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Leia - Língua portuguesa, inculta e bela!

Alcides Silva - 01 de setembro de 2006 - 09:20

Língua portuguesa, inculta e bela!
Alcides Silva
Menino niquento

Existem palavras ouvidas ou lidas no passado que ficam em nosso subconsciente à espera do clarim da alvorada para um novo despertar.
Ouvia-a ainda no ginásio, e já lá vão mais de 60 anos, quando o exigente professor de matemática assim qualificou colega meu que se punha a choramingar sempre que advertido: “Menino niquento”.
No armazém de meus conceitos, por muito tempo niquento figurou como sinônimo de “chorão”. Um dia, bem mais tarde, pretendendo empregar tal palavra com a idéia que dela fazia, fui ao dicionário e levei um susto: derivado do substantivo feminino nica – de étimo obscuro, possivelmente do latino nicles Desse mesmo étimo latino é o verbo aniquilar, ‘reduzir a nada’. Na ortografia da baixa latinidade, o latim eclesiástico da Idade Média, nihil era pronunciado nikil e escrito nichil. Assim, annihilare (de nihil, nada) passou a ser grafado annichilare (anikilare, na pronúncia de então). Daí, o nosso aniquilar e todos os seus derivados.
Tanto em Portugal, como no Brasil, nícles - na linguagem popular - na gíria - é um advérbio com o significado de ‘coisa nenhuma, nada’, conforme anota o dicionário de Jayme de Séguier. “Não entendi nícles do que ele disse”. Deve ser corruptela de neca (do latim nec) com o significado de nada, que deu nascimento também à neres, com o mesmo valor semântico, reforçados pelas gírias neca de pitibiriba e neres de pitibiriba (nada de nada, absolutamente nada, liso).
No português que se fala no Brasil, níquel também tem significação de nada quando pronome indefinido. Drummond, em “Fala, Amendoeira”, o emprega nesse sentido: “Ia retirar-se, sem que o Silva compreendesse níquel”.
Interessante o alongamento das palavras: os mineiros alemães, em meados do século XVIII (1751), ao descobrirem que pouco valia um minério que acreditavam ser o cobre, deram-lhe o nome de “nickel”, vocábulo que significava, no dialeto dos mineiros da época, ‘gênio astucioso, enganador’, isto é, nada.
É comum na gíria forense e policial o acréscimo de desinências latinas em palavras vernáculas: o jus esperniandi, por exemplo, é o direito de espernear (revoltar-se) quando as coisas não lhe são favoráveis. Do nihilo nihil (nada pode vir do nada), veio o “nilo nil”, com o significado de nada, aparentemente mais culto, para substituir o popular neca de pitibiriba (neca> do latim nec – advérbio de negação
E nesse jargão entra, também, o nosso nícles, através da palavra níquibus:
“O delegado:
- Vamos, fale. Queremos saber como era a vida desse bandido, antes do assalto. Você deve saber porque é amigo dele, Fale.
- Falar eu, seu doutor? Mas eu não sei níquibus.
Níquibus é nada, coisa nenhuma. Tem o sentido de calar, nada dizer, no exemplo apresentado.” (apud: Cid Franco: Dicionário de Expressões Populares Brasileiras).

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