seguir para o juízo de 1ª Instância de João Pessoa, e ser julgado pelo Tribunal do Júri.

Os dois tiros disparados por Ronaldo Cunha Lima acertaram Tarcísio Burity, que permaneceu em coma por cerca de duas semanas. Ele conseguiu sobreviver à tentativa de homicídio, mas não conseguiu voltar à vida política, apesar de ainda ter concorrido, sem sucesso, ao Senado, nas eleições de 1998 e 2002. Burity faleceu dez anos depois, em julho de 2003, aos 64 anos de idade, em conseqüência de problemas cardíacos.

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