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É preciso definir o que é erro médico, alerta Carvalhaes

Agência Notisa - 05 de maio de 2006 - 07:33

Presidente do Sindicato Médico de São Paulo mostra que, muitas vezes, mortes ou seqüelas são taxadas de erros, pois não são aceitas. Ele aponta que é preciso identificar o verdadeiro erro médico e suas causas, entre as quais, má formação médica e péssimas condições de trabalho. E alerta que se existe um médico para cada 300 habitantes no Rio de Janeiro, há um médico para cada 60 mil habitantes na Amazônia.


Teve início ontem o 2º Seminário Nacional de Integração Médico/Mídia da FENAM (Federação Nacional de Médicos). O evento, que acontece no Hotel Glória, no Rio de Janeiro, apresentou a mesa intitulada “Erro Médico”. O palestrante foi Cid Célio Jayme Carvalhes, neurocirurgião e presidente do Sindicato Médico do Estado de São Paulo (SIMESP). O coordenador da mesa foi José Roberto Murisset, médico e Secretário de Imprensa e Divulgação da FENAM.


O que é erro médico

Na opinião de Carvalhes, antes de se discutir a questão do erro médico é necessário refletir sobre a própria validade da expressão. Esta seria inadequada na medida em que representa um “pré-conceito” e que parte do pressuposto de que alguém errou – percepção que muitas vezes não dá a oportunidade de defesa ao médico. Na opinião do especialista, parece paradoxal, mas “bons médicos são formados diante da realidade de muitos cadáveres e muitas seqüelas” da mesma forma que “bons advogados são formados quando existem restrições indevidas de liberdade e dilapidação de muitos patrimônios”. Ele lembrou, também, que ainda há um grande caminho a se percorrer na medicina e na biologia. “Ainda estamos a anos-luz do conhecimento”, disse, ressaltando o caráter, segundo ele, subjetivo e polêmico do tema “erro médico”.

Medicina humanista

Carvalhes apontou quatro pontos fundamentais para a discussão do assunto na sua opinião: origem, constatação, cobrança e conseqüência do “erro médico”. De acordo com ele, a origem do “erro médico” recaiu sobre as bases filosóficas, sobre os princípios ocidentais da ética platônica e se fundamentou na “sustentação dos princípios da proteção paternalista”. No entanto, essa idéia foi ao longo dos anos sofrendo uma miscigenação com os preceitos judaico-cristãos e o exercício da medicina passou a ter uma função paternalista exigida pela sociedade.

Caráter mercantil: má condição de trabalho

Tal idéia da prática humanista figurou no cenário social até o final dos anos 50 do século passado. A partir daquele momento, destacou o palestrante, dois eventos contribuíram enormemente para uma virada nesse conceito: as grandes guerras mundiais, especialmente a segunda. Esses conflitos trouxeram muitas modificações tecnológicas, um “tecnicismo” que inverteu a lógica do humanismo e inverteu a relação médico-paciente. As relações passaram a ser deturpadas pela mecanização. A própria formação do médico, segundo Carvalhes, foi alterada. “O mecanismo formador do profissional de saúde, especialmente o médico, passou a atender aos apelos da ética do consumo”, afirmou. O aumento das hospitalizações e a “exploração da doença” seriam exemplos freqüentes dessa situação na atualidade.


Nesse contexto, na opinião do médico, outros fatores merecem destaque na configuração do cenário de saúde atual. Ele destacou a crescente inserção de profissionais de saúde com qualificação inadequada, as condições de trabalho injustas que acabam transformando a prática do profissional de saúde “em um verdadeiro martírio” e os custos cada vez maiores para atender “apetites daqueles que exploram a saúde”.

Quando falha a expectativa a primeira reação é culpar o médico

Com relação ao erro médico propriamente dito, Carvalhes afirmou que ele é freqüentemente o resultado do “convívio com um resultado obtido completamente adverso daquele pretendido”, ou seja, uma reação diante de uma cura, melhora ou transformação que não aconteceu e/ou uma morte que nunca se espera como desenlace do tratamento e não se aceita a princípio. O médico lembra que muitas vezes essa situação é provocada mais pelo próprio paciente e por seu imaginário do que pelo profissional de saúde. “Como, por exemplo, na cirurgia plástica”, disse. Segundo Carvalhes, neste ramo da medicina o paciente forma com freqüência uma idéia oriunda de um padrão de beleza divulgado pela mídia que não condiz com a realidade e, por conta disso, após a cirurgia, algumas vezes ele fica decepcionado por não ter atingido a estética desejada. O palestrante ressaltou que essa insatisfação em um primeiro momento é intimista e acaba sendo medida pela “dimensão dos sentimentos que a pessoa expressa”.


