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Dente de leite trata lábio leporino e autismo, revela estudo feito no Brasil

Saúde Plena - 25 de janeiro de 2016 - 15:00

Para pobres mortais que não são da área científica, ouvir as notícias sobre como andam os estudos no Brasil sobre a utilização de células-tronco pode soar como um passeio por um roteiro de ficção científica. Felizmente, não é. A ciência brasileira na área não apenas se diversificou, como tem apresentado resultados animadores, já validados pela comunidade no exterior. Hoje, quando se fala em pesquisas com células-tronco, o sangue do cordão umbilical – embora ainda mais conhecida – deixou de ser a fonte mais popular.

Já parou para pensar no potencial “escondido” dentro de um dente de leite? Pois tratamentos recentes usando a polpa do dente da criança têm se mostrado eficazes para reabilitação de lábio leporino e até mesmo reprogramação celular para estudos de neurônios de pacientes com autismo. Esses são alguns dos projetos que estão em andamento, em fases avançadas, respectivamente nos institutos de ensino e pesquisa dos hospitais Sírio-Libanês (IEP-HSL) e Hospital Albert Einstein, em São Paulo.

A célula-tronco presente na polpa do dente de leite é do tipo mesenquimal, também existente na gordura corporal (tecido adiposo) e medula óssea. Ela tem capacidade de regeneração de músculo, de pele, de osso, de cartilagem, de fígado, de tecido nervoso e cardíaco. É mais versátil do que aquelas encontradas no sangue do cordão umbilical, chamadas hematopoiéticas, que podem se transformar somente em células de linhagem sanguínea.

Desde 2005, a cirurgiã-dentista e pesquisadora do Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Sírio-Libanês, Daniela Bueno, se dedica a pesquisas sobre o uso das células-tronco da polpa do dente de leite. Começou no doutorado, sob a orientação da doutora Maria Rita Passos Bueno, e deu continuidade no pós-doutorado. Atualmente, Daniela é pesquisadora do IEP-HSL e membro do corpo clínico do Hospital Municipal Infantil Menino Jesus (HMIMJ), onde realiza estudos clínicos em humanos com essas células. Esse projeto tem financiamento do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS).

A pesquisadora demonstrou que as células-tronco mesenquimais encontradas no dente de leite podem ser usadas em tratamentos de malformação congênita, como as fissuras labiopalatais, mais conhecidas como lábio leporino. É quando o paciente tem uma abertura na região do lábio ou do “céu da boca”, fruto do não fechamento dessa estrutura ainda durante a gestação.

MENOS INVASÃO Tratamentos convencionais demandam a retirada de fragmentos ósseos do quadril dos pacientes para posterior implante na área fissurada. “É um processo que demora muito tempo no centro cirúrgico. A aplicação das células-tronco da polpa do dente de leite elimina a parte de remover o osso do quadril, reduzindo o tempo de permanência do paciente em centro cirúrgico, bem como o tempo de internação”, explica Daniela. Ou seja, é um procedimento muito menos invasivo e que tem se mostrado eficaz.

Atualmente, 10 pacientes foram submetidos a esse tratamento. Funciona assim: as crianças portadoras de fissura labiopalatal, que foram selecionadas para participar do estudo clínico, tiveram o dente de leite extraído e enviado para processamento. “Isolamos as células-tronco da parte viva do dente, chamada polpa, que é armazenada em nitrogênio líquido. Enquanto isso, o paciente precisa passar por uma série de tratamentos de ortodontia e previamente a realização de cirurgia para enxerto”, afirma Daniela.

Quando o paciente estiver pronto para a cirurgia, as células-tronco são associadas a um biomaterial. É como se fosse uma esponja, que é implantada na fenda no “céu da boca”. Nos últimos dois anos, a prática tem obtido resultados surpreendentes na formação de osso alveolar. “Quando falamos sobre armazenamento do cordão umbilical, as células-tronco servem só para tratar doenças do sangue. As células-tronco do dente de leite podem servir no futuro para tratar uma série de doenças porque elas têm capacidade de se transformar em diversos tecidos”, diz Daniela.

NEURÔNIOS É no Instituto de Pesquisa do Hospital Albert Einstein que a bióloga Karina Griesi, Ph.D. em genética pela Universidade de São Paulo, desenvolve a pesquisa que pode auxiliar testes de medicamentos para crianças diagnosticadas com autismo. Também usando células-tronco da polpa do dente de leite, Karina e sua equipe conseguem reproduzir em laboratório neurônios de pacientes autistas.

Essa célula do sistema nervoso não pode ser isolada do corpo humano. Assim, usando a técnica de reprodução celular, os cientistas conseguem “copiar” os neurônios dos pacientes. A pesquisa consiste em comparar os exemplares in vitro, sejam aqueles diagnosticados com autismo e outras pessoas sem o autismo.

“Fazendo isso, nosso objetivo é entender o funcionamento dos neurônios dos pacientes. Observamos se está mais ou menos ramificado, quais sinais aparenta. Assim, tentamos entender que tipo de drogas podemos usar para reverter essas alterações”, detalha Karina. O autismo é um transtorno relacionado a diferentes mudanças no genoma, que variam de um indivíduo para outro.

Em um estudo publicado no ano passado, Karina Griesi e seu grupo de pesquisa conseguiram encontrar uma alteração presente no gene TRPC6. Os cientistas identificaram que uma substância, a hiperforina, presente na erva-de-são-joão, popularmente usada para o tratamento da depressão, era capaz de ativar a função desse gene específico.

Esse estudo foi feito em colaboração com a Universidade de Yale e a Universidade da Califórnia San Diego (UCSD), nos Estados Unidos. Diante da possibilidade de desenvolver um tratamento, a corrida agora é para conseguir recursos para dar continuidade à pesquisa. “Já solicitamos autorização para a condução da fase clínica e estamos procurando financiamento”, afirma Karina. Segundo ela, o projeto demandará a participação de profissionais também da área de psicologia.

ARMAZENAMENTO AINDA NãO É PRÁTICA

Apesar das pesquisas avançadas com o uso da polpa do dente de leite para extração das células-tronco, seu armazenamento ainda não é uma prática. O serviço, chamado criopreservação, atualmente é oferecido somente na rede privada. A R.Crio – Centro de Tecnologia Celular, com sede em São Paulo, começou a vender seus planos em agosto do ano passado.

De acordo com José Ricardo Muniz, fundador e presidente da companhia, foram cerca de 10 anos de pesquisa e um investimento da ordem de R$ 20 milhões para a montagem da estrutura. Ela inclui laboratórios para o processamento da polpa, assim como para o armazenamento. “A gente isola as células no laboratório, multiplica, testa e valida para então fazer a guarda”, afirma. Todo o processo é acompanhado por dentistas, biólogos, médicos e outros.

Os clientes têm a opção de escolher entre diversos planos. O básico inclui o montante inicial de R$ 2.980 e uma anuidade de R$ 735. Para Muniz, o maior desafio enfrentado é a qualidade da informação, por ser uma área muito nova. “Existe muita distorção. Nosso papel é fazer a ponte entre a pesquisa e a clínica”, diz.

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