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Geral

Médico não recomenda prática do crossfit nem para atletas bem condicionados

Portal Educação Física - 03 de abril de 2016 - 11:00

Os argumentos de quem pratica esporte são inumeráveis. Recorrente, a boa saúde é um dos motivos que mais se ouvem entre os que defendem práticas de alto rendimento — modalidades que exigem superação pelo praticante. Normalmente, esportes com essa alta dose de esforço são desgastantes ao extremo, porque os treinos são longos. A condição física do adepto é fundamental. O crossfit é um exemplo dessas modalidades que se tornaram famosas e leva milhares de pessoas às academias em busca de corpos cheios de músculos e bem delineados, próximos da perfeição. O cuidado, porém, é negligenciado em tempos de moda. Reinam mais as promessas insensatas de resultados rápidos dos estabelecimentos que mais visam o lucro do que a boa saúde dos clientes.

A alta chance de os praticantes sedentários e novatos convertidos ao esporte se lesionarem é muito pouco discutida. E as lesões estão atreladas, logicamente, à frustração.

Não se engane. Mesmo sob a promessa de que o crossfit é a continuidade da vida, com movimentos iguais aos do dia a dia, como correr, subir a escada, deitar e pular, os riscos são grandes. Especialistas entrevistados pelo Jornal Opção alertam para estudos que criticam com veemência alguns exercícios danosos ao corpo humano. Até morte pelo esporte o Brasil registrou neste ano.

O médico

Gerente de médico de reabilitação do Centro de Reabilitação e Readaptação Dr. Henrique Santillo (Crer), o fisiatra Maurício Rassi, não esconde sua posição contrária à prática do crossfit: “A minha família, o meu ciclo de amigos e pacientes não têm minha autorização para este tipo de atividade.” Ele tem motivo para radicalizar. Vem acompanhando pacientes com fraturas graves, algumas das quais irreversíveis. Isso o fez observar: o dano é muito maior do que os benefícios oferecidos pela modalidade de treinamento. Ele revela que o desgaste traz sequelas às juntas e às articulações, o que impossibilita ao corpo humano a mobilidade adequada e pode deixar o paciente preso ao tratamento fisioterapêutico.

A opinião do médico veio contra a onda de propaganda disseminada em páginas da internet que não dão nem sinal de perigo aos praticantes do crossfit, que tem inspiração em treinamentos das Forças Armadas. “Esses exercícios não são para pessoas comuns. Preciso colocar isso na cabeça dessa gente toda”.

Para ele, os exercícios são “sobre-humanos” e provocam danos às articulações, deixando heranças de dores constantes. “Os exercícios não são para pessoas comuns. Quem os pratica vive para isso, se dedica integralmente e tem histórico de treinamento”, destaca Rassi. Para ele, a modalidade não deve ser instigada a pessoas despreparadas fisicamente, pois pode ocasionar várias lesões. Ele observa que a coluna lombar, não tanto a cervical, tem sido muito lesionada devido aos esforços excessivos.

Ele relembra que o levantamento de pneus de caminhão e blocos de cimento com frequência demanda muito preparo físico. Por mais que os alunos defendam os professores, o médico alerta: “Por mais preparado que o professor seja, o corpo será afetado. Se não lesionou ainda, vai ocorrer”.

O médico alerta que as lesões dão dores nas articulações e podem romper com um músculo. “O crossfit pode dar artrose no quadril, porque se faz um esforço muito excessivo e o corpo não está preparado. Os esforços repetitivos, com cargas acentuadas lesionam. No correr dos anos, vamos ver que o crossfit faz mais mal do que bem”.

Postura

Para entender melhor as lesões, a reportagem procurou a fisioterapeuta Bruna Castro. Depois de trabalhar oito meses em uma academia e ver alunos se lesionando por causa de exercícios que sobrecarregam e colocam o corpo em posições inadequadas, ela entendeu que as lesões são causadas pela sobrecarga, principalmente por causa de levantamento de peso. Para Bruna, esses exercícios podem afetar ombros, joelhos, coluna e outras articulações.

“Para mim, a postura incorreta desgasta as musculaturas e os ossos.” Ela relata que, quando trabalhou em academia, discutia com treinadores porque eles partem da máxima de que o que vale é realizar o desejo dos clientes de emagrecer e ganhar massa muscular. Muitos dos alunos entram nas academias acreditando que isso pode ocorrer em um mês, pois alguns educadores físicos prometem isso e exigem do corpo do aluno para cumprir as metas.

De fato, os exercícios do crossfit são conhecidos por realmente dar um resultado muito rápido. Bruna, porém, diz que “no futuro o esportista sofrerá lesões por excesso de carga na musculatura, tendão, desgaste articular e pode até romper um ligamento.”

A fisioterapeuta destaca que conhece pessoas que iniciaram o crossfit e não continuaram os exercícios por conta das dores musculares. “E isto futuramente pode causar hérnia de disco, tendinite e bursite. Todas essas patologias são inflamações”, alerta.

