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Gravatinha: o macarrão que virou o vilão do Brasil em 1976

Correio do Estado - 17 de janeiro de 2019 - 10:40

E depois de um breve recesso, cá estamos de volta queridos leitores para a mais nova temporada da coluna Memória do Correio.

Como vocês passaram nas festas de final de ano?

É desejo mais sincero e profundo desse escriba que tudo tenha corrido maravilhosamente bem. Que todos tenham um 2019 feliz, próspero e de muitas realizações.

E para abrir a nova jornada nostálgica das nossas quinta-feiras, trazemos para vocês nesta semana o curioso caso do macarrão que causava câncer.

Massa feita à base de farinha de trigo e ovos, que após a produção se tornava de tal forma sólido, sendo necessário o seu cozimento em água fervente para o consumo, o macarrão foi criado na China e rapidamente se popularizou por toda a Ásia, por conta da sua capacidade de longa conservação e facilidade no preparo.

O apogeu do prato, no entanto, viria no século XIII, através do navegador italiano Marco Polo, que levou o macarrão para a Europa e o tornou, principalmente, um prato típico de seu país.

Foram justamente os imigrantes italianos que povoaram a Região Sul que trouxeram o macarrão ao Brasil, no século XIX.

Em um país de dimensões continentais como a China, rapidamente o consumo da massa se tornou habitual.

Por não ser perecível, seu transporte, armazenamento e comercialização eram facilitados em um Brasil de meios de transportes ainda muito precários.

Pelo menos é o que deveria ser.

GRAVATINHA ASSASSINO

Na década de 1970, já difundido e estabelecido nas mesas e panelas dos brasileiros, sendo inclusive integrante da cesta básica, o macarrão ganhou manchetes por motivos poucos nobres.

"Secretaria começa hoje apreender o 'gravatinha'", era a manchete do Correio do Estado no dia 16 de janeiro de 1976.

A reportagem, toda ela impressa na capa, revelava que fiscais da Secretaria Municipal da Saúde iriam recolher o macarrão do tipo gravatinha produzido pela Adria. Contaminado por fungos e bactérias perniciosas, podiam originar tumores malígnos de câncer nas pessoas.

Segundo o então secretário Alberto Cubel Brull, uma força-tarefa seria colocada em prática para recolher todas as unidades do gravatinha da referida marca, com o propósito de destruí-las depois. O objetivo, dizia ele, era proteger a população. E, claro, evitar manobras de comerciantes poucos honestos.

Não era para menos. De acordo com o próprio Correio, apesar do alarde gerado em todo o Brasil com o risco de contaminação gerado pelo 'gravatinha', o produto ainda era vendido nos mercados. Em alguns deles, flagrou a reportagem, eram até oferecidos em promoção, com a clara intenção de não se perder o estoque comprado.

'O MACARRÃO DOS PAULISTAS'

Em anos de ditadura militar e censura à imprensa, todo alarde era vetado. Mas o Governo Federal não teve o que fazer quando o Instituto Adolfo Lutz tornou público o resultado de exames feitos em 52 amostras de macarrão, ravióli e massas para pastéis industrializadas. Ao todo, 14 delas estavam contaminadas.

Examinados durantes os meses de setembro, outubro e novembro de 1975 pelo renomado Instituto Adolfo Lutz, principal laboratório de análises do Brasil, os produtos Adria foram os primeiros a serem denunciados pelas autoridades sanitárias. Dos nove tipos de macarrão deles analisados, seis apresentaram traços de contaminação.

O 'gravatinha', protagonista da nossa coluna, foi o pior de todos. Seu tipo de contaminação tornava o produto completamente impróprio para o consumo, enquanto os outros não ofereciam tamanho risco pelo fato de serem fervidos em seu preparo.

A lógica? Nem o então secretário de Estado da Saúde de São Paulo, Wálter Leser, responsável por ser o porta-voz oficial da denúncia, soube explicar. Na ocasião, permaneceram sem respostas as dúvidas sobre a origem dos fungos: se vieram da água com que as massas são produzidas, a farinha, as embalagens ou as máquinas da indústria.

Em um cenário de sigilo absoluto, o que poderia ser um problema apenas de São Paulo tornou-se nacional. A pasta paulista foi obrigada a comunicar o Serviço Nacional de Fiscalização à Medicina e Farmácia porque a Adria tinha outra fábrica, no Rio Grande do Sul, cujo 'gravatinha' feito apresentou a mesma contaminação, obrigando a ordem para que fosse recolhido em todo o Brasil.

O intelectualizado semanário carioca 'Opinião' levou o caso do macarrão contaminado às suas páginas com ar de provocação regional: 'o macarrão dos paulistas'
AÇÃO

"Secretaria apreendeu 'gravatinha'", assim destaca o Correio em seu espaço mais nobre da capa, no dia 17/18 de janeiro.

A Prefeitura de Campo Grande cumpriu o prometido e iniciou, na manhã do dia anterior, a megaoperação que circulou por todos os mercados da cidade recolhendo o 'gravatinha'.

Apesar da ostensividade, a própria Secretaria Municipal da Saúde admitiu, segundo o texto, que muitos comerciantes esconderam o produto. "Motivo pelo qual os fiscais continuarão a campanha apreensiva em forma de 'blitz' até que o Ministério da Saúde defina a situação", descrevia o jornal.

Na reportagem, o Correio dizia que as unidades apreendidas seriam encaminhadas para a Secretaria de Estado da Saúde do então Mato Grosso unificado para fossem feitas as análises necessárias. Independente do resultado, todas as amostras seriam destruídas.

Sobre o resultados das análises feitas pelo Instituto Adolfo Lutz, chama a atenção a declaração do secretário Brull. "É muito macarrão estragado para que as autoridades sanitárias do País não sejam informadas daquilo que devem fazer."

CONSEQUÊNCIAS

As consequências do 'Escândalo do Gravatinha', como ficou marcado o episódio, foram importantes para a melhora na qualidade dos produtos industrializados comercializados no Brasil.

Para começar, a própria Adria admitiu a veracidade das análises e se prontificou, por meio de anúncios publicados nos jornais da época, a recolher o 'gravatinha'.

Posteriormente, as autoridades sanitárias revelaram que a causa da contaminação poderia estar no uso de corantes e conservantes proibidos no Brasil.

Segundo engenheiros alimentares e médicos, foi o episódio do macarrão gravatinha que levou a uma mudança radical em 1979, quando análises prévias e laudos atestados por especialistas passaram a ser obrigatórios para a liberação da comercialização de alimentos industriais aos brasileiros.

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