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Especialistas apontam rumos dos Juizados Especiais

TJMS - 17 de setembro de 2010 - 09:33

Palestrantes do Encontro Estadual dos Juizados Especiais em Mato Grosso do Sul realizado na última semana, os professores Kazuo Watanabe (Presidente do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais – CEBEPJ) e João Geraldo Piquet Carneiro (Presidente do Instituto Hélio Beltrão) concederam entrevista ao Departamento de Jornalismo do TJMS para explanar, dentre outras vertentes, sobre a origem, como está a atual situação dos juizados no país e os rumos desta justiça especializada.

Confira abaixo a íntegra das entrevistas com os especialistas em juizados especiais no país.

Entrevista: Kazuo Watanabe

- O Sr. fez parte da comissão do VII Prêmio Innovare, cujo tema deste ano foi a justiça sem burocracia. O Sr. entende que os juizados especiais são o que se pode chamar de justiça sem burocracia? Por quê?

Certamente. Porque a ideia fundamental foi dar uma possibilidade de acesso à justiça para a camada mais pobre da população. Esta parcela do povo que não ia à justiça por uma série de obstáculos culturais, de dificuldades econômicas, pela complexidade e burocracia do sistema etc.

- O Sr. cunhou o termo “panela de pressão social” para os juizados. Por que essa expressão?

Quando os conflitos deixam de ser resolvidos adequadamente as partes deixam de usar os seus direitos ou utilizam um meio mais violento para resolvê-los. Isto constitui um grande componente da panela de pressão social e a pressão vai se acumulando e um dia explode. Nós usávamos à época da implantação dos juizados o termo litigiosidade contida, porque como a população não podia acessar a justiça ela mantinha seu conflito contido para si e esse era um componente perigoso da panela de pressão social.

- O presidente do Conselho de Supervisão dos Juizados de Mato Grosso do Sul, Des. Rêmolo Letteriello, apontou o descaso e malquerença por parte de alguns que enxergam os juizados como uma subjustiça criada para servir a uma parcela de cidadão de pouca importância. O Sr. concorda com esta afirmação?

Concordo plenamente. Existe um certo preconceito em relação aos juizados especiais e isto, desde seu início, como algumas críticas à época que afirmaram que estava se criando uma segunda justiça para os pobres e a justiça mais organizada seria para os ricos. Mas isso não é verdade. A verdade é que essa justiça “mais organizada” era tão burocratizada que não permitia acesso à camada mais pobre da população. Então, a ideia fundamental foi esta: de permitir o acesso à justiça.

- Na edição do Fonaje, de Palmas (TO), em maio deste ano, o Sr. falou do estabelecimento, pelo CNJ, da política nacional de tratamento adequado aos conflitos de interesses, sob o enfoque do princípio do acesso à Justiça. Em que essa política atinge os juizados especiais no país?

Está tudo dentro do mesmo contexto. A ideia é que a justiça comum trabalha com um instrumental apenas, que é a sentença. O juiz acredita que a forma mais virtuosa de fazer justiça é dar sentença quando, na verdade, a sentença soluciona o conflito processual mas não pacifica os conflitantes. Por que não utilizar de forma mais ampla outros meios alternativos como a mediação e a conciliação, como meios de solução do conflito? Os Estados de Mato Grosso do Sul, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul já utilizam, mas não há uma uniformização em todo o país e isso não proporciona uma continuidade à prática. Então, há necessidade de um órgão de competência nacional como o CNJ para estabelecer uma política nacional com o mínimo de unidade em todo o país e, com isso, ter algo bem mais estruturado no Brasil. Essa é a política pública que nós estamos propondo e parece que o CNJ vai encampar.

- Os juizados especiais são competentes para conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, o que vem contribuindo para desafogar o Judiciário. No entanto, o aumento da demanda nos juizados não pode significar que os juizados ficarão sobrecarregados? Não seria o mesmo que amainar um problema na justiça comum para criar outro para os juizados?

Esse fenômeno pode sim ocorrer, pois, como os juizados deram certo, há a tendência de jogar tudo para os juizados especiais. Está aumentando a competência dos juizados cada vez mais e, com isso, estamos matando a galinha dos ovos de ouro do judiciário. Então, há necessidade de se repensar a competência dos juizados.

Entrevista: João Geraldo Piquet Carneiro

- Os juizados especiais tiveram início no país em 1984, com a criação dos Juizados de Pequenas Causas. Como o Sr. avalia este primeiro passo desta nova modalidade de justiça?

