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Justiça tenta localizar 70 mil devedores "desaparecidos" de Campo Grande

Na Vara de Execução Fiscal Municipal, processos de cobrança de tributos emperram na dificuldade de se encontrar devedores

Campo Grande News - 19 de janeiro de 2019 - 13:00

Um estranho bate à sua porta. Vestido formalmente, papel A4 dobrado na mão, lábios sem sorriso, semblante impassível. Para quem deve – e teme – é a visita mais indesejável que se pode ter. A chegada de um oficial de Justiça pode significar o início da difícil tarefa de se pagar uma dívida e, por isso, há quem tente adiar esse encontro. Não à toa, a Vara de Execução Municipal de Campo Grande está em busca de 70 mil “desaparecidos”, devedores beneficiados por sistema desatualizado ou que dificultam ao máximo pagar os débitos.

O total é citado em vários despachos do juiz Wagner Mansur Saad, titular da Vara de Execução Fiscal Municipal de Campo Grande, para onde a Fazenda Pública remete cobrança a contribuintes inadimplentes com tributos como IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) ou ISSQN (Imposto sobre Serviço de Qualquer Natureza). Neles, a crítica é contra o sistema alimentado pela prefeitura com dados dos contribuintes.

Nos despachos, Saad relata que há cerca de 180 mil processos em trâmite na Vara de Execução Fiscal Municipal, a maioria, pendente, “uma vez que os cadastros (...) se encontram desatualizados (...), as pessoas não residem mais no local, ou são falecidas há muitos anos”. Em um dos processos, que cobra dívida de R$ 1,026 mil de um contribuinte, o magistrado determina que a Prefeitura de Campo Grande faça mais buscas pelo devedor. “(...) acredito que não se mostre razoável a presunção de que aproximadamente 70 mil pessoas dessa comarca encontrem-se em local incerto e não sabido”.

A desatualização dos cadastros é um dos principais problemas enfrentados pelos oficiais de Justiça. “Nosso trabalho é investigativo”, compara Luiz Carlos Albuquerque Barbosa, na função há 34 anos. A busca começa pelos registros existentes no Detran-MS (Departamento Estadual de Trânsito-MS), Jucems (Junta Comercial de MS) e cartórios. A atualização dos dados dos veículos é a fonte mais segura e recente de informação.

Inicialmente, o contribuinte em débito com tributo municipal vai para dívida ativa e a prefeitura tenta cobrar a dívida internamente, com programas como Refis. Depois de cinco anos, é ajuizada ação. Barbosa explica que, ao chegar a esse ponto, o mesmo contribuinte pode ter cinco processos e, por isso, os 70 mil “desaparecidos” não seria de número real de pessoas.

A partir do momento que a pessoa é citada, ela tem prazo de cinco dias para pagar o débito, podendo ser à vista, via judicial, ou parcelado com a prefeitura, que informa a negociação e pede suspensão do processo. Se a conta não for paga no prazo.

Se não for encontrada, a saída é o arresto do imóvel, uma espécie de penhora antecipada, quando a pessoa não é localizada. “Execução fiscal é fiscal é muito segura, porque ela tem garantia, toda execução tem um imóvel”. Nessa fase, é feita avaliação do imóvel, dono volta a ser intimado, com prazo de 30 dias para entrar com recurso. Cônjuges e eventuais inquilinos também são citados, já que são parte interessada.

A penhora vai para registro de imóveis para torna-lo indisponível. O imóvel é levado a leilão. Arrematado o bem, o dinheiro é usado para pagar débito e, se tiver sobra, depositado em conta para entregar ao contribuinte quando ele aparecer. Pedro Bessa Jr., oficial há 21 anos, diz que raramente chega ao ponto de ser levado a leilão. “A penhora tem efetividade tremenda, a pessoa dá um jeito, até vende o imóvel, aí o comprador quita o débito, sobre um dinheiro, no prejuízo total a pessoa não fica”. Barbosa complementa. “A prefeitura também não tem interesse em fazer isso a ferro e a fogo, se executar 100%, fica dona de 30% a 40% da cidade, isso não gera renda”.

Fuga
Em tantos anos de trabalho, sobram histórias no cumprimento de mandados judiciais. São 100 oficiais para a comarca de Campo Grande, que cumprem as citações nas varas penais, cíveis e nos judiciários. “Sujeito vê pessoa estranha, papel na mão, não tá sorrindo, já suspeita”, diz Pedro Bessa. “Eu estranho quando servem café, o normal é a resistência”, conta Luiz Carlos Barbosa.

Barbosa lembra que já viu devedor correndo para não encontrá-lo, mais aí é tarde demais. É uma situação que se enquadra na tentativa de ocultação e cabe a “citação por hora certa”, constando em relatório a fuga e horário do ocorrido. No cumprimento de mandado de prisão, conta que um colega foi surpreendido pelo réu, que pulou a janela do 4º andar de um prédio. Além de preso, ainda quebrou uma perna.

Há os que usam de ameaça para não ter o bem apreendido. “Já teve um que colocou a arma na mesa e disse ‘minha moto vocês não vão levar não’, tem de tudo”.

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