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Especial: A aventura dos pássaros visitantes

Camila Cotta e Ubirajara Jr/ABr - 02 de novembro de 2003 - 09:48

Pesquisando aves desde 1982 e trabalhando há 15 anos no Centro de Pesquisa Nacional para Conservação de Aves Silvestres (Cemave), órgão do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a pernambucana, de Recife, Inês Nascimento é hoje uma das pessoas que mais entende de aves migratórias no país. Bacharel em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em 1984, Inês tem mestrado em Biologia Animal pela mesma instituição. No Cemave, onde está desde 1988, a ornitóloga acompanha principalmente a "trajetória" das aves migratórias continentais. Mantendo contato constante com instituições no exterior que também estudam as espécies migratórias ela informa que, apesar das adversidades encontradas pelas aves, como poluição, ataque de predadores e o próprio homem, é muito grande o número de espécies que ainda passam uma boa parte de seu ciclo de vida no Brasil. Aqui, onde já chegam para o verão, procriam e curtem "férias" de seis meses. Nessa entrevista, Inês Nascimento, que já foi instrutora de mais de 12 cursos de anilhamento promovidos pelo Cemave e hoje é responsável pelo Núcleo de Pesquisa e Manejo, fala também sobre outros problemas acarretados pelo deslocamento das aves entre continentes e sobre as regiões mais procuradas pelos pássaros em nosso país.

C&T - Quais são as espécies de aves que migram para o Brasil?

Inês - No Brasil temos mais de 1822 espécies conhecidas dentro da ave/fauna nacional considerada silvestre. Entre as espécies que migram, temos conhecidas quase 200 espécies, que são consideradas migratórias. Recebemos aves do Hemisfério Norte, dos Estados Unidos, Canadá, México, da América Central e também do sul do continente, de países como a Argentina, Chile e Uruguai, e até mesmo da Antártida. Temos os migrantes que chamamos de neotropicais, ou regionais. Então, temos três grupos de aves migratórias dentro do país.

C&T - Quando se fala em aves migratórias, a referência é só para as que recebemos, ou também para as que vão daqui para outros países?

Inês - Ambas. Conforme a legislação nacional, são consideradas aves silvestres brasileiras todas as espécies que têm uma parte do seu ciclo de vida no país, independente de serem oriundas de outros países. Esse é o nosso conceito de ave nacional.

C&T - Dentre as espécies que migram, existe uma que vem mais para o Brasil?

Inês - Em termos de diversidade e densidade, recebemos em nosso território um grupo de aves que vem do Hemisfério Norte, principalmente do ártico Canadense e da Costa Leste Americana. São mais de 23 espécies, em muitos exemplares, que passam de 6 a 7 meses no Brasil. Essas aves são conhecidas com Maçaricos e Batuíras. Mas também recebemos espécies do sul do continente em números menores.

C&T - No Brasil, qual a área de predominância das aves migratórias?

Inês - O Hemisfério Norte. No Brasil, subdividimos as aves migratórias em três grupos: oriundos do Hemisfério Norte, do Hemisfério Sul e as Neotropicais. As que vêem do Hemisfério Norte tem uma predominância de chegar ao país, por isso são consideradas as grandes migrantes, os migrantes continentais que cruzam hemisférios. Elas chegam a voar mais de 20 mil quilômetros, desde os pontos de reprodução no Ártico, até chegar ao Brasil. Elas vêem principalmente pela costa Atlântica nacional, algumas entram pela Amazônia atravessam a região central pelo Pantanal e alcançam até o sul do continente - Argentina até a Patagônia - que é o ponto principal de concentração dessas aves. No Brasil, desse grupo que vem do Hemisfério Norte, os principais pontos de concentração estão no norte, em duas regiões conhecidas popularmente como o Salgado Paraense, no Pará, e as Reentrâncias Maranhenses, no Maranhão. O terceiro ponto de maior concentração é o Parque Nacional da Lagoa do Peixe, no Rio Grande do Sul. Temos também as espécies que migram na região central (Pantanal). São as cegonhas, conhecidas como as cabeças secas - uma espécie norte-americana -, e os colhereiros, que migram conforme a subida e a descida das águas do Pantanal. Vindas da Argentina e se reproduzindo no Brasil, elas chegam entre junho e julho e formam suas colônias de reprodução. Criam seus filhos e final do ano, época em que as águas dos rios começam a subir por causa da chuva, retornam para a região no norte da Argentina e do Uruguai.

