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Especial : O que foi a Missão Cruls

Luciana Vasconcelos /ABr - 11 de novembro de 2003 - 09:41

São João Del Rey, Formosa e Paracatu. Uma dessas cidades, de Minas Gerais e de Goiás, poderia ter se tornado a capital do país. Foram várias as sugestões até que, em 1892, por determinação do presidente Floriano Peixoto, foi constituída a Comissão Exploradora do Planalto Central, conhecida como a Missão Cruls, para demarcar a área do futuro Distrito Federal. Em sete meses, um grupo de 22 pessoas, chefiado pelo astrônomo e geógrafo belga Luiz Cruls, percorreu mais de quatro mil quilômetros do Rio de Janeiro ao coração do Brasil. Ao final da viagem, havia delimitado um quadrilátero de 14 mil quilômetros quadrados e feito uma análise cuidadosa da flora, fauna, rios, solos, clima e modo de vida dos habitantes do Planalto.

Mais de 100 anos depois da expedição, um grupo de especialistas vai realizar o mesmo percurso, só que em vez de meses, a viagem vai durar 15 dias. Serão realizadas exposições e palestras em 14 cidades. O material bibliográfico e fotográfico resultante do trabalho da comissão será entregue a bibliotecas e universidades brasileiras.

O coordenador do projeto “Missão Cruls – Uma trajetória para o futuro”, professor e cineasta Pedro Jorge de Castro, estudou há alguns anos o relatório da Comissão e o considerou avançadíssimo, mas pouco conhecido da população. Daí a idéia de realizar novamente a trajetória do cientista Belga. “Quero deixar na cabeça das pessoas, deixar História, o conhecimento deste fato que foi a expedição mais bem sucedida já feita no território brasileiro”, explica o professor.

Pedro Jorge quer incentivar a discussão e a pesquisa. “Acho que a comissão exploradora do Planalto Central foi buscar o futuro e o trouxe para nós”, avalia. Para ele, a Missão Cruls iniciou o conceito do desenvolvimento sustentável. “É um pensamento moderno, tem todo um levantamento da fauna, flora, modos de vida, hábitos, materiais usados em construção, principais doenças que eram encontradas nos locais”, conta.

A Comissão Exploradora atual reúne 14 especialistas. Ontem, dia 10, foi realizada a solenidade de lançamento, no Museu de Astronomia e Ciências Afins do Rio de Janeiro. O museu guarda todo arquivo pessoal do Luiz Cruls, doado por Tadeu Pena, bisneto do astrônomo. Entre os bens estão alguns instrumentos científicos utilizados na demarcação do quadrilátero, como um teodolito (usado para medir ângulo horizontais e verticais), um sextante (para medir distâncias angulares) e uma luneta. Ao todo, são 152 documentos, entre textos, fotografias, gravuras, postais, publicações, além de um cantil de Cruls utilizado na missão. A nomeação do cientista como coordenador da Comissão também pode ser conferida no museu, que fica no bairro de São Cristóvão.

Hoje, dia 11, o grupo parte de Niterói. O trajeto inclui 22 localidades até chegar em Brasília, no dia 25 deste mês. “Queremos provocar uma turbulência benéfica, cuja poeira é o conhecimento da expedição”, afirma Pedro Jorge.

A mudança da capital já é pensada e sonhada desde 1770, quando o Brasil ainda era colônia portuguesa. Naquela época, o cartógrafo genovês Francisco Tossi Colombina escreveu a Carta de Goiás e Capitanias Próximas, onde sugeria a mudança da capital para essa região. Em 1789, os inconfidentes de Minas elaboraram um programa que incluía a mudança da capital para São João Del Rey. O jornalista Hipólito José Costa, no século XIX, também iniciou uma campanha em defesa da transferência da capital para o Planalto Central. Entre 1823 e 1849, por questões políticas e de segurança, foram sugeridas as cidades mineiras de Paracatu e São João Del Rey, ou Formosa, em Goiás. No Império, o conselheiro José Bonifácio de Andrade e Silva propôs a mudança para Paracatu. A nova capital deveria se chamar “Petrópole” ou “Brasília”.

Com a Proclamação da República, a idéia de interiorização da capital vira lei. A Constituição Federal, de 1891, determinou que: “Fica pertencente à União, no Planalto Central da República, uma zona de 14.400 quilômetros quadrado, que será oportunamente demarcada, para nela estabelecer-se a futura Capital Federal”. Um ano mais tarde, Floriano Peixoto constitui a Comissão Exploradora do Planalto Central do Brasil.

