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Justiça não reconhece acordo entre Prefeitura e Tribunal sobre verba de R$ 7mi

Redação - 29 de outubro de 2019 - 14:00

Justiça não reconhece acordo entre Prefeitura e Tribunal sobre verba de R$ 7mi

A Juíza de Direito da 1ª Vara de Cassilândia, Dra. Flávia Simone Cavalcante, extinguiu, sem resolução do mérito, a Ação  Homologatória de Acordo Extrajudicial (processo nº 0801333-59.2019.8.12.0007) apresentada pelo Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul e pelo Município de Cassilândia. Confira o que constou na sua decisão:

Trata-se de Pedido de Homologação de Acordo Extrajudicial realizado pelo Poder Judiciário do Estado de Mato Grosso do Sul e pelo Município de Cassilândia/MS.

À fl. 45, determinou-se a regularização do polo ativo, para o fim de excluir o Poder Judiciário, que não tem legitimidade processual para estar em juízo, entretanto, a determinação não foi cumprida pela parte requerente.

O Ministério Público Estadual manifestou-se pela declaração de nulidade da sentença homologatória de fl. 40, por violação ao princípio da separação dos poderes e à autonomia do Poder Judiciário.

É o relato. Decido.

O Poder Judiciário não detém personalidade jurídica própria, sendo representado em juízo pelo Ente público ao qual está vinculado.

No caso dos autos, determinada a regularização do polo ativo, para o fim de constar tão somente o Estado de Mato Grosso do Sul, deixou-se de proceder à regularização, sendo a extinção do feito sem resolução do mérito medida que se impõe.

Ainda que assim não o fosse, conforme bem salientado pelo representante ministerial, o acordo de fls. 01/05 é nulo, posto que realizado sem autorização do Poder Judiciário do Estado de Mato Grosso do Sul, apesar de flagrantemente prejudicial a ele, já que transige sobre valores levantados perante a Conta Única do Poder Judiciário, em violação à autonomia financeira desse Poder.

Sendo assim, seja porque não houve correção do polo ativo, seja porque o acordo de fls. 01/05 violou o principio da separação dos poderes e a autonomia financeira do Poder Judiciário, sendo nulo de pleno direito, torno sem efeito a decisão homologatória de fl. 40, e extingo o feito, sem resolução do mérito, com fundamento nos artigos 76 e 485, VI, do Código de Processo Civil.

Sem custas.

P. R. I.

Com o trânsito, arquive-se.

Cassilândia-MS, 21 de outubro de 2019.

Flávia Simone Cavalcante
Juíza de Direito

ENTENDA O CASO

O pedido de homologação foi feito para saldar a dívida da Prefeitura de Cassilândia com o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, por ter levantado a quantia atualizada de R$ R$ 7.635.988,67 no dia 30/05/2017 dos depósitos judiciais administrados pelo Tribunal. Acontece que tempos após o levantamento do referido valor, o Município foi intimado para devolver a quantia devidamente atualizada, o que não fez, gerando o processo 0800661-22.2017.8.12.0007.

Em tratativas extrajudiciais, o Município de Cassilândia firmou então o acordo que foi submetido à homologação da Justiça, comprometendo-se a aceitar o desconto mensal de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), dos valores recebidos a título de ICMS do Estado, o que levaria a um comprometimento do Município por praticamente 191 meses (ou quase 16 anos).

Num primeiro momento, a magistrada homologou o acordo "considerando que as partes estão devidamente representadas nos autos, e, ainda, que a transação refere-se a direitos disponíveis, homologo o acordo firmado entre as partes. Por consequência, extingo o feito, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso III, alínea "b", do Código de Processo Civil."

Em novo despacho, após chamar o feito à ordem, a Dra. Flávia Cavalcante intimou a Procuradoria Geral de Justiça para regularizar o polo da ação, uma vez que o Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul não tinha legitimidade para estar em Juízo, substituindo-o pelo Estado de Mato Grosso do Sul. Constou em seu despacho:

"O pedido de homologação do acordo extrajudicial foi feito por parte ilegítima, ou seja, o Poder Judiciário do Estado de Mato Grosso do Sul, que não tem legitimação para estar em juízo.

