Geral
Debate sobre 'pílula do dia seguinte' longe do consenso
Se o objetivo da audiência pública, realizada na tarde desta quinta-feira na Assembléia Legislativa, era gerar consenso em torno da proibição do uso da pílula seguinte, o intento falhou. Mesmo após o encerramento da reunião, o clima continua tenso entre religiosos e ativistas dos direitos da mulher.
O projeto de lei, que já passou pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), é do deputado Sérgio Assis (sem partido), um católico que se alinha as correntes mais conservadoras do Vaticano quando o assunto é o contraceptivo de emergência.
O projeto prevê a proibição da distribuição da pílula do dia seguinte na rede pública e ainda a venda nas farmácias de todo o Estado. Os apoiadores de Assis já fecharam questão e se baseiam no argumento de que a pílula é abortiva e, logo do ponto de vista religioso, se constitui uma ameaça à vida.
Já a oposição ao projeto diz que, se virar lei, a proposta não afeta somente o direito que as pessoas têm ou não de conceber, mas faz estragos no conceito de Estado laico (cujas decisões são independentes de dogmas religiosos).
Verdadeiro estandarte dos que não querem o contraceptivo nas farmácias, o arcebispo de Campo Grande, Dom Vitório Pavanello, diz que a preocupação da Igreja é com os efeitos nocivos para a saúde das mulheres. Os riscos do medicamento já provocou sua proibição em países como a França e Estados Unidos. A Igreja está preocupada com a saúde das mulheres, e não teria essa postura contrária a pílula do dia seguinte, assumindo inclusive os riscos de atrair aversão, se fosse apenas um capricho, pondera.
A opinião é compartilhada pelo presidente da Aliança Evangélica Brasileira no Mato Grosso do Sul, Edílson Vicente da Silva, que afirma que a pílula é abortiva. Distribuir a pílula é uma forma de descriminalizar o aborto, aponta, considerando aborto o fato do medicamento impedir a fixação do óvulo fecundado no útero.
O argumento abortivo esbarra na ciência. De acordo com a presidente da Sociedade de Ginecologia de Mato Grosso do Sul, Maria Auxiliadora Budib, a questão principal, que é a distribuição de métodos contraceptivos, tanto de emergência quanto preventivos, ficou disperso em meio aos discursos religiosos. A pílula não é abortiva. Estudos científicos comprovam que ela impede a ovulação e a ascensão do espermatozóide, mas caso o óvulo fecundado já esteja fixado no útero, a pílula não provoca o aborto, enfatiza.
A médica defende que em vez de discussões inócuas, já que a pílula é aprovada pela Anvisa e já está sendo distribuída nos postos por determinação do Ministério da Saúde, o poder público devia se concentrar em medidas como distribuição de DIU, camisinha e pílulas anticoncepcionais.