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Justiça no Brasil atrasa 30% mesmo onde é mais rápida

Conselho Federal da OAB - 09 de fevereiro de 2010 - 08:24

Mesmo uma das Justiças mais rápidas do país, a de Rondônia, enfrenta atrasos de 30% na tramitação de processos, em relação aos prazos previstos na lei. Em três dos últimos cinco anos, o Estado teve a menor taxa de congestionamento do Brasil - um índice do Conselho Nacional de Justiça para aferir a velocidade do Judiciário.

Uma pesquisa inédita realizada no Mestrado Profissional em Poder Judiciário da FGV-RJ, da juíza Rosimeire Pereira de Souza, analisou processos do Estado de Rondônia. A juíza comparou os prazos de execução de cada ato processual com os prazos legais estipulados.

O resultado foi que, dentre os processos de primeiro grau (sem recursos para a segunda instância ou nas instâncias superiores), a duração média foi de 758 dias- pouco mais de 2 anos. Para respeitar integralmente os prazos legais estipulados, o tempo máximo deveria ter sido de 578 dias. Isso significa que, em média, houve lentidão de 31% além do prazo legal.

Um exemplo: nos juizados especiais cíveis (pequenas causas), a primeira audiência tem de ocorrer até 30 dias após o início do processo. Na prática, o prazo vira letra morta, sem punições para o descumprimento.

Os maiores responsáveis pela lentidão em Rondônia foram servidores (32,6% da lentidão) e o gabinete do juiz (21,9%). Juntos respondem por 54,5% do excesso de prazo.

Apesar de ainda não haver dados detalhados de outros Estados para comparar com Rondônia, os pesquisadores da FGV utilizam a chamada taxa de congestionamento dos tribunais para fazer comparações. Segundo a juíza Rosimeire, o objetivo da pesquisa é testar metodologias para apurar a lentidão e realizar estudos semelhantes no resto do país. A partir das medidas, especialistas querem propor alternativas para acelerar a Justiça do país. "Mesmo quem melhor está atrasa 30% em relação ao que a lei manda", diz Joaquim Falcão, diretor da Escola de Direito da FGV-RJ e ex-membro do Conselho Nacional de Justiça.

O tema da velocidade da Justiça brasileira ressurgiu na semana passada, após o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Gilmar Mendes, dizer que a morosidade do Judiciário é um "mito" e que a lentidão apontada pelos críticos é "pontual e concentrada". Entidades de juízes, promotores, advogados e especialistas em direito discordaram da afirmação.

Os dados mais recentes da taxa de congestionamento mostram que, em 2008, os três melhores Estados em primeiro grau foram Piauí (18,8%), Amapá (23,3%) e Rondônia (28,7%). Um tribunal com congestionamento 0% julga todos os processos - novos ou antigos- no mesmo ano. Congestionamento 100% significa que o tribunal não julgou nenhum caso.

Os piores são Pernambuco (91,7%), Bahia (88,5%), Amazonas (87,3%), Alagoas (85,7%) e São Paulo (84%). Minas Gerais e Rio de Janeiro têm, respectivamente, 69,6% e 73,2%. "Se Rondônia, que tem uma das menores taxas de congestionamento do país tem uma duração média, para o primeiro grau apenas, de pouco mais de dois anos, podemos concluir que nos demais Estados, com quase três vezes mais congestionamento, a duração pode ser proporcionalmente maior", afirma Pablo de Camargo Cerdeira, advogado e professor Escola de Direito da FGV-RJ. (Fernando Barros de Mello e Flávio Ferreira)

Empenho do juiz determina rapidez, diz professora

A professora de Ciência Política da USP e especialista em Poder Judiciário Maria Tereza Sadek afirma que o fator que mais influencia a velocidade do andamento dos processos é o empenho dos juízes responsáveis pelas varas em dar celeridade ao trâmite das causas. Para ela, quando os magistrados se envolvem diretamente na gestão dos cartórios judiciais e cobram produtividade, os processos andam rápido.

O caso de Adriana Santiago Bezerra exemplifica bem a questão. Ela é a única juíza criminal de Apodi (cidade do interior do Rio Grande do Norte) e acumula a Vara Criminal e os Juizado Especial Criminal.

"Aquela região prevê três juízes, mas é comum o juiz acumular três funções. Eu também desempenho funções administrativas e eleitorais", diz. Em 2008, a juíza resolveu reunir servidores, advogados e membro do Ministério Público para elaborar um levantamento sobre a gestão da Vara Criminal e do Juizado Especial.

"A primeira medida foi a gravação de audiências. Ao invés de tomar nota das declarações, tudo era realizado de forma gravada. Acabava o processo em praticamente uma audiência. Uma medida simples resultou em mais velocidade", diz.

Ela também reduziu os atos processuais. Por exemplo, ao invés de expedir um mandado de citação (para o réu se defender) e um segundo mandado para que a pessoa fosse intimada a comparecer à audiência de instrução, fazia um ato apenas.

O número de audiências realizadas aumentou 173% (passou de 100 em 2008 para 173 em 2009), o de sessões do júri 320% (foram de 5 para 16 de júris realizados). O número de processos julgados subiu 167% (de 158 para 264). E os processos pendentes passaram de 222 em março de 2009 para 12 em dezembro do mesmo ano.

"Em uma comarca de médio porte como a minha, pequenas práticas conseguem reduzir o tempo do processo e reduzir a quantidade de atos praticados. O código de processo penal já estabelecia essas práticas, mas isso não era colocado em prática", afirma Adriana.

Para o novo presidente da OAB, Ophir Cavalcante, há problemas estruturais, como falta de servidores e juízes. Ele vê, no entanto, a necessidade de uma "mudança de paradigma". Propõe aumentar o horário de trabalho das 8h às 18h. Em muitos fóruns estaduais, os juízes trabalham das 8h até às 13h.

Ele diz ainda que seria mais fácil ter juízes morando nas próprias comarcas, vivendo nas cidades onde atuam. "Muito trabalho não significa trabalhar muito. Muitos juízes são dedicados, mas há necessidade de um engajamento maior."



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