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Lingüiça cuiabana: histórico, mitos e verdades

Crislene Barbosa Almeida - 15 de abril de 2006 - 19:39

1. Introdução
O Brasil, com o segundo maior rebanho bovino do mundo, com cerca de 165 milhões de cabeças, possui um agronegócio de carne bovina que responde por 3% do Produto Interno Bruto Brasileiro (Anualpec, 1998; Bliska & Gonçalves, 1998). Com menos de 5% de exportação líquida e 95% de consumo interno da carne bovina, apresenta um expressivo consumo per capita de 40 kg/habitante/ano (ANUALPEC, 2002). Os embutidos de carne, em seu conjunto, ocupam posição privilegiada nas estatísticas brasileiras, correspondente a 45% com relação às demais carnes processadas (PARDI et al, 2001). Entende-se por lingüiça o produto cárneo industrializado, obtido de carnes de animais de açougue, adicionados ou não de tecidos adiposos, ingredientes, embutidos em envoltório (natural ou artificial) e submetido ao processo tecnológico adequado, em que sua classificação varia com a tecnologia de fabricação. Assim, o produto será designado de lingüiça, seguido de denominação ou expressões que o caracterizem, como, por exemplo, lingüiça toscana, lingüiça de pernil, paio, etc. (BRASIL, 2000).
Devido à excelente aceitação regional da lingüiça cuiabana e por existir muita polêmica e disputa de sua origem, formulação e patentes, o objetivo desta pesquisa foi esclarecer sua história e transformações tecnológicas ocorridas (origem e formulação). Para isto, foi realizado um estudo detalhado de sua história ao longo do tempo.

2. Material e métodos
Para a descrição do histórico da lingüiça cuiabana foram realizadas visitas e entrevistas com as pessoas envolvidas no processo de seu aprimoramento.

3. Resultados e discussão
A lingüiça cuiabana é um embutido frescal bastante conhecido e consumido em São José do Rio Preto (SP), Paulo de Faria (SP), Mirassol (SP), Palestina (SP), Barretos (SP) e outros municípios menores da Região Noroeste. Segundo AZIZ, D.R., a lingüiça cuiabana originou-se por volta de 1952, quando Zenha Ribeiro, um fazendeiro de Paulo de Faria (SP), participou de um churrasco em Uberaba (MG) a convite do mato-grossense Olinto Correa. Nesse churrasco, Zenha Ribeiro saboreou e gostou muito de uma lingüiça conhecida como lingüiça de carne de vaca e aprendeu com as “cuiabanas” a fazê-la. Ao retornar para Paulo de Faria fez a lingüiça pela primeira vez e, devido à sua excelente aceitação, foi inevitável o questionamento: “Que lingüiça é essa?”, Zenha Ribeiro respondia: “É das cuiabanas!”. E assim surgia a lingüiça cuiabana, pois Zenha Ribeiro chamava a família Correa de cuiabanos devido às suas vestimentas (AZIZ, D.R. e MARTINS, R.M.A).
De acordo com BARROS, J., a lingüiça cuiabana originou-se em viagens para o Mato Grosso. Ele, Zenha Ribeiro e Olinto Correa faziam parte da mesma comitiva que buscava boiada em diversos Estados como Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, etc. Há, aproximadamente, 70 anos, em uma dessas viagens, mais precisamente para o Mato Grosso, eles inventaram uma lingüiça e a denominaram “Cuiabana” por estarem no Estado. Como tratava-se de uma invenção, resolveram colocar como ingredientes o que havia disponível: carne e gordura bovina, leite e sal; e adicionaram o leite para ficar uma lingüiça diferente (BARROS, J).
Segundo BARROS, J., após essa invenção, aperfeiçoou-se essa lingüiça acrescentando ingredientes como pimenta bode e cheiro verde – hoje, há suspeitas de que o leite adicionado tenha também a função de amaciar a carne.
Atualmente, a família Correa tentou modificar a receita dessa lingüiça colocando suco de laranja ao invés do leite, mas não obtive sucesso, pois o produto endureceu a carne (AZIZ, D.R.).
No mercado de hoje existem diversas formulações de lingüiça cuiabana, principalmente em açougues, porém são diferentes da formulação original, que consiste de carne bovina de primeira (corte traseiro), gordura bovina, leite e temperos (MARTINS, R.M.A.).
Há diferentes comentários com relação ao leite adicionado como ingrediente:
Segundo AZIZ, D.R., este leite deve ser in natura e fervente para que penetre mais rapidamente, com a função de amaciar um pouco a carne. Porém, de acordo com BARROS, J., pode ser adicionado qualquer tipo de leite de vaca, independente de ser in natura, pasteurizado ou UHT. Não é necessário adicioná-lo quente, pois, segundo ele, a adição do leite também influencia na maciez do produto final. O ensacamento não pode ser à máquina, uma vez que esta tira o leite com o tempero e a lingüiça fica seca. Deve ser usado tripa de novilha devido ao seu tamanho médio e maior resistência (BARROS, J.; AZIZ, D.R.).
Segundo AZIZ, D.R., a lingüiça pronta é armazenada congelada em freezer doméstico com prazo de validade de, aproximadamente, 2 a 3 meses. A família Ribeiro não tem a pretensão de patentear a marca “Lingüiça Cuiabana” para garantia de sua origem. Eles só almejam que todos que a comercializam não desconfigurem a formulação original por ser extremamente saborosa e para, principalmente, manter o respeito do nome, lingüiça cuiabana. Para isso, estão dispostos a fornecer a receita original a qualquer momento (MARTINS, R.M.A). GOMES Jr, J.S., afirma que a Panificadora e Mercearia Pipa Ltda. fabrica, comercializa e industrializa o produto desde 1991, mas, há 20 anos, os proprietários já fabricavam essa lingüiças, porém em âmbito artesanal. A partir de 1999, a empresa deu entrada no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), vinculado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, para obter o registro exclusivo da marca no intuito de difundir a lingüiça cuiabana em nível nacional.
A lingüiça cuiabana é feita de carne bovina sem osso, leite pasteurizado, sal e condimentos (ingredientes que constam no processo de detenção da marca). É uma lingüiça que deve ser armazenada em refrigeração de baixa temperatura (-10°C) e com validade de seis meses (GOMES JR, J.S.). A empresa Panificadora e Mercearia Pipa Ltda. vem sofrendo prejuízos irreparáveis tanto no âmbito moral como financeiro, sob o uso indevido por alguns comerciantes da marca lingüiça cuiabana, destacando-se uma qualidade indesejável do produto. (GOMES JR, J.S.).
Atualmente, há muitas lingüiças cuiabanas em açougues do município (lingüiça cuiabana com queijo, de frango, de pernil, etc.) incluindo a da empresa Frigoboi Comércio de Carnes Ltda., onde acredita-se que tal lingüiça originou-se em Paulo de Faria (SP) por um senhor de apelido Cuiabá, daí o seu nome.