Lesões

O crescente número de praticantes do crossfit lesionados chama a atenção de especialistas. O Jornal Opção buscou pesquisas relacionadas ao tema, mas não encontrou na literatura científica muita coisa senão um estudo em inglês, intitulado “The nature and prevalence of injury during Crossfit training” (“A predominância e os tipos de lesões durante treinos de crossfit”), publicado em 2013 no “Journal of Strength and Conditioning Research Publish Ahead of Print”. Segundo o estudo, lesões no ombro e coluna são as mais comuns entre os pacientes.

O ortopedista Murilo Tavares Daher, chefe do Grupo de Coluna do Crer, reitera a importância de os exercícios serem feitos apenas depois de o aluno passar por especialistas. “Aconselho o paciente a começar devagar, no seu limite, sem querer acompanhar a turma que está sob constante expectativa de superação”, alerta.

Os exercícios pautados em altíssima intensidade, e em curto período de tempo, tem a vantagem de proporcionar boa queima calórica. Mas eles oferecem riscos para a saúde, como lesões musculares e, até mesmo, problemas cardíacos em pessoas predispostas.

Depois de demonstrar exercícios à lente do fotógrafo do Jornal Opção, o estudante de Educação Física Gleydson Rodrigues, de 29 anos, não escondia a fadiga.

A prática, diz ele, exige força, velocidade, coordenação, equilíbrio e resistência muscular. “A adrenalina é tudo para mim. Supero a mim usando o meu próprio corpo. É um autodesafio a cada treino.”

Morte

A morte de Roberval Ferreira Ferreira, 35 anos, em Águas Claras, Brasília, no final de fevereiro, é um desses exemplos que alertam para a conscientização. Ele morreu depois de uma parada cardíaca na academia do Park Way, após exercícios de crossfit. Um vídeo de 5 segundos que circula na internet mostra a tentativa frustrada dos paramédicos de reanimar o coração de Roberval no local em que treinava.

O cardiologista do Instituto de Neurologia de Goiânia, Alberto de Almeida Las Casas Júnior, explica que os exercícios são pesados para iniciantes e devem exigir acompanhamento médico. Para ele, quem quer dedicar-se à prática do esporte, deve se consultar com um cardiologista. “No consultório, se faz uma avaliação cardiológica, mas um dos procedimentos mais importantes é o eletrocardiograma [aquele exame que demonstra um gráfico registrando oscilações elétricas da atividade do músculo cardíaco] onde pode ser diagnosticada predisposição a arritmias cardíacas quando os impulsos elétricos do coração não funcionam corretamente.” Essas arritmias podem ser percebidas quando há palpitação — quando o coração tem batimentos rápidos — e dores no peito, desmaios e tonturas.

O cardiologista já atendeu esportistas vítimas de Acidente Vascular Cerebral (AVC). “Muitos dos casos que nos chegam são de pacientes que estavam de cabeça para baixo e isto pode causar dissecção da artéria carótida.” Ele explica que essa dissecção é uma das causas frequentes de Acidente Vascular Cerebral Isquêmico (AVCi), em pacientes jovens, por volta dos 30 anos.

O AVC é um sangramento relacionado ao aumento excessivo da pressão arterial devido ao esforço físico feito pelo crossfit. A pressão arterial fica alta e ocorre uma ruptura da parede da artéria e leva o AVC.

Fiscalização

O chefe da Advocacia setorial do Conselho Regional de Educação Física de Goiás e de Tocantins da 14ª Região (CREF 14/GO-TO), Samuel Lemos, diz que a melhor maneira de evitar treinar em academias despreparadas é procurar o responsável técnico registrado no CREF. Conhecer a estrutura física é importante, inclusive procurar permissões do Corpo de Bombeiros e da prefeitura – que é a soma de vários alvarás, dentre eles o alvará da Vigilância sanitária.

Em Goiás, segundo o CREF/GO-TO, são pelo menos 1.740 academias regulamentadas, mas nem todas são liberadas para oferecer a modalidade crossfit. Com a ascensão da modalidade, e a enorme procura, as denúncias de irregularidades aumentaram quando academias não autorizadas surgiram para oferecer os treinos de maneira despreparadas. Os estabelecimentos são notificados muitas vezes por não oferecerem condições de acompanhamentos adequados. “O profissional de Educação Física é de saúde então precisa respeitar os requisitos, ter alvará de funcionamento.”

Não é o caso de abandonar os exercícios, mas o bom senso evita contratempos. A premissa de que os exercícios físicos fazem bem para a saúde é válida. Mas buscar um corpo perfeito de maneira irresponsável, em exercícios sobre-humanos e sem um acompanhamento adequado, em desrespeito à saúde, não pode ser a prioridade. Afinal, se exercitar com cuidado pode evitar lesões e mortes.

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