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Garcia Neto sempre foi contra a divisão de Mato Grosso

TV Centro América, Cuiabá - 16 de novembro de 2009 - 09:11

O nosso colaborador Manoel Afonso com Garcia Netoarquivo
O nosso colaborador Manoel Afonso com Garcia Netoarquivo

O estado de saúde do ex-governador Garcia é estável, mas grave. Ele se encontra internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de um hospital particular de Cuiabá. Ele sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC) na madrugada deste domingo. Ainda não saiu nenhum boletim médico. Ele foi o último governador de Mato Grosso antes da divisão. Sempre foi contra, segundo a reportagem de Marcy Monteiro Neto, da redação TVCA. Diz que a separação foi imposta por Ernesto Geisel. Uma matéria para ser lida e guardada.



Uma barbaridade. É assim que o ex-governador José Garcia Neto define, 30 anos depois, o processo de divisão pelo qual passou o Estado de Mato Grosso e que culminou com a criação do Estado de Mato Grosso do Sul. Garcia Neto foi o último governador de Mato Grosso ainda unificado, defendeu, até os últimos instantes, a manutenção do Estado e alertou para a inviabilidade financeira de se criar uma nova unidade da federação.

Esta é a quarta reportagem da série realizada pelo site da TV Centro América sobre os 30 anos da divisão de Mato Grosso. Hoje, dia 11 de outubro, completa exatamente 30 anos que o então presidente Ernesto Geisel assinou a Lei Complementar número 31 que dividia Mato Grosso e criava o Estado de Mato Grosso do Sul. Ao longo da semana publicamos outras reportagens ressaltando aspectos político, econômicos e culturais da divisão.

Ex-governador defendia Estado uno

O engenheiro civil sergipano José Garcia Neto, quando veio a Mato Grosso para trabalhar muitas décadas atrás, não imaginava que se tornaria um personagem importante na história do Estado. Aos 85 anos, munido de documentos, livros e de uma memória prodigiosa, Garcia Neto recebeu a reportagem do site da TV Centro América no escritório dele para lembrar o processo que levou à divisão do Estado.

Sentado à cabeceira de uma mesa de reuniões, o ex-governador faz um alerta logo no início da entrevista, que acabaria em um bate-papo de mais de duas horas. "Sempre fui contrário à divisão". Ele faz questão de ressaltar os aspectos que o levaram a se posicionar contra o presidente Geisel e questiona, ainda hoje, se a decisão do general foi acertada.

Garcia Neto foi prefeito de Cuiabá e também eleito deputado federal por duas vezes. Quando cumpria o segundo mandato na Câmara dos Deputados, foi convidado por Geisel para ser o vice-líder de governo. O presidente demonstrava que pretendia fazer, aos poucos, a abertura política. Para isso, precisava de aliados. Essa proximidade com o presidente fez com que Garcia Neto conquistasse a simpatia e confiança de Geisel.

O então deputado federal foi indicado pelo partido dele, a Arena, para ser candidato dentro da sigla ao governo do Estado. Garcia Neto não queria ser candidato, mas os correligionários o apontavam como o melhor nome para governar Mato Grosso. Até o próprio governador José Fragelli apoiaram a candidatura de Garcia. "Eu não era candidato. Fragelli fez uma lista tríplice e colocou o meu nome. Meu candidato era Ênio Vieira, presidente da Arena em Mato Grosso. Acabei aceitando na última hora", lembra.

Em uma terça-feira, Petrônio Portela, presidente nacional da Arena, veio a Mato Grosso para a eleição indireta. Os membros do partido se reuniam com ele e davam três nomes. Garcia foi o mais votado. "Na sexta-feira, ele [Petrônio] me chamou no gabinete e me comunicou que o presidente Geisel havia me escolhido", disse Garcia Neto, que era contra a eleição indireta, mas que, naquele momento, aceitara a 'regra do jogo'. "Política é a arte do possível. Não se faz impossibilidade", ressaltou.

