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Entrevista com o senador Demóstenes Torres

Agência Senado - 22 de maio de 2006 - 08:26

Em entrevista exclusiva à Agência Senado, o senador Demóstenes Torres (PFL-GO) defendeu uma urgente reforma no Código de Processo Penal e no Código de Processo Civil, mas lamentou que falte vontade política para isso.

- Se designarmos uma comissão para discutir essa questão no Senado, eu garanto que em dois ou três meses podemos oferecer um Código de Processo Penal razoável para o Brasil, daqueles que o brasileiro vai se orgulhar - disse, defendendo medidas mais eficazes de ressocialização dos detentos.

O parlamentar, autor de quatro dos 11 projetos de lei que formam o pacote contra a violência aprovados nesta última quarta-feira (17) na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e relator de seis dos sete restantes, defendeu a escola em tempo integral como forma de combate à criminalidade, mas criticou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva por dizer que não quer investir em presídio, mas em educação:

- Essa é uma linguagem de horóscopo, pois quem é que não quer investir em educação? - perguntou o parlamentar, afirmando que o discurso pela educação angaria mais votos.

A grande maioria das quase oito dezenas de proposições apresentadas no Senado por esse goiano de Anicuns versa sobre segurança, com ênfase nos Direitos Penal e Processual Penal, áreas em que se especializou ao longo da sua carreira como procurador de Justiça, promotor e secretário de segurança de Goiás.

Em seu primeiro mandato no Senado, Demóstenes é candidato ao governo de Goiás, mas não acha que a campanha possa impedir a votação das matérias aprovadas na CCJ. Mas é preciso que os presidentes do Senado e da Câmara imponham sua autoridade, conclamando os parlamentares para as votações. Para ele, o governo, se quiser, pode implantar o pacote contra violência "em 15 dias".

Agência Senado - Várias medidas emergenciais para combater a criminalidade no país foram aprovadas nesse pacote. O que o senhor acha que está faltando ainda para aprovar?

Demóstenes Torres - Falta uma lei eficiente que defina o que é crime organizado e uma outra legislação para tratar o tráfico de drogas no Brasil como um problema realmente prioritário, um problema inclusive de segurança nacional. O tráfico de drogas corrompe grande parte da juventude. É preciso que sejam tomadas medidas preventivas e repressivas duras quanto a isso. O Parlamento tem que discutir essas questões. No Senado, temos três projetos sobre esses assuntos tramitando: dois sobre crime organizado e um outro sobre tráfico de drogas

Agência - E qual a situação desses projetos, hoje, na Casa?

Demóstenes -Conversei com o senador Antonio Carlos Magalhães (presidente da CCJ) para que possamos iniciar a discussão e votação rapidamente desses projetos já na próxima semana, para ajudar no combate a esses dois tipos de crimes no Brasil. O crime organizado e o tráfico de drogas são crimes terríveis e talvez sejam os que mais afetam hoje o cidadão brasileiro.

Agência - Numa das últimas reuniões da CCJ, discutiu-se também bastante a questão da ressocialização do preso, por meio não só de medidas que garantam a recuperação dos detentos nos presídios, mas também por projetos alternativos, como a profissionalização nas próprias cadeias e o direito ao trabalho digno, ainda dentro da prisão. O Senado pretende apresentar alguma proposta neste sentido?

Demóstenes - A Lei de Execução Penal já prevê que pode haver uma terceirização dos serviços dentro dos presídios. O Estado pode fazer convênios com a iniciativa privada para criar oficinas de trabalho, presídios industriais e presídios agropecuários, por exemplo. Não há, então, a necessidade de se criar uma nova lei ou modificar esta. Precisamos é que o governo federal e também os governos estaduais tomem providências para construir esses locais. Está provado que isso pode ser feito sem grandes dispêndios.

Há duas medidas que ajudam muito no combate à criminalidade: a escola em tempo integral, como uma boa medida preventiva, e, para quem já está preso, a recuperação pelo trabalho. Não se trata de obrigar a trabalhar, mas sim de dar oportunidade ao preso para que possa produzir e obter, com isso, também uma remição da pena, além de ter condições para sustentar sua família e indenizar a família da vítima. Essa é uma situação que é necessária.

Agência - O senhor disse que já há legislação para isso, só faltando realmente implantar esses programas. O Senado pode fazer alguma coisa nesse sentido ou interferir de alguma forma para que a legislação possa ser cumprida?

