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Massami Uyeda: pequenas coisas feitas de maneira grandiosa

STJ - 27 de novembro de 2012 - 07:01

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“Procurando fazer as pequenas coisas de maneira grandiosa.” A ideia do filósofo e educador catarinense Huberto Rohden pautou grande parte da carreira do ministro Massami Uyeda, que se aposenta agora por ter atingido a idade limite de 70 anos. Segundo o ministro, muitos ambicionam fazer uma grande obra, mas a cada trabalho realizado se abre a perspectiva de algo maior. “Em última análise, ‘uma grande obra’ está reservada a Deus. Para nós, sobra tentar realizar cada ato com o maior esforço e dedicação possíveis”, declarou o ministro.

Esse descendente de japoneses nascido em 1942 na cidade de Lins, interior de São Paulo, é filho do empresário Ishiro Uyeda e de Sizue Uyeda. Formado em direito pela Universidade de São Paulo, mestre e doutor pela mesma instituição, assumiu no Superior Tribunal de Justiça (STJ) em junho de 2006 e se tornou o primeiro nipodescendente a ter assento em um tribunal superior brasileiro. Antes, atuou como advogado, promotor público, juiz e desembargador no estado de São Paulo. Casado há 45 anos com Emico Uyeda, tem dois filhos e quatro netos.

A família será uma das prioridades na vida de aposentado do ministro. “Já sacrifiquei demais o convívio com a minha família, especialmente meus filhos e netos”, disse. Durante sua carreira, foram 25 mudanças de residência por motivos profissionais. “Agora vamos para a 26ª, já que vamos retornar a São Paulo”, comentou.

Para vovô Uyeda, os netos são uma constante fonte de encantamento. “Lembro que uma vez minha neta veio dormir comigo e minha mulher, e disse: ‘Vovô, geralmente à noite eu fecho os olhos e vejo estrelas’”, recordou. A veia poética parece correr na família, já que além dos julgados, o ministro também compõe haikais, os tradicionais poemas curtos japoneses.

Direito e aposentadoria

Mas se afastar do direito, definitivamente, não está nos seus planos. “Ainda me sinto apto para o trabalho, mesmo depois de minha carreira, que soma mais de 55 anos de atividade e 35 como magistrado. Se a emenda que amplia o limite de idade no serviço público para 75 anos tivesse sido aprovada, com certeza passaria mais cinco anos no STJ”, disse.

O ministro Uyeda reconheceu a necessidade de renovação em tribunais, especialmente diante do atual dinamismo do direito, da tecnologia e da sociedade. Por outro lado, ele observou, muitas vezes se perdem magistrados de grande experiência e conhecimento, que ainda poderiam contribuir muito com o Judiciário. Citou como exemplo o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Ayres Britto, que também se aposentou por idade recentemente.

A instituição

O ministro disse que sentirá falta do STJ, especialmente do convívio e dos debates com os colegas. A oportunidade de julgar na Corte foi, para ele, uma honra que permitiu um grande aprendizado. “Esta Corte é pioneira em muitos aspectos, como a criação de jurisprudência e uso de tecnologia para facilitar o trâmite processual. Tem o potencial de mudar o país. A responsabilidade dessa liderança é enorme”, ele salientou.

Ele também elogiou seus pares, que classificou de “julgadores de alto nível, especialmente no momento dos debates”. E brincou: “Acho que muitos vão se sentir aliviados por minha partida, já que muitas vezes fui voto vencido e sempre valorizei muito a discussão de cada polêmica.”

O magistrado também fez questão de destacar a cooperação dos servidores do Tribunal, em especial os de seu gabinete, “de grande competência e comprometimento”. Sem a eficiência desses servidores, admitiu Uyeda, “não teria conseguido julgar as mais de 78 mil ações que passaram pelo meu gabinete. A eles e a Deus eu só tenho que agradecer”.

Filosofia, humanidade, poesia, amor à família, religiosidade e uma disciplina e determinação bem nipônicas. De certa forma, tudo isso se refletiu nos julgamentos do ministro Massami Uyeda.

União homoafetiva

Exemplo marcante foi seu voto em um recurso especial julgado em 2008 e relatado pelo ministro Pádua Ribeiro, agora aposentado, que abriu o caminho para a jurisprudência reconhecer os direitos da união homoafetiva no país (o número do processo não é divulgado em razão de sigilo judicial). No caso, um brasileiro e um canadense com convivência constante de mais de 20 anos pediram na Justiça o reconhecimento de sua união. Entretanto, o processo foi extinto sob a alegação de que não havia previsão legal para isso.

