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Livro de auto-ajuda para fragilidade de relações

Camila Cotta/ABr - 15 de fevereiro de 2004 - 15:31

Com o vertiginoso avanço tecnológico que a humanidade tem experimentado principalmente nos últimos 20 anos, as pessoas buscam, cada vez mais, soluções rápidas e fáceis para seus problemas e, assim, terem um maior controle sobre suas vidas. Esse novo perfil da sociedade trouxe a reboque os livros de auto-ajuda que prometem facilitar o manejo de todos os fatores que nos incomodam.

A pedagoga paulista Rosana Rodrigues, que tem o amor como objeto de pesquisa já há alguns anos, diz que o grande número de livros de auto-ajuda disponíveis no mercado é conseqüência da fragilidade do relacionamento das pessoas. Para ela, as pessoas buscam nos livros uma luminária que lhes facilite o encontro consigo mesmo. "É uma coisa que preocupa. Existem muitas pessoas fragilizadas, que não estão conseguindo ter o seu próprio tempo. Estamos sempre fazendo uma atividade pensando na atividade seguinte e não paramos e pensamos no que realmente estamos fazendo", destaca.

"A questão da auto-ajuda é mais ou menos isso: ás vezes, precisamos escutar alguma coisa de outras pessoas para pararmos e pensarmos no que realmente estamos fazendo da vida e, desse modo, ajudar naquilo que não conseguimos encontrar em nós mesmos". Rosana acha que as pessoas estão precisando olhar mais profundamente para elas próprias, pois não estão conseguindo se enxergar.

Para a psicóloga e professora da Universidade Católica de Brasília (UCB), Marta Helena Freitas, os livros de auto-ajuda visam um controle sobre certas dificuldades da vida de maneira rápida, simples e fácil. "Por serem subjetivos, os livros reproduzem esse modelo de que tudo tem quer ser simples e rápido. A sociedade tende a se distanciar de certas coisas da vida, sempre a busca de uma assepsia, de um controle. Um exemplo é a morte: antigamente o velório era em casa e tinha todo um ritual; hoje as pessoas quase nem vão ao velório no cemitério", comenta.

Ela comenta que "junto com o paradigma de que essa sociedade quer eliminar o sofrimento a todo custo, vem a negação daquelas situações que promove esse sentimento. Isso faz com que as pessoas falem menos das coisas que fazem ela sofrer. Com esse procedimento a pessoa fica mais solitária e, sem um suporte de outra pessoa se senta ainda mais fragilizada.

Rosana e Marta concordam que a falta de um compartilhamento, leva as pessoas a um a tristeza progressiva. Esses sintomas vão se manifestar nas relações, nos conflitos, no cotidiano da pessoa e se transformará na raiva, no amor que não foi atribuído, entre outras. Um dos sintomas é a depressão, diz Marta. Ela explica que os livros de auto-ajuda vêm com a função de preencher um vazio dentro das pessoas, mas ele dá respostas prontas e mágicas. "O importante é buscar as respostas por si mesmo", enfatiza a psicóloga.

Projetada para ser a segunda causa de incapacitação na população mundial em 2020, a depressão, um distúrbio médico, crônico e recorrente, hoje ocupa o quinto lugar entre as causas de incapacidade por doença, segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), ficando atrás só das infecções respiratórias, Aids, problemas ocasionados no período perinatal e doenças diarréicas.

"Estamos acostumados a pensar que depressão não é doença grave, mas a verdade é que ela leva à incapacidade e afeta a qualidade de vida de forma mais grave do que muitas doenças que têm risco maior de morte, como infarto", disse o mestre e doutor em Psiquiatria Paulo Mattos, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), consultor do Conselho Nacional de Pesquisa e membro da Associação Americana de Psiquiatria.

Aliado a depressão, a cultura estética é um outro fator que tem causado um certo sofrimento nas pessoas e ao mesmo tempo tem influenciado em seus relacionamentos amorosos. Ser bonito, ter um corpo perfeito, ser admirado, tornou-se sinônimo de descuido com o outro. E ser amado e não amar o outro. Segundo Freitas, antigamente havia uma abdicação de prazeres para se estar ao lado do outro. Hoje, isso quase inexiste por não ser considerado mais um valor. "Cuidar do outro pode ser prazeroso mais envolve uma renúncia e na sociedade atual existe o sentimento de que cuidar de si mesmo é bom e cuidar do outro acaba sendo um sofrimento".

"Abdicar da imagem pessoal para passar a dividir os cuidados com o outro é um dos fatores que acompanha a centralização do indivíduo. É paradoxal", diz Marta Freitas. O ser humano está pagando um preço por isso. "Na medida em que cada um passa a cuidar de si e descuidar do outro, forma-se uma série de sintomas que fazem parte da vida dessas pessoas. As relações vão ficando vazias e as pessoas começam a ser da conta de que não se gostam. Hoje é muito mais fácil romper esse tipo de relação devido seus interesses e necessidades. Se o outro não me aceita do jeito que sou, então é mais fácil romper com o outro e viver minha vida", esclarece ela.

O excesso de vaidade, que guia a maior parte das pessoas para as academias também é um dos componentes responsáveis pela fragilidade das relações entre as pessoas. A imagem que se apresenta é para agradar aos olhos, vibrar a libido e para consumo instantâneo. Uma das conseqüências desse culto estético desmesurado é a relação que se estabelece da pessoa como sendo um produto de consumo rápido e descatável. Em resumo Rosana diz acreditar "que essa cultura exacerbada do corpo tem muito mais a ver com o se mostrar, montar uma imagem agradável aos olhos do que com o amor".

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