C&T - Quanto tempo essas aves permanecem no Brasil e qual é o período de volta?

Inês - Elas ficam no país mais ou menos, seis meses. É a metade do seu ciclo. Por isso temos uma responsabilidade grande na manutenção dessa diversidade. Migram do Hemisfério Norte as aves adultas e os juvenis, que são criados aqui no Brasil. Se ocorre algum problema na oferta de alimento, alguma predação ou contaminação por óleos na faixa atlântica, isso certamente comprometerá, não só os adultos mas, principalmente, os filhotes que aqui chegam debilitados com a migração e precisam repor as energias gastas, como trocar todas as mudas, sejam de vôo como de corpo. Isso gera um problema sério de conservação.

C&T - Além do Cemave, existe algum outro órgão que faz esse monitoramento de aves migratórias no país?

Inês - Aqui, só o Cemave realiza esse trabalho. Ele é o único centro em toda a América Latina que tem um trabalho coordenado a nível nacional do uso de marcadores, a anilha. Ela é utilizada para estudar espécies migratórias, as passiveis de caça, as cinergéticas, espécies ameaçadas ou que causem problemas ao homem de alguma forma. Na nossa base de dados de espécies migratórias temos mais de 70 mil indivíduos anilhados, e vindos do Hemisfério Norte temos 10 mil anilhados.

C&T - O Cemave atua em todo o território nacional?

Inês - Exatamente. Em todo ele.

C&T - Com quais entidades trocamos informação nos Estados Unidos para saber sobre essas aves anilhadas?

Inês - O Cemave é o único da América Latina que tem o Centro Nacional Coordenador de Anilhamento, mas contamos com a participação de pesquisadores de outros países, como Argentina e Uruguai. Trocamos informações com o laboratório norte-americano de anilhamento, Bird Banding, que coordena tanto os Estados Unidos, como o México e o Canadá. Temos um contato estreito com eles e vice-versa. Quando ocorre recuperação de anilhas americanas eles são informados e o mesmo ocorre com o Cemave. Hoje, uma outra forma de obtenção dessas informações é por meio da internet, que tem nos facilitado muito. Mantemos contatos e acordos com várias instituições fora do Brasil, por meio de projetos e parcerias. Temos projeto de cooperação com o Royal Museun de Ontoraio, que é o centro de conservação da biodiversidade do Canadá, e com o Departamento de Espécies Ameaçadas dos Estados Unidos. Também mantemos entendimentos na Argentina e no Uruguai com organizações não-governamentais.

C&T - Você lembra de alguma espécie de ave que deixou de vim para o Brasil?

Inês - Temos o Falcão Peregrino, uma espécie que diminuiu muito, mas, graças a Deus, voltou a se recuperar. É uma espécie do Hemisfério Norte e vinha em grande quantidade. Na década de 60 a 70, essa espécie teve uma queda drástica na população por causa do uso de agrotóxico nos Estados Unidos, pois é uma ave que se alimenta de insetos e de outros moluscos. Devido seu declínio, foi considerada extinta. Mas, programas de conservação implantados nos Estados Unidos recuperaram essa população e hoje o falcão começa a retornar em número maior.

C&T - Há alguma outra espécie sob ameaça?

