Ao ler a emocionante homenagem prestada pelo Manoel Afonso ao saudoso Dr. Juracy Lucas, não poderia deixar de compartilhar uma passagem igualmente emocionante que vivenciei no início dos anos 2000, quando assumi a Diretoria Executiva da TELEACRE CELULAR S/A. e fui morar em Rio Branco (AC).

Por ser uma capital com pouco mais de 250 mil habitantes, à época, tive a oportunidade de fazer inúmeras e boas amizades na capital Acreana, onde fui muito bem recebido, especialmente pelo (Ex) Vice-Governador Dr. Labib Murad, que se emocionou muito quando soube que eu era de Cassilândia, cidade que o destino do seu inseparável amigo Dr. Juaracy Lucas..

Tive a explendida oportunidade de conviver com ele em vários momentos, desfrutar de boas histórias em nossos encontros rotineiros, como a história abaixo.

Os fatos aqui narrados aconteceram entre os anos de 1960/1970, quando o Acre vivia uma epidemia de malária e não dispunha de profissionais para minimamente assistir à população.

A distância, a falta de logística (acesso), infraestrutura básica, moradias dignas e a proliferação da malária, cujo nível de mortandade, à época, alarmaram as autoridades Brasileiras, tornou-se um enorme obstáculo para atrair profissionais da saúde para atuar no Acre.

Naquela época o Governo teve que adotar estratégia diferenciada para atrair médicos para atuar no estado. Foi então que estabeleceu salário acima do mercado e incluiu vários benefícios e vantagens, distribuindo anúncios nas faculdades de medicina País afora. O foco era contratar profissionais recém-formado, e até mesmo aqueles que estavam em fase de conclusão do curso de medicina, firmando compromisso de atuar no Acre após a conclusão do curso, e deu certo.

Foi nessa condição que dois jovens médicos que formaram juntos foram morar em Rio Branco e fizeram a diferença por lá, Dr. Labib Murad e Dr. Juracy Lucas. Ambos, após firmado o compromisso, foram designados pelo Estado para fazer uma rápida “especialização” nas áreas consideradas emergenciais, o primeiro em Cirurgia Geral e o segundo em Anestesia.

Cumprida a primeira etapa, rumaram para o Acre. Providenciaram suas inscrições no Conselho Regional de Medicina do Estado, obtendo os registros no órgão com os seguintes números CRM/AC nº 23 e CRM/AC nº 24, respectivamente.

Formaram juntos, chegaram juntos, moraram na mesma casa por um período, casaram-se na mesma época e souberam como ninguém cultivar uma linda amizade, a ponto de se tratarem como irmãos, quando se dirigia um ao outro. A empreitada no Acre foi árdua, mas os Jovens médicos aproveitaram muito daquilo que o estado lhes proporcionava. Se destacaram no Estado, participaram da criação de várias entidades filantrópicas, salvaram inúmeras vidas, encantaram pacientes e receberam homenagens e presentes, como o filhote de onça pintada dado por um seringueiro ao Dr. Juracy.

O animal, apesar da imponência, passou a conviver com ele como um inestimável bicho de estimação, por todo tempo em que morou no Acre. Sob coleira, o animal circulava com ele nos passeios pelo centro da capital Rio Branco. Certa ocasião os jovens médicos, anestesista e cirurgião, fizeram um procedimento cirúrgico para cura de uma inflamação na preza do animal, que o impedia de se alimentar corretamente.

Essa foi apenas uma das muitas histórias desses dois baluartes da medicina Acreana que tive oportunidade de conferir em fotos da época, matérias jornalísticas guardadas num velho cofre do Dr. Labib Murad.

Com a decisão de se mudar para ficar mais próximo dos seus familiares, principalmente por insistência da esposa “Dª Nicinha”, o Dr. Juracy deixou Rio Branco (AC) e foi buscar outros horizontes.

Mesmo morando distantes, os amigos não deixaram de manter frequente contato por meio de cartas, e nelas trocavam confidências pessoais. Numa pude constatar a emoção dele ao informar ao amigo Dr. Labib que acabara de saber que seria Pai. Noutras relatava sempre com emoção o dia-a-dia da gestação da esposa, até o nascimento da filha, salvo, engano de nome Érica.

Deparei também com um recorte de jornal nos guardados do Dr. Labib noticiando o acidente que vitimou o amigo, e pude, por algum momento, entender a importância que tinha um para o outro, nas lágrimas que escorreram em seus olhos.

Foi num dos nossos encontros, que ele sempre trazia história vivida por ambos, que recebi dele a incumbência de localizar a filha do Dr. Juracy, pois ele queria falar com ela pela primeira vez. Emocionado ele disse naquele momento que era muito importante para ele prestar um tributo ao amigo, expressando aquilo que gostaria de ter dito ao Dr. Juracy em vida, à sua filha, pois acreditava que isso acalentaria seu coração e ela saberia o quanto seu pai havia sido importante na vida dele.

Consegui localizá-la em Jataí (GO) e combinamos dia e hora para eles se falarem. No momento marcado ele chegou em minha sala com um enorme envelope contendo tudo que envolvia eles, fotos, entrevistas deles na imprensa do Acre, cartas (quase sempre escrita em papel de receituário), etc.

Completei a ligação para ela, que ele carinhosamente a chamava de “minha sobrinha”, com a qual, até então, não havia tido a oportunidade de conversar e muito menos de conhecer, embora sabia tudo sobre ela desde a sua concepção, gestação, descoberta do sexo, escolha do nome, nascimento, primeiros passos, primeiro aniversário, enfim, havia acompanhado ao lado do amigo toda a felicidade que ela trouxe a eles. A minha sala ficou pequena diante de tamanha emoção que contagiou todos que ali estavam naquele momento inesquecível.

O Dr. Juracy Lucas e o Dr. Labib Murad são seres iluminados que vieram ao mundo para fazerem a diferença, contagiando todos que tiveram a oportunidade de conviver com eles.

Edinaldo Silva - cassilandense e advogado em Cuiabá.