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Língua portuguesa, inculta e bela, por Alcides Silva

Alcides Silva - 20 de maio de 2006 - 08:32

Língua portuguesa, inculta e bela

Alcides Silva

Aliteração

De um poemeto da maranhense Wanda Cristina extraí estes versos: “Eu quero dançar contigo / dentro da poesia, / como dança o povo dentro do Estado. / Eu quero rebolar contigo em cada rima, /como rebola o povo dentro do salário. / Eu escolho uma aliteração / para a nossa vida: filhos, felicidade, família, feijão, farinha... / como o povo, em fé, / faz folia, forra a fome com futebol e fantasia.”.
Aliteração é a repetição intencional de consoantes ou de grupos de consoantes para produção de efeito sonoro estético: "Rápido o raio rútilo retalha" (Raimundo Correia) e "Vozes veladas, veludosas vozes, / Volúpia dos violões, vozes veladas, / Vagam nos velhos vórtices velozes/ Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas" (Cruz e Sousa).

Já escrevi nesta coluna que Chico Buarque é bom cantor, excelente músico e melhor poeta. Em “Pedro Pedreiro”, por exemplo, ele burila palavras com sons semelhantes. Em muitos, isso é defeito, pecado de estilo. Em Chico, é a navegação poética pela aliteração: “Pedro Pedreiro penseiro esperando o trem/ Manhã parece, carece de esperar também/ Para o bem de quem tem bem de quem não tem vintém”.

A canção fala da sina do nordestino que veio tentar a sorte e, desiludido, espera o dia de voltar às suas origens. E usando do jogo de palavras, da repetição e da onomatopéia, o poeta dá a noção de inutilidade da espera.

Em Chico, artista - e dos melhores -, a aliteração tem uma parecença sonora agradável, como em João Gilberto a dissonância sempre é melódica, musical. Mas Chico e Gilberto são gênios. Vá um de nós, pobres mortais, meter-se em busca de tons diferentes e o máximo que conseguiríamos seria uma reunião desafinada de sons que causaria impressão desagradável aos nossos próprios ouvidos.

Assim também no uso diário da língua. Se nos faltar ‘engenho e arte’, a repetição de sons pode trazer desarmonia e discordância à frase, defeitos que enfeiam o texto. A isso chamamos de dissonância.

No estudo da língua, a dissonância pode acontecer no eco, no hiato e na colisão, todos, vícios de linguagem, que devem ser evitados.

O eco aparece com o emprego de palavras próximas com terminações iguais ou semelhantes: No soflagrante, o declarante, ofegante, se dizia participante como volante de importante equipe de vigilantes. - A flor tem odor e cor do brejo. - Era cedo quando o Alfredo tomou o brinquedo das mãos do Pedro.

No exemplo de Chico Buarque, o terceiro verso da abertura da canção, é um ‘eco’ perfeito: “Para o bem de quem tem bem de quem não tem vintém”.

O hiato é a seqüência ininterrupta de vogais: Ou eu ando ou eu ouço. - A crise chegou ao auge. - Vou à aula.

A colisão é a sucessão desagradável de consonâncias idênticas: O rato roeu a roupa do rei romano. Pedro Pereira, pintor potiguar, pinta paisagens paulistas. No verso de Chico Buarque, a repetição de consonâncias idênticas é eufônica, não fosse ele um mestre. Traz o sentido da espera, ou como já dito, da inutilidade da espera.

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