Inês - Hoje em dia temos um problema sério com a espécie chamada de limícola, aves que ocupam bordas de lago, lagoas e regiões praianas. Essas aves vêem, nos últimos dez anos, tendo queda brusca de população, na faixa de 25% a 30% ao ano. Esses números são altamente alarmantes. Para se ter uma idéia, há uns 12 anos a população era estimada em mais de 120 mil espécies migratórias e hoje esses número não chegam a 12 mil, com uma estimativa otimista. Com o acordo de cooperação entre outros países, são estudadas possíveis causas desse declínio, como a baixa resistência das espécies em função de doenças, vírus, bactérias, fungos, óleos nas praias e na alimentação, que podem estar interferindo. Essa espécie está entrando na lista de espécies ameaçadas do governo norte-americano. É um dos casos mais drásticos e mais dramáticos, ainda sem solução.

C&T - Há muita captura ilegal dessas aves que vêem de fora?

Inês - Existe essa captura pela caça, que é proibida no país. Ela só é permitida com raras exceções. Eu, particularmente, não acredito que isso seja um problema grave no Brasil. Segundo informações levantadas em campo, embora não publicadas, a retirada dessas aves por meio de caça existe, mas não é considerado um problema. Suponho que seja a baixa resistência dessas aves em função de doenças, vírus, bactérias. Estamos começando a estudar essas possíveis transmissões. Inclusive, nos Estados Unidos, já foi detectada a questão do vírus chamado de Oeste do Nilo, que causa a incefalêncequina, como também do que causa a peste aviária, que é o vírus da influenza nos humanos, a doença é conhecida como gripe espanhola, que no início do século passado matou milhares de pessoas na Europa, e no Brasil também.

C&T - O problema das doenças trazidas para o país pelas aves é considerado muito grave?

Inês- Isso nós não sabemos ainda, é relativamente recente. Começamos a trabalhar com esse assunto em 2001 em parceria com a Funasa (Fundação Nacional de Saúde), por meio de um acordo interministerial entre o Ministério da Agricultura, da Saúde, entre o Ibama e etc.

C&T - Você se recorda de alguma espécie que tenha chegado ao Brasil vinda de regiões inesperadas, como a África, por exemplo?

Inês - Temos vários casos. Os de pingüins marcados na costa africana e foram recuperados aqui. Existe um centro de anilhamento só na África do Sul, que é o Safre. Mas os ingleses anilham muito e temos aves vindas de Londres, com marca dos ingleses do BTO (Britshi Trusth Onpology). Por inscrições de anilhas da África do Sul e também da Inglaterra, trocando informações, a gente sabe que são espécies marcadas do outro lado do Atlântico, mas que chegam aqui. Como temos também espécies que tem área de reprodução no Chile.

C&T - As aves que vêem da África passam pelos Estados Unidos ou viriam em um vôo direto?

Inês - Normalmente direto, o que está associado ao encontro dessas aves no Brasil, principalmente em áreas de praias. A marcação indica indivíduos juvenis que vieram arrastados por correntes aéreas, que aproveitam ventos de grandes altitudes, ou que são arrastados por tempestades oceânicas. A maior parte dessas aves são marinhas ou aves costeiras. Muitas acabam morrendo e são encontradas nas costas brasileiras, principalmente no Rio Grande do Sul e São Paulo. Embora já foram encontradas aves marcadas até na Bahia.

C&T - As aves são capturadas, examinadas, analisadas e depois soltas novamente?

Inês - Ás vezes, sim. Mas isso depende muito do recuperador. Não há como a gente controlar. Muitas vezes são pescadores que não têm muito recurso. Mas, na grande maioria das vezes, essas aves chegam muito debilitadas e acabam morrendo antes que a recuperação seja feita. Algumas são recuperadas, os dados da anilha são anotados e o centro anilhador responsável é informado pelo recuperador. O que acontece aqui no Brasil, como o público em geral conhece o trabalho, ou mesmo, por meio da internet, procura o Ibama e acaba sabendo do nosso trabalho.

C&T - Quem encontrar uma ave anilhada deve procurar por qual órgão?

Inês - Mesmo que a pessoa encontre a ave morta, ela deve procurar o Cemave ou o Ibama. Na anilha do Cemave vem escrito um código formado por uma letra e cinco números. O endereço é: Avise Brasília, Caixa Postal 34, Brasília - DF, ou pelo site: www.ibama.gov.br/cemave


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