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Entrevista: Saiba sobre extração e refino do petróleo

Agência Notisa - 04 de maio de 2006 - 08:14

A tensão entre Brasil e Bolívia em torno da nacionalização das reservas de petróleo e gás bolivianos, recentemente decretada pelo presidente Evo Morales, reacendeu o debate sobre a política energética do país. A questão, entretanto, envolve uma compreensão mais ampla do processo de descobrimento de reservas, de extração e de refino do petróleo e seus derivados. Ernesto Ferreira Martins, engenheiro especialista em refino de petróleo, trabalha há 32 anos na área de refino e já atuou em missões internacionais para avaliação de refinarias em países como Estados Unidos, Venezuela, Argentina e Holanda. Em entrevista concedida à Agência Notisa, Martins explica melhor esse processo.

Agência Notisa – O que são reservas de gás e petróleo?
Ernesto Ferreira Martins – É o estoque de hidrocarbonetos disponível no subsolo passível de ser obtido algum dia. São de três tipos. As provadas são aquela quantidade de hidrocarbonetos presente em uma bacia sedimentar que já foi medida e está à espera de ser explorada. É o chamado campo de petróleo. Exemplo: Bacia de Campos (RJ) que compreende, entre outros, o Campo de Marlim e o de Albacora. Esta é a levada em consideração contabilmente quando se quer saber quanto vale uma empresa ou uma locação porque permite avaliar como e por quanto tempo operar.

As prováveis são aquela quantidade de hidrocarbonetos que estudos geológicos e de perfuração indicam ser muito provável que estejam lá. Para ter certeza, só gastando dinheiro para estudar mais a locação. É um potencial bastante alto e serve como indicação da reposição do recurso natural não-renovável. Não é considerada para balanços contábeis.

As possíveis são aquela quantidade de hidrocarbonetos que a teoria indica estar numa bacia sedimentar. É uma estimativa em termos de quantidade, mas tecnicamente indica o caminho da exploração. Responde a perguntas do tipo: tenho 100 reais, é melhor gastá-los na Bacia de Campos ou de Santos?

Notisa – O que é, de fato, uma refinaria?
Martins – As pessoas consomem derivados de petróleo, e não o petróleo. Para obter tais derivados só através do refino. Portanto, uma refinaria é um conjunto de máquinas e seus controles reunidos em sistemas, os quais por sua vez reunidos formam uma unidade (um processo), e um conjunto de unidades forma uma refinaria. Esta, por sua vez, recebe petróleos e os transforma em derivados.

Ela é minimamente formada por um processo de destilação e outro de craqueamento catalítico, além dos sistemas de apoio: tancagem (sistema de movimentação e estocagem de matérias-primas e produtos), geração de utilidades (energia elétrica, vapor, água, ar comprimido, geração de hidrogênio), sistemas de segurança (tocha), além daqueles dedicados a tratamento de efluentes.

Com esses dois processos é possível gerar derivados básicos: gás de cozinha, gasolinas, diesel e óleo combustível. A incorporação de outros processos atende a dois compromissos: qualidade de derivados, quer em termos de desempenho do combustível em sua aplicação, quer sob o aspecto do impacto ambiental; balanço de produção X mercado a ser atendido.

Notisa – E como ocorre a implantação de um trabalho deste?
Martins – A indústria do petróleo se divide em duas grandes áreas: o “upstream”, a saber exploração e produção; e o “downstream”, refino, comercialização e distribuição de derivados.

A primeira etapa é sempre o planejamento, avaliar dentre as várias possibilidades quais são as melhores e qual o caminho a seguir. Para um campo de petróleo, há que se considerar potencialidades de produção das bacias sedimentares e as dificuldades de, obtido o óleo, trazê-lo para refino; as políticas energéticas do país; o mercado consumidor e a sofisticação desse consumidor; a necessidade de preservação ambiental; proximidade de fontes de energia e água; potencialidades de escoamento da produção (rodovias, ferrovias e portos); e a quantidade de impostos a pagar.

Definido o que fazer, a seqüência é a engenharia: projetar as instalações, detalhar as necessidades, comprar equipamentos e montá-los. Finalmente, chega-se na etapa de operação. Para uma refinaria ocorre um processo similar, entendendo-se como resolvida a etapa de seleção de matérias-primas, o que vai definir a sua “flexibilidade” operacional (quais produtos, como e com que qualidade os derivados serão produzidos) e os processos a implantar.

Os custos são sempre altíssimos. Leve-se em conta que o risco maior, em termos de capital está no “upstream”. Apesar de toda a geologia, toda a ciência de estudo de um campo de petróleo, um excelente índice de acerto é de 50%. Ou seja, a cada dois poços furados um é “seco”, não dá óleo ou gás em quantidades comerciais.