Garcia Neto disse que estava pré-disposto a governar "contra a divisão e a favor de um governo democrático". Para tanto, dividiu as secretarias entre pessoas do norte e sul do Estado. "Fiz um entrosamento. O vice era Cássio Leite de Barros, de Corumbá, escolhido por mim", frisou.

Vice é vetado pelo SNI

Garcia Neto lembra um fato curioso sobre a composição do governo. Ao escolher Cássio Leite de Barros para a vice-governadoria, Petrônio Portela disse que o nome do corumbaense havia sido vetado pelo Serviço Nacional de Informação, o temido SNI.

Para tentar solucionar o problema, Garcia Neto agendou uma audiência com o ministro do SNI, João Figueiredo. Ao entrar na sala, Garcia se deparou com o sisudo militar, que empunhava uma pasta. Ao questionar sobre o veto a Cássio Leite de Barros, a resposta veio uníssona: "Comunista". Segundo relatório do SNI, Cássio de Barros propagava os ideais comunistas 'nas esquinas de Campo Grande'.

"Disse ao ministro que as informações estavam erradas", frisou o governador mato-grossense. Garcia deu a palavra ao ministro e garantiu que conhecia Cássio de Barros e as atividades dele no Estado. Com o aval de João Figueiredo, o vice-governador foi confirmado no cargo.

Processo de divisão

Garcia Neto explica que um processo de disputa política e econômica resultou na divisão de Mato Grosso e na criação de Mato Grosso do Sul. Ele afirma que o povo cuiabano era contra a divisão e que ele tinha a intenção de desenvolver o Estado unindo as forças do sul e do norte.

O governador conta que a grande 'desculpa' para justificar a divisão do Estado era que Mato Grosso era muito grande e difícil de governar. No entanto, Garcia Neto disse que promoveu um governo itinerante, reunindo os secretários a cada semana em uma cidade do Estado, quando a infra-estrutura era muito pior do que a que existe hoje. "Ser grande e ter que dividir é um erro".

A posse de Garcia Neto aconteceu no dia 15 de março de 1975. Logo em seguida se reuniu com o presidente Geisel para externar a preocupação sobre a possível divisão. "Disse ao presidente sobre o que os jornais e a população comentavam referente à divisão. Disse também que eu era contra e que queria saber a opinião dele. O presidente disse que não havia pensado ainda no assunto mas, quando fosse pensar, que eu seria o primeiro a saber. Desta forma, não toquei mais no assunto".

Para Geisel voltar a 'pensar' no assunto demorou dois anos. Foi em abril de 1977 que o general chamou Garcia Neto para tratar da divisão. "Ele disse que queria começar a pensar na divisão de Mato Grosso. Pedi para dar minhas razões contrárias e as encaminhei em forma de um documento".

Garcia Neto elaborou um documento chamado "Exposição de motivos apresentada ao Exmo. senhor Presidente da República Ernesto Geisel pelo Governador de Mato Grosso José Garcia Neto", datado de 27 de abril de 1977. Apresentou 13 itens para justificar a necessidade do Estado uno e contra a divisão. "Mato Grosso, a despeito de suas dimensões (...) é hoje um Estado consolidado e satisfatoriamente integrado pelos meios modernos de transporte e comunicação. (...) Suas receitas correntes são maiores que as despesas correntes, o que não ocorre com algumas unidades da federação", esclareceu.

O governador também ressaltou que "dividir Mato Grosso seria transformar um Estado financeira e economicamente consolidado em duas unidades inviáveis". Ele argumentou que a divisão contrariava a tese das fusões que visam a diminuir despesas administrativas. Garcia disse que "a divisão do Estado, com o conseqüente enfraquecimento de sua capital, iria atrasar o processo de integração dessa rica e cobiçada região".

Outra preocupação do governador era sobre o que fazer com os 5.318 funcionários públicos do Estado. Com a divisão, avaliou Garcia Neto, os órgãos sediados em Cuiabá teriam suas atribuições diminuídas, restando duas opções: demitir servidores ou continuar com eles recebendo recursos de outras fontes 'para cobrir onerosa folha de ociosos'.