Sendo assim, intime-se o Estado, pessoalmente, para, em cinco dias, regularizar o polo da ação, excluindo o Poder Judiciário, ficando, em seu lugar, o Estado de Mato Grosso do Sul, sob pena de nulidade da sentença homologatória.

Ainda, considerando o interesse público, intime-se o Ministério Público Estadual."

Pois bem. Devidamente intimada, a Procuradoria Geral de Justiça informou no processo que não tinha interesse em alterar o polo da ação e, ainda, que aguardava a declaração de nulidade da sentença de homologação. Também intimado, o Município de Cassilândia não se manifestou.

Intimado, o Ministério Público Estadual, por intermédio do promotor Pedro de Oliveira Magalhães, apresentou a cota ministerial pugnando pela nulidade da homologação, argumentando o seguinte:

"PRELIMINARMENTE, denota-se que não houve a regularização do polo da ação, conforme determinado à fl. 45. Isso porque, foi realizada no referido despacho a seguinte determinação:

Sendo assim, intime-se o Estado, pessoalmente, para, em cinco dias, regularizar o polo da ação, excluindo o Poder Judiciário, ficando, em seu lugar, o Estado de Mato Grosso do Sul, sob pena de nulidade da sentença homologatória.

Em resposta, o ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL informou que “não tem interesse na regularização do polo da ação, aguardando, pois, a declaração da nulidade da sentença homologatória, como consignado no despacho precitado” (fl. 46). Destarte, vislumbra-se como consequência ordinária a insubsistência da decisão de fl. 40, não tendo produzido validamente seus efeitos, à vista da determinação judicial contida no despacho de fl. 45.

II.

NO MÉRITO, verifica-se a nulidade de pleno direito do referido acordo, uma vez que celebrado pela Procuradoria-Geral do Estado de Mato Grosso do Sul sem qualquer tipo de autorização específica do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul e pela Prefeitura de Cassilândia sem autorização legislativa da Câmara dos Vereadores de Cassilândia.

Destarte, embora possua legitimação para agir em nome dos órgãos públicos estaduais (princípio da unicidade de representação), a Procuradoria-Geral do Estado de Mato Grosso do Sul não poderia validamente transigir acerca do manejo de recursos pelo Poder Judiciário Estadual em sua conta única sem autorização específica do respectivo poder, sob pena de ofensa à autonomia financeira do Poder Judiciário e violação ao princípio da separação de poderes.

Assim, conquanto represente o Poder Judiciário Estadual nos feitos em geral que lhe digam respeito, a Douta Procuradoria-Geral do Estado de Mato Grosso do Sul não possui procuração específica para transigir e celebrar acordos em nome do Poder Judiciário que possuam impacto na sua respectiva gestão de recursos, mitigando por via reflexa a autonomia financeira deste Poder. Isso porque a ProcuradoriaGeral do Estado compõe a estrutura do Poder Executivo Estadual, subordinando-se à Governadoria, sem qualquer vínculo funcional direto com o Poder Judiciário.

Também de forma irregular, a Prefeitura de Cassilândia (Poder Executivo), assumiu compromisso financeiro com renúncia de receita tributária que excede o mandato representativo da respectiva gestão sem autorização legislativa do Poder Legislativo Municipal (Câmara dos Vereadores).

Com efeito, houve confissão de dívida pela municipalidade, renúncia tributária e assunção de compromisso que onera os cofres públicos municipais por período de tempo muito superior ao mandato do atual Prefeito, sem que conste dos autos qualquer tipo de autorização legislativa para tanto. Senão vejamos:

CLÁUSULA PRIMEIRA CONFISSÃO DE DÍVIDA
Por meio deste termo o Município de Cassilândia, já qualificado, confessa e reconhece em caráter irretratável e irrevogável a dívida de R$ 7.635.988,67 (sete milhões, seiscentos e trinta e cinco mil e novecentos e oitenta e oito reais e sessenta e sete centavos), atualizada até o dia 29 de julho de 2019, conforme tabela de cálculo em anexo; devida ao PRIMEIRO REQUERENTE.

