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Dengue: muita informação, pouco entendimento

Agência Notisa (jornalismo científico - science journalism) - 05 de novembro de 2004 - 07:24

Todo mundo já decorou o que deve ser feito: tampar caixas d’água e retirar do quintal garrafas ou recipientes que possam armazenar água, entre outras medidas. Mas decorar não é fazer: por exemplo, a medida-símbolo da campanha na luta contra dengue — a substituição da água dos pratinhos de vasos de plantas por terra —, esta não vingou. Pesquisa da Universidade de São Paulo investigou se as campanhas educativas de prevenção da dengue conseguem gerar conscientização efetiva nas comunidades. Resultado: mesmo com tanta campanha educativa, a população ainda acredita na inocência do tal “mosquitinho”.

O estudo, publicado na Revista de Saúde Pública (Volume 38, nº3), pesquisou três municípios de São Paulo onde houve dengue, mesmo após intensa campanha preventiva ter sido realizada. Com a pesquisa, os autores quiseram identificar se as pessoas que possuem vaso de planta em casa, conseguem reconhecer no inocente pratinho um criadouro de vetores da dengue.

Vinte residências foram selecionadas e classificadas em positivas e não positivas para larvas de Aedes aegypti, em vasos de plantas. Aos 60 participantes da pesquisa — 20 de cada município —, que estavam na faixa etária entre 20 e 65 anos, foram aplicados questionários. A análise consistiu em selecionar, em cada resposta individual, ``expressões-chave`` ou trechos significativos. “Com esse material das ‘expressões-chave’ constroem-se discursos-síntese, com número variado de participantes, na primeira pessoa do singular, que são os discursos do sujeito coletivo (DSC). Neles, o pensamento de um grupo ou coletividade aparece como se fosse um discurso individual”, explicam os pesquisadores.

Na análise das respostas, os estudiosos encontraram, como informações errôneas no imaginário da população, descrença de que um simples ``mosquitinho`` possa causar tanto problema, crença na doença apenas quando ela se manifesta concretamente e descrença na atividade educativa de um modo geral. “Quanto às representações positivas, verificou-se entendimento do mecanismo básico de transmissão da doença, valorização do papel e da presença constante da autoridade sanitária, entendimento da parcela de responsabilidade que cabe à população no enfrentamento da doença”, afirma o estudo.

Uma hipótese levantada pelos pesquisadores é de que campanhas educativas podem não funcionar em função da opção pedagógica adotada. “As mensagens veiculadas, baseadas, ainda que nem sempre conscientemente, no enfoque tradicional — que se convencionou chamar de ``pedagogia da transmissão`` — não permitiram o estabelecimento de uma efetiva relação dialogal de compartilhamento de códigos entre o pensamento sanitário e o do senso comum”, explicam os estudiosos.

Na opinião da pesquisa, é justamente a relação entre discurso médico e pensamento da comunidade o fundamental para se obter sucesso em campanhas educativas de saúde pública. “Essa era uma condição necessária para que a atividade educativa pudesse impactar a mudança de comportamento. As mensagens educativas tendem a veicular sentidos abstratos que não se vinculam significativamente ao cotidiano dos receptores, tornando difícil a incorporação dos significados desejados pelas autoridades sanitárias”, lamenta o estudo.

De acordo com os pesquisadores, os programas de controle do Aedes aegypti no estado de São Paulo reafirmaram a intenção de aliar discurso sanitário às reais condições de vida da população. “Porém, as práticas demonstradas representaram um enfoque maior nas ações de combate ao vetor, alicerçadas no uso de produtos químicos, talvez por se acreditar na sua maior eficácia sobre o manejo ambiental. Há, por isso, que engajar toda a sociedade no controle da dengue, não somente o serviço público. Essa participação refere-se à incorporação do programa pela população em geral, mas também pelos diversos setores da sociedade responsáveis pela produção e comercialização de produtos que possam se tornar criadouros do mosquito”, diz o texto.

Quando as ações educativas foram analisadas em sua prática, à luz dos resultados do estudo, os pesquisadores identificaram que as informações passadas nas campanhas não foram suficientes para promover mudanças de comportamento, nem geraram genuína participação comunitária. “A estrutura educativa ainda estava enfocada em campanhas de limpeza, distribuição de materiais impressos e difusão massiva de informações sobre o vetor, seus criadouros e sobre a doença”, aponta a pesquisa.

Com isso, na opinião do estudo, saber como as pessoas representam as relações entre vasos de plantas e criadouros de Aedes aegypti é fundamental para uma possível reformulação da atividade educativa. “Mensagens educativas demasiadamente sintéticas emitidas por autoridades sanitárias não permitiram sua assimilação, na escala em que seria desejável. Tais atividades educativas devem fazer sentido para as populações às quais se destinam, para que ocorram mudanças de comportamento”, concluem os pesquisadores.

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