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Língua portuguesa, inculta e bela, por Alcides Silva

Alcides Silva - 07 de fevereiro de 2013 - 16:44

Foto: cidadaonet
Foto: cidadaonet

Carnaval e entrudo


No Brasil, como festa de rua, o carnaval é a maior e a mais nítida manifestação de nossa cultura popular. Suplanta até mesmo o futebol. Tanto que durante os festejos momesco não se realizam competições oficiais daquele esporte.
O termo carnaval aportou no falar português em 1542, vindo da França. Mas sua origem remota está no latim medieval carnem levare = ‘abstenção de carne’, nome que se dava à véspera da quarta-feira de Cinzas, dia a partir do qual se iniciava a abstinência, então obrigatória durante toda a Quaresma.


Estudiosos há que dão a palavra como nascida da expressão latina carne, vale, isto é, ‘adeus à carne’. Outros, ainda, tomam o étimo carrus navalis, foneticamente aceitável, porém sem fundamento histórico, pois carrus navalis eram as alegorias náuticas que nada tinham a ver com as primitivas ‘festas da fecundidade’.


Diz Houaiss que ‘carnaval’ era “período anual de festas profanas, originadas na Antigüidade e recuperadas pelo cristianismo, e que começava no dia de Reis (Epifania) e acabava na Quarta-Feira de Cinzas, às vésperas da Quaresma; constituía-se de festejos populares provenientes de ritos e costumes pagãos e se caracterizava pela liberdade de expressão e movimento”. cultuava o deus da produção: na Grécia, Dionísio, deus do vinho e da vegetação, e, em Roma, Saturno, deus da agricultura. Em grupos ruidosos, homens e mulheres, com cânticos e danças, faziam pedidos de proteção dos Céus para que os campos tivessem boa produção. Esse culto, tanto na Grécia como em Roma, se caracterizava pela exuberância de gestos e de movimentos de corpo e, ainda, pelo vigor dos cânticos e dos diálogos.
As procissões dionisíacas e os préstitos saturnais se avolumavam pelos caminhos por onde passavam, de forma tal que, com o correr do tempo, formavam grandes e agitadas concentrações de dançarinos, com os mais diferentes disfarces, cantando em coro tudo o que lhes inspirava burla e escárnio (Jacob Burckhardt: “História de la Cultura Griega", Tomo II, p. 198, Editorial Iberia, Barcelona, 1953).
A imagem da divindade era transportada em uma carruagem enfeitadíssima, tracionada pela força humana [os carros alegóricos de hoje], à qual os romanos davam o nome de carrus navalis (carro naval), acompanhada por ruidoso cortejo que encenava fatos atribuídos a Dionísio ou a Saturno [os sambas-enredos da atualidade]. A essas procissões dionisíacas ou saturnais – os participantes, com máscaras (personagens, do latim persóna, ae 'máscara de ator, figura’), a correrem pelas ruas, cantando e expressando júbilo -, dava-se o nome de comos e às canções burlescas, comoedia > comédia.


O nome carnevale, porém, surgiu na Itália, no século XII, para designar o último dia dos festejos que se fazia em exaltação à fecundidade (reminiscência das comemorações dionisíacas da Grécia antiga e dos bacanais romanos, celebrados da entrada do ano até o começo da primavera, em março). Era a Terça-Feira Gorda, o dia em que se dava adeus à carne, através da dança e dos trejeitos e iniciava-se rigoroso jejum preparatório da Semana Santa.


Já foi chamado de entrudo (do latim introitu = entrada, começo, princípio) por serem os três dias que antecediam a Quaresma. Fernão Rodrigues Lobo, por alcunha Soropita, escritor quinhentista, dizia ser o entrudo a “honrada festa, onde a gula com a ira e a luxúria, têm particular assistência”. Há um outro Rodrigues Lobo na literatura portuguesa e, a propósito, de maior expressão literária, que, ao que eu saiba não se preocupou com o carnaval.


A duração dos festejos começou a ser encurtada, não se iniciando mais no Dia de Reis, porém, nas proximidades da Quaresma. Mudou de nome: entrudo, festa popular que acontecia três dias antes da Quarta-feira de Cinzas. Houaiss informa que o “folguedo vigorou até 1817 em Portugal e entrou em declínio no Brasil em 1854, por repressão policial, dando lugar ao moderno carnaval”, com confetes e serpentinas de papel. Ele comenta que naqueles três dias de entrudo ‘os brincantes trocavam pelas ruas arremessos de baldes de água, limões-de-cheiro, ovos, tangerinas, pastelões, luvas cheias de areia, esbordoavam-se com vassouras e colheres de pau, sujavam-se com farinha, gesso, tinta etc.’


Atualmente, já não é o entrudo e sequer o tríduo, mas é carnaval (“quantos risos, oh quanta alegria!”), agora comemorado em cinco (quase seis!) dias consecutivos, e não se realiza somente como prévia quaresmal do ‘adeus à carne’. As micaretas (de micareme, do francês mi-carême, o sábado de Aleluia), carnaval temporão, acontecem nas mais diversas épocas do ano.

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