Uma refinaria, hoje, com vários processos, utilidades, escala da ordem de 200 mil barris por dia, incluindo custos de terreno e interligação com o sistema de escoamento e recebimento de matérias-primas custa na faixa de US$ 2 a 2,5 bilhões. Se houver necessidade de investimentos em logística vai mais dinheiro. Isso depende da geografia (distância entre centro de consumo, de produção de petróleo, características do terreno etc).

Notisa – Por que uma empresa de um país decide explorar reservas de gás e petróleo em outro país?
Martins – Para aproveitar uma oportunidade comercial quer na produção de matérias-primas ou de derivados ou na comercialização, aproveitando alguma vantagem estratégica que lhe seja disponível. A avaliação é empresarial, estuda-se o risco e as vantagens que o negócio oferece.

Notisa – Como os governos e as empresas negociam tais investimentos?
Martins – Hoje, as empresas de petróleo procuram operar dentro da visão: se um negócio não for bom para todos, não é bom para ninguém. Com este enfoque e sob regras claras e sólidas, todos pagam (no sentido de contribuir para o sucesso do empreendimento) e todos ganham.

Nesse “todos”, englobe-se todos os públicos: as várias instâncias de governo (federal, estadual e municipal) recolhendo impostos e royalties; as empresas obtendo lucros; as populações locais pela geração de empregos e giro na economia local; os consumidores pela garantia de dispor de bons derivados com certeza de segurança de abastecimento.

Notisa – Qual é a relação entre a política energética nacional, que visaria ao “mínimo custo”, e o interesse de uma empresa como a PETROBRÁS, cuja lógica dominante seria a do “máximo lucro”? Nesse contexto, como fica a questão do monopólio estatal do petróleo no Brasil?
Martins – O artigo 177 da Constituição Federal de 1988 garante o monopólio estatal do petróleo. Suas primeiras definições dizem:

Art. 177. Constituem monopólio da União:
I – a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos;
II – a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro;
III – a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores;
IV – o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no país, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem;
V – a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados.

Ele é regulado pela lei nº 9478/97 que cria o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e a Agência Nacional do Petróleo (ANP) para: preservar o interesse nacional; promover o desenvolvimento, ampliar o mercado de trabalho; promover a livre concorrência; atrair investimentos.

A ANP é o órgão executivo e veio com atribuições de, dentre outras, de ser o: regulador e fiscalizador das atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo; poder concedente na exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural; agente da política energética nacional (“promoção do desenvolvimento”).

Ou seja, a legislação retira da Petrobrás a responsabilidade pela execução do monopólio estatal com a substituição da lei 2004/53 pela 9478/97, separando a formulação de políticas da execução do abastecimento e regulação industrial. Com esse evento, cria-se historicamente dois cenários diferentes onde há que se analisar a atuação da Petrobrás. No passado, a missão da Companhia afirmava: “Abastecer o mercado nacional de petróleo e derivados, aos menores custos para a sociedade, de forma rentável, com preservação ambiental e contribuindo para o desenvolvimento nacional.”

A missão principal era garantir o abastecimento nacional ao menor custo porque se dispunha do monopólio. A expressão “forma rentável” aparece porque a Companhia sempre foi uma sociedade de economia mista portanto visava obter lucros para seus acionistas.

Já no cenário atual, o monopólio estatal e as responsabilidades decorrentes passam a ser preocupação exclusiva do Governo Federal através da interveniência e definições do CNPE e da ANP. Neste contexto, a missão da Petrobrás prevê buscar rentabilidade, sob a lógica empresarial, ampliada para uma atuação internacional e também no mercado de energia: “Atuar de forma segura e rentável, com responsabilidade social e ambiental, nas atividades da indústria de óleo, gás e energia, nos mercados nacional e internacional, fornecendo produtos e serviços adequados às necessidades de seus clientes e contribuindo para o desenvolvimento do Brasil e dos países onde atua.”

NOTISA – É possível estabelecer alguma correlação entre a situação brasileira e a boliviana?
Martins – Não. É outro país, outra visão de mundo, outras necessidades. A meu ver, o caso Bolívia e seus desdobramentos têm que ser resolvidos com atuação cuidadosa, visão diplomática e empresarial de longo prazo.

NOTISA – Em quais países, além da Bolívia, a Petrobrás possui trabalhos congêneres?
Martins – A Petrobrás está presente na Argentina, Uruguai, Paraguai, Bolívia, Peru, Colômbia, Venezuela, Estados Unidos, México, Angola, Nigéria, Guiné Equatorial, Líbia, Tanzânia, Arábia Saudita, Irã, Cazaquistão, China, Japão. Em alguns países, tem atuação em algumas áreas de negócio, por exemplo, exploração. Em outros, é firme participando em toda a cadeia produtiva, caso da Argentina e dos EUA.

Agência Notisa (jornalismo científico - science journalism)

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