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Idosos de abrigos denunciados por maus-tratos são cuidados por prefeitura

Helena Martins, Agência Brasil - 11 de julho de 2014 - 03:44

O abrigo de idosos Morada para Jovens da Terceira Idade Nosso Rancho é interditado pela polícia em Águas Lindas de Goiás (Valter Campanato/Agência Brasil)
O abrigo de idosos Morada para Jovens da Terceira Idade Nosso Rancho é interditado pela polícia em Águas Lindas de Goiás (Valter Campanato/Agência Brasil)

O Tribunal de Justiça de Goiás determinou ontem (10) que a prefeitura de Águas Lindas, no Entorno do Distrito Federal, assuma a responsabilidade pela gestão dos cinco abrigos de idosos interditados na última sexta-feira (4). Ocasião em que a juíza Célia Regina Lara havia determinado a transferência dos idosos, mas após a prisão de cinco funcionários dos abrigos, inclusive do proprietário dos estabelecimentos, ao longo desta semana, ela decidiu repassar à prefeitura a responsabilidade pelo cuidado emergencial dos internos.

Uma das casas, que funcionava como escritório, está lacrada, mas quatro permanecem abertos e com internos. A quantidade deles não foi confirmada pela Justiça, mas estima-se que os cinco locais, que pertenciam ao mesmo dono e sequer eram identificados como abrigos, reuniam em torno de 70 pessoas, dentre as quais jovens com problemas mentais, idosos e dependentes químicos.

A situação dos abrigos veio à tona na segunda-feira (2), quando o vizinho de uma das casas divulgou vídeo que mostrava uma cuidadora agredindo um idoso com um pedaço de madeira. Ela foi presa no mesmo dia. Com as investigações, a Polícia Civil descobriu os outros locais e prendeu mais quatro funcionários. A polícia investiga os objetivos e a manutenção financeira dos espaços. Há suspeitas de que os donos se apropriavam dos cartões de benefícios de alguns internos.


Ontem, a Agência Brasil foi até o local que aparece nos vídeos. Apesar do muro alto, grades permitem que o visitante veja o interior do terreno. Por meio da janela, que mais parecia grades de uma prisão, dois internos conversaram com nossa reportagem. Um deles, jovem, parecia ter problemas mentais e pedia “para sair daquele lugar”. O outro, um senhor negro, alto, magro e já quase sem dentes, não se queixava do tratamento recebido no local, onde já vive há sete anos.

Foi preciso o enfermeiro Manuel Serafim - um dos técnicos que passaram a atuar no local - se aproximar para sabermos um pouco das condições de vida ali. De acordo com ele, no local, que tem dois quartos e duas salas, conviviam 15 homens, dentre os quais alguns jovens com problemas mentais, idosos com necessidades específicas e, inclusive, um dependente químico. “A situação era degradante”, disse o enfermeiro, que confirmou ter recebido relatos de agressões e visto marcas de maus-tratos, como lesões em pulsos e tornozelos.

Em resposta à decisão judicial, a prefeitura anunciou que está buscando os familiares dos internos para a entrega deles. Até agora, 50% das famílias foram contatadas, e pelo menos seis das cerca de 70 pessoas que viviam nessas instituições foram resgatadas por parentes. Dez delas, contudo, sequer tinham fichas cadastrais, o que dificulta a identificação.

Para intensificar as buscas foram divulgados os nomes de Alessandra Gonçalves Bezerra, Aremilton Vieira Gomes, João Cícero de Alencar, José Ferreira Mourão, Maria Helena dos Santos, Moacir Gonçalves da Silva e Ricardo Alves de Lima, bem como de Eva, Judaías e Maria, que apenas souberam informar o primeiro nome.

O Centro de Referência Especializada de Assistência Social (Creas) de Águas Lindas está responsável pelo mapeamento e atendimento às famílias. No caso de algumas pessoas não conseguirem localizar parentes, a prefeitura pretende identificar abrigos, em outras cidades de Goiás, que possam receber os internos da Casa de Davi, como eram conhecidas as casas. Isso porque Águas Lindas não tem um centro de acolhimento, nem previsão de ter.


O servidor da prefeitura, Marcos Marques, informou que, além da procura dos parentes, estão sendo adotadas medidas para “garantir o mínimo de dignidade” às pessoas internadas, como alimentação, limpeza dos locais e atendimento médico especializado.

Questionado sobre a fiscalização da prefeitura, ele disse que as casas só passaram a ser de conhecimento da administração quando a denúncia veio à tona. Já o Ministério Público investigou a Casa de Davi, entre 2006 e 2008. Segundo informações do Tribunal de Justiça de Goiás, o local denunciado já havia recebido ordem judicial para fechar e suspender as atividades desde 2009, mas mudava de endereço e continuava as atividades.

Agora, prefeitura, Ministério Público e Polícia Civil atuam em conjunto para enfrentar a situação. Anteontem (9), as instituições realizaram vistorias nos locais interditados e constataram que eles não tinham autorização para funcionamento, nem avaliação e aprovação de projeto arquitetônico. O documento que relata as visitas aponta que as casas tinham problemas de infraestrutura e não havia comida, muito menos frutas e verduras, em nenhuma delas.

De acordo com o documento, não existem leitos suficientes e os colchões não são revestidos com material impermeável. Os banheiros não têm barras de apoio ou corrimão para a segurança dos usuários. Ao contrário, têm piso liso. Em todos os lugares foi diagnosticado odor muito forte, proveniente de urina, e a inexistência de fraldas geriátricas para os internos. Também faltavam responsáveis técnicos pelas instituições.

Em uma das casas havia 20 homens; em outra, 17 mulheres; na terceira vistoriada, que funcionava como escritório, viviam seis internos do sexo masculino. A quarta casa reunia 16 idosos de ambos os sexos; já a última delas abrigava 18 internos homens. Em todas elas, o espaço físico era insuficiente para atender à demanda, segundo os órgãos que as inspecionaram.

No abrigo que internava 17 mulheres, além da falta de alimentação e de infraestrutura adequada para o tratamento, foi verificada que a tampa da fossa do local estava fechada. O esgoto corria no quintal a céu aberto.

A situação contraria as regras que tratam do acolhimento de idosos. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), o acolhimento em unidade residencial deve ser de grupos de até dez idosos por instituição. Além das instituições residenciais, também pode haver atendimento em unidade institucional com característica domiciliar, que acolhe idosos com diferentes necessidades e graus de dependência. “Neste caso, deve ser assegurada a convivência com familiares, amigos e pessoas de referência, de forma contínua, bem como acesso a atividades culturais, educativas, lúdicas e de lazer na comunidade”, informou o MDS.

O ministério também destaca que as unidades devem seguir as normas de vigilância sanitária para assegurar atendimento de qualidade, personalizado, com até quatro idosos por quarto. De acordo com a Norma 283 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), dentre outras obrigações, esses locais devem atender apenas idosos, garantir atividades, tratamento profissional, bem como equipamentos específicos, a exemplo de rampas.

Em todo o país, de acordo com o Censo Suas (Sistema Único da Assistência Social), existiam, em 2013, 1.167 instituições de acolhimento para idosos cadastradas. Elas acolhiam, ao todo, 44.416 pessoas idosas. De acordo com o Suas, cabe aos estados o acompanhamento do desenvolvimento da gestão do sistema e, consequentemente, os serviços socioassistenciais aos municípios.

Segundo o MDS, em caso de denúncias, os gestores são notificados e devem prestar esclarecimentos. Os conselhos de Assistência Social são informados para que possam exercer o controle social da política pública, conforme estabelecido na Política Nacional de Assistência Social.

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