CLÁUSULA SEGUNDA FORMA DE PAGAMENTO
A restituição do valor confessado na Cláusula Primeira ocorrerá em parcelas mensais de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), corrigidas pelo IGPMFGV, anualmente, a serem abatidos dos repasses referentes ao ICMS feitos ao Município de Cassilândia pelo Estado de Mato Grosso do Sul.
Parágrafo Primeiro. A primeira parcela vencerá no mês subsequente ao da homologação judicial deste instrumento, e as demais nos meses subsequentes até o integral cumprimento da obrigação assumida.
Parágrafo Segundo. Se, porventura, os valores repassados pelo PRIMEIRO REQUERENTE ao SEGUNDO REQUERENTE a título de transferências obrigatórias do ICMS arrecadado se mostrar insuficiente, o SEGUNDO REQUERENTE se obriga desde já a complementar o pagamento até o dia 15 do mês vencido, sob pena de considerar-se inadimplida a obrigação assumida no caput desta cláusula.

No acordo entabulado nos autos por intermédio do atual Prefeito, o Poder Executivo Municipal, de forma unilateral, renunciou a repasses referentes ao imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação - ICMS feitos pelo ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL ao MUNICÍPIO DE CASSILÂNDIA, sem autorização legislativa, em desacordo com os artigos 37, inciso II, e 132, ambos da Lei Orgânica Municipal e artigo 24, §1º, §2º e §3º, e artigo 62, inciso IX, Constituição do Estado de Mato Grosso do Sul. Confira-se:

Lei Orgânica do Município de Cassilândia

Artigo 37 Compete a Câmara Municipal, com a sanção do Prefeito, legislar sobre todas as matérias de competência do Município e especialmente:
[...]
II autorizar isenções e anistias fiscais e remissão de dívidas.
[...]
Artigo 132 Nenhuma despesa será ordenada ou satisfeita sem que exista recurso orçamentário ou crédito votado pela Câmara, salvo a que ocorrer por conta de crédito extraordinário.

Constituição do Estado de Mato Grosso do Sul de 1989:
Art. 24 A fiscalização financeira e orçamentária dos Municípios será exercida através do controle externo da Câmara Municipal e através de controle interno do Executivo Municipal, nos termos da lei.
§1º - O controle externo da Câmara Municipal será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas do Estado, que emitirá parecer prévio sobre todas as contas prestadas pelo Prefeito, dentro dos noventa dias seguintes ao encerramento do exercício financeiro.
§2º - Somente por deliberação de dois terços da Câmara deixará de prevalecer o parecer prévio emitido pelo Tribunal de Contas.
§3º - Anualmente, as contas do Município ficarão, durante sessenta dias, à disposição de qualquer contribuinte para exame, podendo questionar-lhes, nos termos da lei, a legitimidade.
[...]
Art. 62 Cabe à Assembleia Legislativa, com sanção do Governador, legislar sobre todas as matérias de competência do Estado, especialmente sobre:
[...]
IX concessão de anistia, isenção e remição tributária ou previdenciária e incentivos fiscais;

Portanto, o acordo realizado com ausência de autorização legislativa, em desacordo com as normas supracitadas, viola o princípio constitucional da separação dos poderes.

III.

Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO DE MATO GROSSO DO SUL se manifesta:

01 PRELIMINARMENTE, pela nulidade da decisão que homologou o acordo às fls. 40, haja vista não ter sido saneado o feito;

02 NO MÉRITO, pela não homologação do acordo por violação ao princípio da separação dos poderes e à autonomia do Poder Judiciário.

Cassilândia, 24 de setembro de 2019.
PEDRO DE OLIVEIRA MAGALHÃES
PROMOTOR DE JUSTIÇA"

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