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"Ginecologista? Elas nem sabem o que é isso”

Agência Notisa - 22 de outubro de 2004 - 06:01

Rio de Janeiro - A gravidez na adolescência já é uma realidade no Brasil há algum tempo. Os números são tão surpreendentes que o assunto se tornou um problema de saúde pública. Em geral, as adolescentes se tornam mães solteiras e permanecem na casa de sua família de origem, independentemente da classe social. Entretanto, a pobreza parece ser um fator de risco. “Em alguns casos, as adolescentes ao completarem 18 anos já estão na segunda, terceira gravidez”, alertou Ivana Lima, palestrante do Simpósio Internacional sobre a Juventude Brasileira. Segundo a pesquisadora, os depoimentos indicam as prováveis causas para esse fenômeno: ausência de informação, relações familiares fragilizadas, escassez de projetos sociais na área de prevenção e efeitos dos meios de comunicação, que submeteriam crianças a uma sexualidade precocemente. “A maternidade na adolescência é muito comum e costuma acontecer a partir dos 11 anos de idade”, afirmou Ivana. Questões como aborto, orientação sexual e até mesmo trabalho são algumas das peças que compõem este quadro social.

Na opinião de Paula Mocarzel e Sonia Alberti, também debatedoras, é fundamental a sociedade perguntar-se que lugar ocupa a maternidade na vida dessas meninas-mães. “Será que realmente as meninas engravidam por que não sabem como evitar?”, questionaram, sem negar que também há falta de informação. A gravidez é apontada por Freud, segundo elas, “como o caminho mais curto para a mulher enfrentar o dilema da feminilidade”. As pesquisadoras citaram alguns casos em que jovens, durante a terapia, associavam claramente ter um filho com responsabilidade e maturidade.

Ivana Lima compartilha dessa opinião. A pesquisadora citou um estudo realizado em 12 comunidades da Zona Norte do Rio de Janeiro (Complexo do Alemão) e afirmou que para muitas adolescentes a gravidez é uma espécie de independência e autonomia relativa. Além disso, ela relatou que todos os líderes comunitários reclamaram da inexistência de políticas pública e de orientação:

— Elas (adolescentes) não sabem como prevenir uma criança, como se usa um anticoncepcional. Não existe esse tipo de programa aqui na favela — afirmou um deles. — — Ginecologista? Elas nem sabem o que é isso — afirmou outro quando perguntado a respeito do acompanhamento médico feito pelas meninas.



Aborto

Na opinião de Simone Peres, outra palestrante do Simpósio, o aborto constitui para o a maioria dos jovens “um horizonte possível diante de uma gravidez, mesmo em um contexto de ilegalidade como o do Brasil”. A pesquisadora participou de um estudo realizado no Rio de Janeiro, em Salvador e em Porto Alegre sobre gravidez na adolescência, no qual foram entrevistados 123 jovens, com mais de 20 anos, de ambos os sexos, de diversas classes sociais, com ou sem experiências de gravidez. Com relação ao aborto, o estudo classificou a experiência em quatro categorias, nas quais os jovens deveriam se enquadrar: “abortou”, “tentou”, “pensou, mas desistiu”, “não tentou”. Cerca de 73% pelo menos pensaram, tentaram ou chegaram a realizar o aborto.

Segundo Peres, como o aborto é uma prática ilegal, as limitações que essa situação impõe restringem as pesquisas, interferem no uso de procedimentos metodológicos e produzem a invisibilidade do aborto nas temáticas dos comportamentos sexuais e reprodutivos dos jovens. Essa situação, na sua opinião, dificulta a compreensão dos adolescentes sobre o significado de interromper uma gravidez.



Classe baixa X média

Apesar de integrarem as mesmas estatísticas, as adolescentes grávidas pobres e as de classe média vivem realidades completamente distintas. Em geral, nas camadas populares o estatuto da menina grávida muda em sua família e na comunidade em que ela vive. “Dá status, autonomia: uma espécie de ganho de posição”, afirmou, no colóquio, Elaine Brandão, professora da Uerj. Segundo a pesquisadora, o mesmo não ocorre com as de classe média. “Nesse caso, não se trata nem de um evento de ruptura, nem de uma aceleração da maturidade”, diz.

Segundo a cientista, não há um deslocamento da posição que ocupava antes da gravidez, tanto para o adolescente do sexo feminino, quanto para o masculino. “Nas populações mais pobres, há uma expectativa muito forte de criação de uma família à parte. Já nas famílias de classe média, todos continuam a ser filhos”, explicou. A esses jovens, é garantida a manutenção do processo de individuação, pois os pais dão suporte ao processo de amadurecimento de seus filhos: eles continuam freqüentando a escola, fazendo cursos de línguas e são estimulados para tanto. A estudiosa ressalta, entretanto, que isso não quer dizer que não haja conflitos entre os familiares. “Um filho sempre muda muito a organização da casa”, afirmou.

Brandão explicou que o apoio dos pais não retira a responsabilidade dos adolescentes pelos próprios filhos. Na sua opinião, isso é mais comum entre as camadas mais necessitadas mas também “os avós e os pais da classe média, em geral, não assumem a paternidade no lugar da menina ou do menino”, diz. Essa análise deve ser compreendida dentro do nosso atual contexto, em que há um prolongamento cada vez maior da juventude: alonga-se o estudo, retarda-se o trabalho e a saída de casa. “Paralelamente a esse processo, estimulou-se a autonomia do jovem, cobrando-o desde muito cedo sobre o que ele irá fazer com seu futuro”, afirmou. Ela disse que essa dependência não é restritiva dos projetos juvenis, que mudaram ao longo do tempo. “Nossa geração associava sua satisfação com a independência em relação aos pais. Hoje, isso não acontece”, explicou.

Agência Notisa (science journalism - jornalismo científico)

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