Demóstenes - O Estado tem que cumprir a lei, mas pode ser que o Ministério Público obrigue o Estado a tomar essa providência. Há uma outra medida que talvez seja eficiente também do ponto de vista da recuperação do preso que está deixando o presídio. Nós apresentamos uma proposta que foi aprovada no Senado, mas o governo derrubou na Câmara dos Deputados e eu pretendo reapresentar no Senado. Trata-se de obrigar as empresas que negociam com o governo - em nível federal, estadual ou municipal - a destinarem um por cento das suas vagas para os egressos do sistema penal.

Agência - Esses projetos que compõem o pacote contra a violência foram aprovados em decisão terminativa no Senado; ou seja, se não houver recurso para que sejam votados em plenário, seguem direto para a Câmara. Como o senhor espera que seja a votação lá em termos de agilidade?

Demóstenes - O senador Renan Calheiros (presidente do Senado) conversou muito com o presidente da Câmara (Aldo Rebelo) para que ele dê prioridade as essas medidas. Se o presidente da Câmara entender que deve votar rapidamente, ele consegue fazer. Agora, se for ouvir os conselhos do governo ou esperar que a área de justiça caminhe nesta direção, vai ser muito difícil, porque o governo realmente não tem qualquer vontade de fazer essa modificação, por uma simples questão de filosofia.

É como disse o próprio presidente Lula: ele não quer investir em cadeia, em segurança no presídio ou em isolamento. Ele quer investir em educação. Só que essa é uma linguagem de horóscopo, pois quem é que não quer investir em educação? Por que ele não quer investir mais em segurança? Porque ele acha que com esse discurso de educação, pode angariar mais votos. No Brasil, nós temos demagogos demais.

Agência - O senhor acha que o governo pode dificultar a aprovação desses projetos?

Demóstenes - Também há esses risco. Da outra vez, o governo derrubou tudo na Câmara; ou seja, se a Câmara aprovar, ainda temos o risco Lula.

Agência - Há um outro problema grave na Justiça, que é a lentidão no julgamento dos processos. Esse tem sido, também, um dos motivos para as rebeliões. Os presos alegam que muitos deles já poderiam estar soltos por meio de uma revisão de suas penas, e muitos outros bandidos perigosos também permanecem soltos indefinidamente por falta de julgamento e devido a recursos protelatórios. O que o Senado pode fazer quanto a isso?

Demóstenes - O Senado tem que fazer uma reforma urgente no Código de Processo Penal. Há quase quatro anos que o ministro Márcio Thomaz Bastos (da Justiça) diz que vai apresentar projetos para agilizar o Código de Processo Penal, o Código de Processo Civil, o andamento do Judiciário e dar mais força ao juiz de primeiro grau, mas isso ainda continua na carta de intenções. Se designarmos uma comissão para discutir essa questão no Senado, eu garanto que em dois ou três meses podemos oferecer um Código de Processo Penal razoável para o Brasil, daqueles que o brasileiro vai se orgulhar, inclusive pela agilidade, dando força ao juiz, diminuindo a procrastinação e o número de recursos e fazendo com que nós possamos avançar nessa área.

Agência - E o que está faltando para a implantação dessa comissão?

Demóstenes - Está faltando vontade política. Porque aí teria que ser designado um grupo de parlamentares para trabalhar exclusivamente em cima deste tema. Se não houver essa designação, fica impossível porque vamos sempre tomar medidas paliativas e pontuais em vez de uma reforma geral, que é imprescindível, porque um dos graves problemas hoje, no país, é a falta de agilidade da Justiça.

Agência - O senhor fala que em dois ou três meses poderíamos resolver esta questão, mas nós estamos entrando agora em um período eleitoral. A partir de julho, o Congresso entra numa espécie de recesso branco, até mesmo para que os parlamentares possam fazer suas campanhas e a de seus aliados nos respectivos estados que representam. Aí, vai ficar difícil votar qualquer proposta nas duas casas no segundo semestre.

Demóstenes - É verdade. Acho que aí entra a autoridade do presidente do Senado e da Câmara. Existem regras para parlamentares que não comparecem às votações. Eu, por exemplo, sou candidato a governador no meu estado, mas eu largo a campanha e venho para cá, porque o interesse é esse. Agora, se as sessões não forem deliberativas, se não for exigida a presença, ninguém vem. Por isso, é preciso que se defina a pauta e o Congresso se reúna para discutir e votar. Quem sabe, esquecer da próxima eleição - esquecer no bom sentido - seja até um bom motivo para que nós possamos agir de forma desapaixonada e resolver esse problema sem demagogia.

Agência - A violência já não é mais exclusividade do Rio de Janeiro. Ela eclodiu em São Paulo e segundo alguns especialistas, também vai ocorrer em vários estados. Na sua avaliação, o que está acontecendo no Brasil?

Demóstenes - O que está acontecendo é que nós não temos nenhum controle dentro da penitenciária e o serviço policial está muito solto no Brasil. Um delegado de polícia não pode passar informação para outro delegado, imagina então para a polícia militar. Nós temos duas polícias que se odeiam. Uma diz que trabalha mais do que a outra. A outra diz que é mais inteligente. Uma ganha mais que a outra, com salários absolutamente diferenciados.

O governo precisa regulamentar essa questão policial. Mas os lobbies são muito fortes e poderosos - inclusive com parlamentares - e muito policial acha que uma unificação de polícia, com uma estruturação da carreira, pode implicar inclusive em perdas de vantagens. Eles têm medo disso. Mas no mundo inteiro temos exemplos extraordinários de unificação e sucesso na organização policial e no combate à criminalidade. O governo não quis enfrentar a unificação e partiu para a tese da integração policial, que nada mais é do que uma balela, pois na prática ela não existe.

Agência - Mas não houve só divergências entre a política. Houve um problema também dentro da própria federação. O senhor acha que o governo de São Paulo fez bem em não aceitar ajuda federal e não permitir a entrada do Exército para combater a rebelião que estava ocorrendo na cidade?

Demóstenes - Essa avaliação é do governo de São Paulo. Ele é quem sabe se tem ou não o comando da situação. O governador de São Paulo é quem decide se deve ou não aceitar ajuda federal. Agora, o que não pode ter é orgulho para pedir ajuda. Se precisar, tem que pedir, porque nessa hora o que importa é enfrentar o crime. Agora, o que não pode é colocar bandido para sentar na mesa e negociar com o Estado. Bandido não pode, de forma alguma, negociar com o estado. O estado tem que enfrentar o criminoso e vencer o crime.

Mas, se tem uma rebelião, é diferente. O preso muitas vezes tem reivindicações justas, como o julgamento rápido de processos ou o afastamento de algum carcerário que aplica tratamento desumano nos presídios, por exemplo. Isso se resolve. Agora, o Estado não pode pedir para que uma organização criminosa cesse mediante promessas de criar facilidades para os bandidos. Isso não pode acontecer. O Estado tem que enfrentar e vencer. Nós não podemos brincar de fazer justiça. Não temos que flexibilizar a lei. A lei existe para ser cumprida.

Agência - Na sua opinião, qual seria o papel da sociedade neste momento?

Demóstenses - A sociedade tem que passar a acreditar e colaborar com a polícia. Essa é uma boa maneira de combater o crime. Essa aproximação é algo que nós vamos ter que fazer. Talvez uma reforma da polícia ajude nessa aproximação. Mecanismos como o conselho de segurança, que muitos hoje jogam fora, é uma medida boa para que a sociedade tenha proximidade com o policial.

Eu sempre digo o seguinte: você pode não descobrir um crime, mas a sociedade sempre vai saber onde é que está esse criminoso. E sabe também quem foi que cometeu o delito. Se o cidadão tiver confiança na polícia, ele conta. Então, mecanismos como o disque-denúncia e outros são importantes também para essa proximidade com o cidadão. A sociedade está apavorada com tudo isso, mas não tem jeito: ela deve entender que, se for necessário, é preciso prolongar essa situação para acabar com esses grupos.

Agência - o senhor acha que a sociedade vai externar, de alguma forma, tudo isso que está acontecendo nas próximas eleições?

Demóstenes - Acho que sim. Nós estamos vivendo problemas de corrupção e de falta de segurança muito graves. O candidato que conseguir fazer um projeto sincero dentro destas áreas, tem muita chance de ser o próximo presidente do Brasil.

Agência - Se tudo der certo, em quanto tempo o senhor acha que esse pacote de medidas contra a violência pode ser implantado no país?

Demóstenes - Se o governo quiser, pode fazer isso em 15 dias. Isso depende dele. Agora, se não quiser, pode fazer como fez em outros projetos: enfiar dentro da gaveta e daqui a cinco estaremos discutindo a mesma coisa.

Valéria Castanho / Repórter da Agência Senado

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