Não se aceita a dor, o sofrimento e a morte como parte da vida

Cid Carvalhes revelou ainda que existem quatro conceitos básicos e fundamentais para o entendimento do “erro médico”. Dois deles são bons e as pessoas os perseguem e são “justiça e autonomia” e a “liberdade”. Os outros dois são evitados: “trata-se da dor e do sofrimento”, disse. Esses quatro sentimentos, segundo o médico, “coexistem no provável erro médico”. E quando são exteriorizados levam ao terceiro ponto apontado anteriormente pelo médico como de fundamental importância para o tema do evento, que é a “cobrança”.

A cobrança, de acordo com o palestrante, depende da análise da dimensão exata e das divergências, ela depende ainda da justificação do chamado ”erro médico”. Quando o resultado de uma investigação sobre um possível erro é benéfico ele desestrutura, quando é danoso sustenta a idéia. O médico afirmou que o resultado danoso é geralmente a morte, ou uma seqüência de atendimentos nos quais se identifica algo que ocorreu e não deveria ter ocorrido. Pode ser também sofrimento exagerado, expresso pela dor ou seqüelas que acabam provocando quedas na qualidade de vida e ainda as decepções emocionais.

O palestrante destacou, por outro lado, que um resultado como os citados acima com óbito, seqüelas, dor e decepção “nem sempre são sinônimos de ‘erro médico’”. Para exemplificar essa situação ele falou que se um paciente tem gangrena em um membro (perna, braço, mão) necessita ser amputado, isto não é visto como “erro médico” e sim como procedimento adequado, mesmo havendo uma seqüela.

Erro médico de fato: precisa ser identificado e punido

Agora, com relação a quando há realmente a dúvida de se houve “erro médico” Cid Carvalhes afirmou que a cobrança se faz através de diversas formas sistemáticas, como, por exemplo, pela cobrança ética (conselhos de medicina), ou cobrança dentro do organismo jurídico do país – penal ou civil de natureza indenizatória – e cobrança social (quando a imprensa divulga o fato para a sociedade).

O quarto e último ponto abordado pelo médico no evento foi a conseqüência do erro médico para o profissional. Ele afirmou que o médico fica sujeito a penalidades como responsabilidade fiscal, sanções financeiras, restrições na atuação do trabalho, restrição ética, uma vez comprovado o erro.

Após a exposição do médico o auditório levantou algumas questões. Um dos assuntos abordados foi quanto à diferenciação entre negligência, imprudência e imperícia. Diante delas, o palestrante explicitou as particularidades de cada caso. A negligência segundo Cid Carvalhes “não repousa no limite da técnica e sim na irresponsabilidade com o próprio semelhante”; já a imprudência se dá quando o profissional “desejou ir além do que deveria” e pode ser às vezes defensável variando caso a caso. Por fim, a imperícia é, segundo ele, fruto da “má formação profissional”. Essa questão da má formação recai “sobre a grande quantidade de faculdades particulares de medicina que existem no mercado com qualidade ruim e que acabam formando profissionais com deficiências técnicas”, disse. Para ele, a grande quantidade de faculdades também é responsável pelo número excessivo de médicos que é apontado nas pesquisas. “O ideal é existir um médico para cada mil habitantes, no Rio de Janeiro se observa um médico para cada 300”, acrescentou.. Carvalhes, entretanto, revela que esse dado esconde uma realidade que é a “má distribuição de recursos da saúde”, pois enquanto em cidades como o Rio há uma “sobra” de médicos, na Amazônia, por exemplo, há uma “falta” dos mesmos, expressa pelos números: “um médico para cada 60 mil habitantes”.


Agência Notisa (jornalismo científico - science journalism)

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