Ela foi fundamental sem dúvida nenhuma porque rompeu com uma tradição muito arraigada do Brasil. A ideia surgiu dentro do âmbito do programa nacional de desburocratização para alterar a realidade na qual o pequeno era tratado como se grande fosse. E isso acontecia na área de comércio, tributos e na justiça era a mesma coisa, como se todo mundo fosse igual. A partir do princípio de que todos são iguais perante a lei, aplicava-se o estabelecido igual para todos quando a segunda parte deste quesito é que os menos favorecidos possam ter um acesso à justiça facilitado e especial. Aí sim todos serão iguais perante a lei.

Primeiramente, a ideia foi amplamente debatida no Brasil inteiro e assim foi possível também avaliar o grau de resistência que a medida poderia ter. Superadas estas primeiras resistências quase preconceituosas em relação aos juizados, partimos para uma experiência prática mas ainda experimental no Rio Grande do Sul.

Dizia-se que o brasileiro não tem a cultura do acordo. Na verdade, quando você não quer fazer alguma coisa, coloca a cultura para não fazer e fica tudo como antes. Então nós abrimos um juizado informal na cidade de Rio Grande (RS) e a partir daí outros foram abertos e a experiência demonstrou que havia uma disposição favorável ao acordo. Depois disso o projeto foi encaminhado ao congresso no final do ano de 1983 e aprovado em novembro de 1984.

- Como o Sr. vê a atuação dos juizados especiais no país na atualidade?

Hoje os juizados estão correndo o risco de se burocratizarem pelo excesso de demanda. O juizado revelou-se um sistema de prestação jurisdicional muito bom, muito eficiente. Então começaram a querer aumentar a alçada, ou seja, os valores que podem ser submetidos nos juizados (de 20 salários-mínimos para 40). No congresso hoje existe uma gama de projetos de lei passando os juizados para 200 salários-mínimos, 500 salários-mínimos. Ou seja, em vez de consertar a parte tradicional de justiça querem empurrar tudo para os juizados. E isso pode terminar, se não for bem cuidado agora, por inviabilizar os juizados.

Em 1980 e 1984 o povo brasileiro não buscava a justiça. Conhecia bem a justiça do trabalho, e a outra ele não ia ou apenas como réu. Hoje é o contrário, tem-se uma explosão de demanda muito grande. Hoje somos um dos países mais litigiosos do mundo, discutimos tudo favorecidos por uma Constituição que cobre tudo também. Então temos que preservar os juizados especiais para cumprir bem sua função e não podemos tolerar atrasos que já aparecem, além de tentarmos melhorar a justiça comum.

- Os juizados especiais desburocratizaram o acesso da população ao judiciário. Neste sentido, qual a importância dos juizados especiais no contexto do Poder Judiciário?

Acredito que não é de desafogar. A importância dos juizados especiais desde sua criação foi permitir acesso à justiça. Este foi o ponto inicial. Posteriormente, houve a multiplicação dos litígios e essa pressão por aumentar os juizados. Dar mais competência aos juizados é fruto dessa litigiosidade e também de um certo oportunismo. Mas isso são coisas politicamente normais. Agora eu acho que o judiciário já está consciente disso. O que não pode é ampliar demais porque senão, consequentemente, os juizados acabarão adotando os elementos de lentidão da justiça comum.

- O Sr. preside uma organização não-governamental dedicada a promover estudos e propor iniciativas que contribuam para aumentar a eficiência e a agilidade da administração pública. Quais são as principais mudanças necessárias para dar mais agilidade e eficiência ao Poder Judiciário?

Pensando num largo espaço de tempo, o Brasil evoluiu de uma situação na qual nos anos de 1980 não se tinha acesso à justiça para os anos 2000 em que há o excesso de demanda. E agora nós temos que entrar numa terceira fase de solucionar problemas sem precisar ir ao judiciário. As questões controversas podem ser resolvidas por conciliação e mediação, porque caso contrário não há judiciário que dê conta disso. É um país grande demais, para uma litigiosidade grande demais, então agora está na hora de parar de estimular o litígio e estimular a solução de conflitos para evitar que eles cheguem ao judiciário.

- Qual a sua opinião sobre o processo eletrônico, nas instâncias superiores, nos tribunais e nas comarcas? Eles podem auxiliar na solução para justiça comum?

A digitalização foi um progresso tecnológico, sem sombra de dúvida. Você substitui o papel pelo documento digitalizado. Mas isso não resolve o problema. Ele é um instrumento puramente técnico. Os feitos que retardam o processo continuam presentes. Se tem o mesmo número de recursos, a capacidade infinita de se recorrer continua existindo, independentemente de ser o processo eletrônico ou não. Não há diferença em termos mentais de um processo físico e de um processo digital. Então eu acredito que é preciso não colocar o progresso tecnológico como sendo o grande solucionador de tudo, não é. Não é aqui e não é em nenhum país do mundo.

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