A missão, então, saiu do Rio de Janeiro, em junho de 1892. Com o grupo seguiu uma série de equipamentos e materiais acondicionados em 206 caixas. Toda a tralha pesava 9,6 toneladas. A comissão foi de trem até Uberaba, onde terminava a chamada linha de trem da Mogiana. A partir daí, seguiram em lombos de burros, guiando-se pelas estrelas, como faziam os marinheiros. O itinerário foi todo levantado com instrumentos como bússola, podômetros e aneróides. A distância média era calculada pelo passo dos animais. Hoje, a missão exploradora não terá tanta dificuldade. Não será necessário levar barracas para acampamentos, armas ou mantimentos. O trajeto será feito de carro pelas estradas brasileiras.

De Uberaba a Perinópolis, em Goiás, foram 503 quilômetros percorridos em 22 dias de viagem. Neste trajeto, a comissão passou por três cidades habitadas: Catalão, Entre Rios (Ipameri de hoje) e Bonfim (Bonfinópolis, atualmente). Atravessaram também três rios: Paranaíba, Veríssimo e Corumbá. Além de Perinópolis, mais duas cidades foram eleitas como ponto de apoio: Santa Luzia (Luziânia) e Formosa, que formavam geograficamente um triângulo. A partir daí, o grupo foi dividido para exploração da região e para que os quatro vértices do quadrilátero pudessem ser marcados.

Em dezembro de 1894, Cruls divulgou o Relatório Geral sobre a missão, com mapas e fotografias da região e dos trabalhos, além de amostras das variações do solo do Planalto, e estudos sobre a flora e a fauna da região. No texto, Cruls aprovava o novo local para capital e destacava a necessidade de se construir linhas de trem.

“Nutrimos pois a convicção de que a zona demarcada apresenta a maior somma de condições favoráveis possíveis de se realizar, e próprias para n’ella edificar-se uma grande Capital, que gozará de um clima temperado e sadio, abastecida com águas potáveis abundantes, situada em regiões cujos terrenos, convenientemente tratados prestar-se-hão às mais importantes culturas, e que, por um systema de vias-ferreas e mixtas convenientemente estudado, poderá facilmente ser ligado com o litoral e os diversos pontos do território da República”, diz o Relatório. “É com a mais sólida e franca convicção que vos declaro que é perfeita a salubridade desta vasta planície, que não conheço no Brazil Central logar algum que lhe possa comparar em bondade”, afirma Cruls.

Traçar o local para a nova capital não foi o único trabalho do belga, Luiz Cruls no Brasil. Diplomado em Engenharia Civil pela Universidade de Gand, em 1868, aos 20 anos de idade, foi admitido como aspirante do exército belga até 1873. Enquanto estava na faculdade, conheceu vários brasileiros, entre eles, Caetano Furquim de Almeida, que o convenceu a vir para o Brasil. Em 1874, em viagem de mudança para o país, no navio “Orenoque”, conheceu Joaquim Nabuco, que o apresentou ao imperador Pedro II e ao Ministro dos Trabalhos Públicos, Buarque de Macedo. Este nomeou Cruls membro da Comissão da Carta Geral do Império. Em 1876, foi admitido como astrônomo-adjunto no Observatório Imperial do Rio de Janeiro, hoje o Museu de Astronomia, localizado em São Cristóvão. Em 1881, foi promovido a primeiro astrônomo. Três anos depois, tornou-se diretor do órgão.

Além de seu trabalho em demarcar a área para instalação da nova capital, Luiz Cruls realizou outros importantes trabalhos para a história do Brasil. Ele chefiou a Comissão Limites, entre o Brasil e a Bolívia, em 1901, para demarcar as nascentes do rio Javari. Também chefiou a Comissão Punta Arenas, em 1882, responsável, junto com outros países, de observar a passagem de Vênus pelo disco solar. Por este trabalho e os outros relacionados a cometas, recebeu a Medalhas Valz, de Paris.

O nome do astrônomo está hoje em uma cratera em Marte, outra na Lua, e também em um cometa, que apareceu em setembro de 1882. O primeiro centro científico a transmitir sua posição foi o Observatório Imperial do Rio de Janeiro (hoje Observatório Nacional), onde trabalhou e morou durante anos de sua vida.

Cruls faleceu em Paris, em 21 de julho de 1908, vítima de malária e de outras doenças endêmicas adquiridas ao longo da vida.

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