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Curso sobre História da Educação - Módulo V

Nelson Valente - 08 de junho de 2009 - 07:20

O NATURALISMO PEDAGