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Especial: Trabalho nas prisões recupera detentos

Alfredo Lopes/ABr - 03 de março de 2004 - 07:13

Faltam, no Brasil, mais de cento e dez mil vagas nas penitenciárias para abrigar toda a população carcerária e esta superlotação das unidades prisionais dificulta o processo de recuperação de detentos. Na opinião do diretor do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), Clayton Nunes, a falta de vagas nas unidades prisionais é o maior obstáculo para que a pena aplicada a um condenado cumpra suas funções: punição por desrespeitar as regras da sociedade e a reabilitação do condenado.
Mas mesmo com problemas, crescem as iniciativas do governo e de organizações não-governamentais em ações que buscam preparar o preso para que ele volte a conviver em paz na comunidade. Clayton Nunes acredita que o trabalho dentro dos presídios é uma das melhores formas de se atingir esse objetivo. “O trabalho, no âmbito penitenciário, não tem só o caráter de repassar ao recluso uma ocupação, mas tem o caráter laborterápico”, diz. Segundo Nunes, a manutenção do preso ocupado a maior parte do tempo evita o ócio e uma série de problemas, como motins e rebeliões. “Evita uma série de problemas que fragilizam a segurança interna das unidades”, conclui.

No Ceará, experiências para a reintegração social de presos já foram colocadas em prática. Em parceria com empresas privadas, foram construídas prisões industriais, onde o condenado trabalha e recebe um atendimento que o prepara para a vida do lado de fora das grades. Em uma unidade, os detentos receberam o voto de confiança de um empresário do ramo de jóias semi - preciosas. Um dos presos que trabalhou nessa prisão, foi capacitado na área e, depois que alcançou a liberdade, foi contratado pela própria empresa para ser designer. “Ele fazia os desenhos, criando novos modelos para brincos, colares e anéis”, diz a ex-secretária de Justiça do Ceará, Sandra Dond.

Em muitos presídios, espalhados por todas as regiões do país, existem oficinas instaladas pelos governos estaduais onde são desenvolvidas atividades de marcenaria, serralheria, costura e carpintaria. Uma iniciativa que está se expandindo é a de parceria entre empresas privadas e governos para a instalação de pequenas indústrias nas unidades prisionais. Nesses casos, os detentos são capacitados pelas empresas, cumprem uma jornada de trabalho regular e são remunerados. Nas experiências em andamento no estado de São Paulo, o salário pago aos presos que trabalham é dividido em três partes: uma fica com o próprio trabalhador, para custeio de suas necessidades; outra parte vai para a família do detento, quando ele a possui; e a terceira parte vai para uma espécie de poupança que é liberada ao final do cumprimento da pena.

Além do trabalho, atividades educacionais são oferecidas em grande parte dos presídios. Norberto Nicolau cumpre pena em liberdade condicional, na cidade de São Paulo. Ele concluiu o ensino fundamental e médio na prisão e agora faz um curso superior de Tecnologia de Edifícios. “O que se puder fazer na área de educação para o preso, na área de trabalho para o preso, eu posso garantir que se está contribuindo. Mas se tivesse como criar mais vagas e mais trabalho, eu acho que seria ainda melhor”, diz Nicolau.

Os governos estaduais estão à frente da maioria dos programas de formação profissional para presos. No âmbito federal, os Ministérios da Justiça e do Desenvolvimento Agrário já trabalham em parceria em projetos para presos de origem rural que ficam em penitenciárias agrícolas. Um deles é o Projeto Crisálida, que está sendo implementado no Paraná e deve atender, inicialmente, duzentos presos. Os participantes vão ter ainda direito a um crédito especial dentro do Programa Nacional de Agricultura Familiar (Pronaf). Aqueles que preencherem os critérios da lei para serem beneficiados pela reforma agrária poderão ser assentados.



Atendimento ao egresso

Os esforços para a reintegração social de um preso vão além dos muros das prisões e penitenciárias. A ex-secretária de Justiça do Ceará, Sandra Dond, diz que é importante o acompanhamento para que o ex-detento consiga espaço no mercado de trabalho e não volte a cometer crimes. “À medida que você vira as costas, que o governo não se preocupa com o ex-detento, o problema se torna sério porque ele (o delinqüente) volta ao crime, por não encontrar oportunidade no mercado de trabalho”.

Projetos de assistência ao egresso de presídios para reintegrá-lo à sociedade têm dado bons resultados em vários estados do Brasil. A assessora técnica da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) do Estado de São Paulo, Maria Ângela Nunes, afirma que a participação da comunidade é essencial para o sucesso dos programas. “A Secretaria tem aberto à comunidade de um modo geral esse canal de comunicação, através de trabalhos que envolvem organizações não-governamentais, trabalho com as universidades, estagiários da área de Direito, Serviço Social e Psicologia”, diz.

Também nos programas de assistência ao egresso a participação da sociedade tem sido estimulada, a exemplo das parcerias que existem para oferecer trabalho ao detento. A Fundação de Amparo ao Preso, ligada à SAP, oferece atividades, cursos de capacitação, e assistências social e material a ex-presos e condenados que cumprem pena em regime semi-aberto e liberdade condicional. Maria Ângela Nunes diz que “as ações são feitas pensando na possibilidade e no objetivo da reabilitação”.

Na opinião de quem já viveu do lado de dentro das grades, o apoio do governo é essencial para se conseguir entrar no mercado de trabalho. Fernando Oliveira, que cumpre pena em liberdade condicional na cidade de São Paulo, reclama da dificuldade para se conseguir um emprego. “Para uma pessoa que nunca passou num presídio já está difícil conseguir uma colocação numa empresa. E para nós, se formos concorrer a uma vaga em uma fila de qualquer empresa, é natural que a empresa dê preferência a uma pessoa que não tem o passado que nós, ex-presidiários, temos”, diz.

O diretor do Depen, Clayton Nunes, diz que o Ministério da Justiça pretende estimular as parcerias entre governo e sociedade para coordenar os trabalhos de assistência aos que estão na cadeia e aos que saem dela. “O trabalho que alguns estados já fazem, de co-gestão com a sociedade civil, através de ONGs sem fins lucrativos, é um trabalho que dá resultados e diminui, ou quase exclui, qualquer possibilidade de reincidência e repetência criminal”.

Segundo Nunes, investir na educação e na formação profissional de um preso, para que ele não volte a cometer crimes, é uma forma de contribuir para a redução da violência e da superlotação dos presídios, além de contribuir para a formação de um cidadão que respeita a sociedade em que vive.

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