Custo alto da divisão


Garcia Neto, na justificativa ao presidente Geisel contra a divisão do Estado, disse que o desequilíbrio financeiro que a divisão provocaria geraria problemas diversos. "O governo federal teria, para solucioná-los, que carrear grandes recursos para custeio de administração dos dois estados, os quais somariam, no primeiro ano, cerca de Cr$ 380 milhões, a preços de 1977, quando neste mesmo ano o orçamento de Mato Grosso apresenta um superávit de Cr$ 70 milhões".

O governador disse que com a divisão, não haveria recursos para manter duas máquinas administrativas, pois seria preciso construir mais uma Assembléia Legislativa, mais um Tribunal de Justiça, Tribunal de Contas e criar mais 15 ou 20 secretarias de governo. Para exemplificar o problema, Garcia Neto recorre, ironicamente, a uma comparação. Disse que é semelhante a um homem casado que tem uma 'filial', uma amante. "A despesa dobra. Ter uma filial aumenta os gastos. Se Mato Grosso tivesse unido, só perderíamos em receita para os estados do sul".


Geisel decide dividir MT


De 15 a 20 dias após receber o documento, Geisel convocou uma audiência com Garcia Neto e anunciou que, mesmo com toda a justificativa, optara pela divisão de Mato Grosso. "Ele disse que leu bem as minhas razões, mas que Mato Grosso com tantas potencialidades, e quando se igualasse a São Paulo, poderia abalar o conjunto da federação brasileira. Era uma visão muito militarista", disse. O medo de Geisel é de que Mato Grosso crescesse e decidisse brigar pela independência com relação ao restante do país, qual tentara estados do sul do Brasil. A decisão de dividir o Estado foi tomada em abril de 1977, seis meses antes da assinatura da lei. A divisão efetivamente aconteceu em janeiro de 1979.

Confiando no governador, Geisel encaminhou a Garcia Neto o anteprojeto da divisão para avaliação. Os dados foram analisados por Garcia com o auxílio do desembargador Mauro José Pereira, presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso. O governador encaminhou várias emendas ao presidente, que acabou aceitando muitas delas. Entre as mudanças estavam as que definiam que novos desembargadores deveriam ser juízes de Mato Grosso; que o governo federal se responsabilizaria por pagar inativos; e que excluiria o Banco do Estado de Mato Grosso (Bemat) do patrimônio a ser distribuído entre os dois Estados.


Reação pós-divisão


Garcia Neto, 30 anos depois, argumenta que a divisão foi um erro. "Foi uma barbaridade. Não tinha condições. Eles prometeram recursos, mas esses recursos chegaram a tempo? Não chegaram", reclamou. Questionado se a divisão não foi essencial para desenvolver o norte do Estado, o ex-governador avalia que o desenvolvimento viria mesmo com Mato Grosso unificado.

"Mato Grosso não morreu porque os patrícios do sul do país, os patrícios de São Paulo, do Rio, do Espírito Santo, nordestinos aqui chegaram. Fizeram uma bela invasão às terras nossas e Mato Grosso é o que é. Porque Mato Grosso, quando foi dividido, era um terço do Estado [em arrecadação]. Hoje Mato Grosso é maior do que Mato Grosso do Sul. Porque esses nossos patrícios vieram aqui e foram recebidos por um pessoal sui generis, que é o cuiabano. O cuiabano sabe receber. Posso falar assim porque sou de fora. Todos que chegam aqui são bem recebidos como se fossem irmãos que não se viam há algum tempo. E isso tornou essa grandeza que hoje é Mato Grosso", frisou o ex-governador.


Novos projetos de divisão


No Congresso Nacional tramitam outros projetos de lei que propõe novas divisões ao Estado, como um que trata da criação do Estado do Araguaia e outro sobre a criação do Estado de Mato Grosso do Norte. Garcia Neto também reclama dos novos projetos. "Estão perpetrando um crime contra Mato Grosso. Dividir novamente Mato Grosso é crime. Só pode servir para políticos que fazem política com 'p' minúsculo. Para o Estado não serve, pelo contrário. Se estão querendo isso, não são amigos de Mato Grosso", concluiu.

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