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Leia a coluna de Alcides Silva: Os clichês da moda

Alcides Silva - 09 de dezembro de 2005 - 05:41

Língua portuguesa, inculta e bela!
Alcides Silva
Os clichês da moda
“Clichê” é o nome que se dá ao produto gravado em relevo numa chapa de zinco destinado à reprodução gráfica. Em estilística, é um termo ou frase que se repete abusivamente, transformando-se num lugar-comum, num chavão.
Rodrigues Lapa, em “Estilística de Língua Portuguesa”, comentou um trabalho no qual o autor descrevia, sem conhecer, ‘uma noite no deserto’. Transcrevo parte de seu trecho inicial:
“Noite encantadora! O luar banha com seus raios argentinos o areal desértico e imenso. Tudo brilha e refulge sob a claridade branda e suave da Lua. As estrelas, como milhões de pirilampos, estão disseminadas pela quietude misteriosa do firmamento. E no silêncio sepulcral, apenas cortado pela brisa rumorejante e dolente do oásis, tudo parece contemplar o céu, meditando no enigma do infinito...”
Nessas poucas linhas (porque não, mal traçadas linhas?) são numerosos os clichês: noite encantadora - o luar banha – raios argentinos – areal desértico e imenso - claridade branda e suave da lua – estrelas, como milhões de pirilampos - silêncio sepulcral - brisa rumorejante e dolente – enigma do infinito.
Essas construções, esses chavões, já tiveram expressividade, porém o emprego excessivo deles, tirou-lhes o efeito e a beleza; passaram a ser perífrases ou rodeio de palavras.
O mesmo aconteceu recentemente com o “inserido no contexto”. Virou modismo, tanto quanto referir-se ao sol e chamá-lo de “astro-rei”. Por bom tempo, tudo andou inserido, como se a língua fosse um enorme embutido.
A televisão tem sido uma fonte permanente de chavões, que o povo adota com facilidade e facilmente abandona. Quem não se lembra do “Tô certo ou tô errado”, do “Zé fini”, de um programa de humor, ou do “É dez”, de determinada novela? Tiveram vida curta.
Três verbos estão virando arroz-de-festa, demonstração de falta de vocabulário: investir, resgatar e agregar. Abre-se o jornal, inclusive os da grande imprensa, e lá está que a loja tal “investe em modernidade”, que a fábrica x “investe em tecnologia”, que o pecuarista fulano de tal está “investindo na genética de seu rebanho”, que um outro “investe em hidroponia”, que determinada escola “investe na melhoria do ensino” etc. Todo mundo investe, como se estivéssemos numa imensa tourada.
Como verbo transitivo indireto (que exige complemento precedido de preposição), tem o significado de aplicar dinheiro em negócios (Aurélio) ou de “atirar-se com ímpeto” (Houaiss). Cândido Jucá (filho) dá-lhe os significados de “acometer, arremeter, irromper, assaltar, atacar, empossar”.
Resgatar é o verbo do momento: a três por dois estão “resgatando o amor próprio”, fazendo o “resgate da auto-estima” ou o “resgatar os valores humanos”, “a cidadania”, a “história”. Resgatar é pagar, é recuperar, é retomar, é remir, é expiar, é cumprir (uma obrigação). É certo que também tem o significado de recuperar, de voltar a ter, mas o seu emprego a torto e direito está vulgarizando o termo e o seu uso deve ser evitado por quem não quer plebeizar sua fala ou seus escritos.
Agregar valor, então, é tão chique como comprar na Daslu. Está sempre na ponta da língua.
Por falar em Daslu, está havendo uma batalha judicial. É que as garotas de programa do Rio criaram uma grife, a ‘Daspu’, para que as meninas tenham boa aparência quando em serviço, e a loja dos bacanas entende que a grife carioca das garotas, outrora chamadas de ‘vida fácil’, está desagregando o valor-símbolo do templo de consumo paulistano.

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