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Marcos Valério: Eu sou o back-up de Delúbio

02 de setembro de 2005 - 16:17

A história narrada pelo empresário Marcos Valério Fernandes de Souza sobre suas relações com o PT e o governo desafia duas CPIs do Congresso, que ainda não a aceitaram mas não conseguiram desmontá-la.
É um enredo de ilegalidades que desmoraliza o partido e o governo mas, segundo ele, começa e acaba nas campanhas eleitorais de 2002 e 2004. Não sustenta a tese do \"mensalão\", que popularizou o escândalo, nem comprova, até aqui, corrupção com dinheiro público, embora revele uma desastrada teia de influências, favores e segredos.

Marcos Valério e o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares puseram a história de pé nos depoimentos que deram em julho ao procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza.

A narrativa se ampara na contabilidade dos 55 milhões de reais distribuídos, entre janeiro de 2003 e maio de 2005, a pessoas e empresas relacionadas ao PT, PL, PTB, PP e PMDB.

\"Eu sou o back-up do Delúbio\", disse Valério à Reuters na primeira de quatro sessões de entrevista iniciadas semana passada em Belo Horizonte.

Valério sustenta que a contabilidade das empresas às quais esteve ligado, naquele período, é a cópia de segurança das transferências financeiras do esquema.

\"A cópia verdadeira\", acrescenta.

Na versão do empresário, Delúbio Soares enredou-se num frenesi de compromissos —com aliados, com o publicitário Duda Mendonça, com candidatos petistas —, pagou com o que teve à mão e não registrou as transações nem em papel de pão.

A história do caixa dois, calcada nos empréstimos tomados por empresas ligadas a Valério (SMP&B e Graffiti) e por seu sócio Rogério Tolentino, destruiu a antiga direção do PT, mas é a mais conveniente para o governo, para setores do PT e até para os bancos BMG e Rural, segundo o empresário.

Valério tomou a decisão de revelar todos os cifrões do esquema mas apenas um nome da cúpula — o de Delúbio — à revelia da direção petista. Ele delimitou para o ex-tesoureiro o papel de responsável pelas transações, e, para si mesmo, o de trem pagador.

O empresário diz que assumiu o controle — e os riscos — dessa narrativa depois de concluir que ficaria \"carregando a culpa sozinho\". Pesou, ainda, o cancelamento dos contratos da SMP&B e DNA com os Correios e o Banco do Brasil.

AMEAÇA E PAPELÃO

Valério conta que, às vésperas de seu primeiro depoimento à CPI dos Correios, em 6 de julho, recebeu um recado de emissário ligado ao governo e à direção do PT.

A mensagem dizia que o Planalto não tinha motivos, até então, para romper aqueles contratos. Mas Valério entendeu o recado com o sinal contrário: a ameaça de que seriam rompidos caso revelasse os empréstimos para o caixa dois.

\"Por isso aceitei fazer o papelão de negar os empréstimos, sabendo que iam vazar, que não era mais possível esconder as coisas\", disse o empresário.

O emissário mencionado por Valério falou à Reuters, terça-feira, na condição do anonimato. Confirmou ter mandado o recado, \"para acalmar\" o empresário, pois recebera informações de que ele estaria \"nervoso e inseguro\". Negou ter pedido que os empréstimos fossem ocultados.

Até o final do mês de julho, três fatos mudariam o cenário e a atitude de Marcos Valério: a CPI recebeu e divulgou a primeira leva de pagamentos a políticos do PT; novos diretores dos Correios e do BB cancelaram os contratos de publicidade com suas empresas, a comissão pediu a prisão de Valério e convocou para depor sua mulher e sócia, Renilda Santiago.

\"Foram vinte votos contra um para me prender\", contabilizou. \"Depois disso, eu não ia mais ficar protegendo deputado do PT.\"

\"DESSE CAMINHO NÃO SAIO\"

O emissário de Brasília ainda mandou dizer que o cancelamento dos contratos teria sido decidido à revelia do comando político, do governo e do PT.

Mas a situação já era definitivamente outra. Num encontro com Delúbio, em Belo Horizonte, Valério avisou que entregaria a lista dos repasses ao procurador-geral da República.

"Gosto muito de você, mas seu partido não merece meu sacrifício", ele teria dito na última conversa com Delúbio.

Na segunda sessão de entrevista, Valério traçou numa folha de papel duas linhas paralelas. Abaixo das linhas, pôs o nome de Delúbio e os cifrões do esquema, de quem e do quê já falou muito. Acima das linhas, escreveu o nome do ex-ministro José Dirceu e desenhou a estrela do PT. Sobre esses, pouco ou nada falou até hoje.

"Desse caminho não saio", disse, apontando o espaço entre as linhas paralelas. "E acho que não seria justo para o país."

CRIME E CASTIGO

Desde a revelação do esquema, Marcos Valério, de 46 anos, perdeu dez quilos, muito dinheiro, seus contratos e seus sócios, que formalizaram o rompimento na última semana. Demitiu 400 empregados, expôs a família e tem medo de ser preso, mas diz que lutará para "ficar de pé novamente."

Ele montou sua base de operações na sede da empresa Tolentino & Associados, do amigo e devedor solidário Rogério Tolentino. Come pizzas, sanduíches e dá entrevistas. Ali ele acompanha os depoimentos das CPIs e divulga pela Internet, em tempo real, sua própria versão a respeito das declarações das quais discorda ou considera falsas.

Marcos Valério não leu "Crime e Castigo", de Fiodor Dostoievsky, mas, admite, comportou-se como o personagem Raskolnikov, que cometeu um crime e deixou todas as pistas para ser apanhado.

"Não foi nada inconsciente, foi necessidade", ele argumenta, hoje, lembrando que precisava manter as contas e comprovar que pagava o combinado. "Se eu não tivesse registrado tudo, não teria como provar nem para o Delúbio que fiz os pagamentos que ele me pediu."

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