No recurso ao STJ, o relator votou para que o processo tivesse seguimento e o mérito da questão fosse analisado pela Justiça. Mas, depois disso, dois outros membros da Quarta Turma votaram contra. “Nesse momento parecia que o recurso seria negado. Pedi vista e analisei a questão. Apontei que não havia lei admitindo a união estável entre pessoas do mesmo sexo, mas também não havia proibição. O juiz não pode deixar de julgar pela falta da lei e deve levar em conta princípios como a equidade e equilíbrio”, explicou Uyeda.

O seu voto empatou a questão e o voto seguinte, do ministro Luis Felipe Salomão, seguiu na mesma linha, determinando a análise do mérito do processo pela Justiça. Antes dessa decisão, a situação das relações homoafetivas só era analisada do ponto de vista do direito patrimonial. Agora, também são tratadas no âmbito do direito de família.

Outra decisão importante nesse ramo do direito foi dada pelo ministro Massami Uyeda também em 2008, mas já atuando na Terceira Turma. O recurso (que também correu em sigilo) tratava do vínculo socioafetivo entre pai e filho. Depois de 22 anos, um homem descobriu em exame de DNA que não tinha vínculo biológico com seu suposto filho. Ele propôs ação negatória de paternidade. Entretanto, o ministro Uyeda considerou que o vínculo criado pela longa convivência não poderia ser ignorado, e o pedido foi negado.

Duas decisões recentes do ministro também ganharam muito destaque. Uma foi no REsp 1.299.981, que reverteu a decretação de falência da empresa aérea Vasp. O magistrado considerou que o princípio da preservação da empresa deveria ter preferência sobre o interesse de credores específicos.

Outra foi em uma ação bilionária de indenização contra a Petrobras. No REsp 745.739, discutia-se o uso de “moedas podres” na privatização da Petroquisa, e o valor da indenização poderia chegar a R$ 15 bilhões. O ministro Uyeda entendeu que haveria confusão entre as figuras do credor e do devedor, já que a Petrobras havia incorporado a Petroquisa. Na verdade, a empresa petrolífera não tinha obrigação de indenizar eventuais prejuízos dos acionistas da empresa que foi incorporada.

Além do STJ

Fora do STJ, a atuação de Uyeda no mundo jurídico também foi expressiva. Defensor das cotas raciais nas universidades, o ministro foi um dos maiores incentivadores da criação da Faculdade Zumbi dos Palmares (Unipalmares), entidade voltada para a qualificação e integração de jovens negros. Localizada em São Paulo, a Unipalmares não tem fins lucrativos e formou sua primeira turma de direito este ano, tendo o ministro Uyeda como paraninfo.

Para ele, a integração de negros em mercados de trabalhos mais qualificados é essencial para a sociedade brasileira. “Os afrodescendentes foram espoliados e impedidos de se aprimorar por séculos. Estimulá-los para o estudo é uma obrigação moral”, asseverou. Rebateu as críticas dos que veem as cotas como discriminatórias e semeadoras da discórdia e comparou esse mecanismo de integração ao handcap do golfe, esporte pelo qual o ministro é apaixonado. “Você dá uma pequena dianteira para um concorrente em desvantagem, para que ele tenha uma chance justa de competir”, explicou.

O ministro Uyeda também é um antigo incentivador da conciliação e dos acordos extrajudiciais, antes mesmo da Lei de Arbitragem e da criação dos juizados de pequenas causas. Quando ainda atuava no Tribunal de Justiça de São Paulo, era comum ficar depois do expediente tentando levar as partes a um acordo, para evitar que os conflitos se arrastassem no Judiciário. “Alguns colegas diziam ‘Massami, você ficou louco, dizia que ia se aposentar com 30 anos de serviço e agora fica até mais tarde’, mas eu achava essa inciativa importante”, comentou.

Ele vê com bons olhos o crescimento do uso da arbitragem e da conciliação na Justiça brasileira. “O magistrado deve julgar sempre com o espírito de harmonia e concórdia, se possível evitando os conflitos”, opinou.

A importância da atuação de Massami Uyeda como julgador e as várias realizações que marcaram sua longa carreira têm sido exaltadas nas homenagens que recebe agora, por ocasião da aposentadoria. Colegas próximos, como a ministra Nancy Andrighi e o presidente do STJ, Felix Fischer, destacam com entusiasmo o legado jurídico que ele deixa, fazendo coro a advogados, procuradores e outros magistrados. Como o próprio ministro diz: “Nada mau para um japonezinho do interior de São Paulo.”

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