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Língua Portuguesa, inculta e bela !

Alcides Silva - 21 de março de 2013 - 16:00

Espírito de emulação

O ‘ânimo’ expressado no título não tem nada a ver com muares, nem mesmo com as ‘mulas-sem-cabeça’ ou assimilados. Tem muito com as noites de sono que venho perdendo com os arremedos de ‘pintacudas’ e de ‘rubinhos barrichellos’ das madrugadas indormidas, e com o zunido dos pneus no asfalto cansado da minha rua. ‘Emular’ não é virar mula, não. Nem tampouco se embrutecer ou perder o sentido de humanidade.

Mulo, explicam os zootecnistas, é um animal mamífero resultante do cruzamento de jumento com égua ou de cavalo com jumenta. Mulo é o burro, a besta, macha, dizem os dicionários. Macha, mas híbrida. Não estranhe o adjetivo macha, que é o feminino de macho, assim com fêmeo é o termo masculino que se emprega para designar o animal que não é macho, isso sem qualquer alusão à piada do espanhol que se engraçara com um musculoso compatriota (“ponga, ponga,... soi macho!”): A cobra macha; o jacaré fêmeo. A esse assunto, todavia, voltarei qualquer dia, se a tanto não me faltarem “o engenho e a arte” para falar dos epicenos...

Por hoje, minha preocupação retém-se nos ‘rachas’ e ‘cavalos-de-pau’ que me têm tirado o sossego das madrugadas, malgrado contribua, com os impostos que pago (e são muitos e fortunosos), para o custeio de uma denominada ‘segurança pública’, a cada dia mais insegura e ausente.

Diz o Código de Trânsito que participar, na direção de veículo, em via pública, de disputa automobilística não autorizada e que possa produzir dano, é crime com penas que variam de seis meses a dois anos de detenção, além da multa e da suspensão ou proibição da habilitação (art. 308). Antes, em linguagem diferente, aquele mesmo Código já considerara infração administrativa gravíssima “disputar de corrida por espírito de emulação” (art. 173).

Embora os que participam dos ‘cavalos-de-pau’ que me apoquentam a vida, tirando-me o sono, possam ter QIs elevados, o que duvido, apesar do status com que se apresentam de ‘filhinhos-de-papai de classe média alta’, o certo é que, como motoristas e cidadãos, são todos jumentamente burros, broncos, estúpidos e imbecis não só pela desnecessária emulação, mas principalmente falta de civilidade.

Apesar disso, nem a palavra emulação tem parentesco com os termos ‘mulo’, ‘burro’ ou ‘burrice’ e nem o fato desses imbecis me acordarem altas horas tem justificativas gramaticais.

Vamos, porém ao que interessa (ou, pelo menos, ao que seria de meu dever): mulo e emulação são palavras de origem latina, mas de étimos diferentes.

Mulo é o aportuguesamento de “mullus”, que originariamente no latim era qualquer ser macho e, posteriormente, passou a designar o animal cavalar, como cantado em ‘Cabocla Teresa’, bela toada de João Pacífico: “Virei meu cavalo a galope, / risquei de espora e chicote / sangrei a anca do tal; / desci a montanha abaixo / galopeando meu macho / e o seu doutor fui chamar”.

Emulação nasceu de aemulus-a-um, na significação primitiva: que imita, que procura se igualar (no bom e no mau sentido). Daí, êmulo, rival, adversário, invejoso. Assim o ‘ato de emular’ é, por exemplo, portar-se invejosamente numa competição e querer superá-la a qualquer custo; não é dirigir ‘como uma mula’, como parecem ser ou estar os meus ‘despertadores humanos’. É competição bestamente desabusada, é concorrência brutalmente destemida, é rivalidade estúpida, é audácia de selvajaria embrutecida. É voar e rodopiar de carro, adrenalina a mil, músculo à mostra, nervos à flor..., no pó, bicho!

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