4. Conclusões
Desta forma, esclarece-se a origem desta lingüiça enfatizando as mudanças de sua formulação ocorridas ao longo do tempo e caracterizando uma original lingüiça cuiabana, ressaltando que há diversas lingüiças também denominadas cuiabanas, porém, acrescentadas de ingredientes fora do padrão mencionado e que, portanto, não poderiam ser denominadas de tal forma.
Acreditamos, também, que o leite, talvez devido às bactérias láticas, tem a função de amaciar a carne, além de contribuir na obtenção de um sabor característico para esta lingüiça.

5. Referências bibliográficas
ANUÁRIO ESTATÍSTICO DE PRODUÇÃO ANIMAL 1998 (ANUALPEC 98) São Paulo: Argos Comunicação; FNP Consultoria & Comércio, 1998.

ANUÁRIO ESTATÍSTICO DE PRODUÇÃO ANIMAL 2002 (ANUALPEC 02) São Paulo: Argos Comunicação; FNP Consultoria & Comércio, 2002, 400p.

AZIS, D.R. (Durvalina Ribeiro Aziz)
Av. da Saudade, 3829. Sta. Cruz
São José do Rio Preto (SP); tel.: (17) 234-7121

BARROS, J. (Jugurta de Barros)
Rua Alameda Franca, 159. Jd. Roseana
São José do Rio Preto (SP); tel.: não possui

Bliska, F.M.M., Gonçalves, J.R. Estudo da cadeia produtiva de carne bovina no Brasil, in Cadeias produtivas e sistemas naturais, 1998, Embrapa, Brasília.

BRASIL. Ministério da Agricultura e Abastecimento. Regulamento Técnicos de Identidade e Qualidade de Carne Mecanicamente Separada, de Mortadela, e de Lingüiça e de Salsicha, em Conformidade com os Anexos desta Instrução Normativa. Publicada no D.O.U. de 05/04/2000, Seção I, págs. 6-10. Disponível em: http://www.agricultura.gov.br/sda/dipoa/legislacaoprodutocarneos.htm>. Acesso em: 26/12/2002.

MARTINS, R.M.A (.Regina Maria Ribeiro Aziz Martins)
Av. da Saudade, 3829. Sta. Cruz
São José do Rio Preto (SP); CEP: 15.014-020; tel.: (17) 234-7121

PARDI, M.C., et al, CIÊNCIA, HIGIENE E TECNOLOGIA DA CARNE – Tecnologia da carne e de subprodutos. Processamento tecnológico. Volume II, 2ª edição, Editora UFG, Goiânia, 2001, 1147p.

O autor Crislene Barbosa Akeida é zootecnista – mestranda do Depto. de Engenharia e Tecnologia de Alimentos do Ibilce, Unesp/São José do Rio Preto; e-mail: [email protected]

Este artigo foi publicado em 2003, na Revista da Nacional Carne, edição 322 - Grupo Dipemar

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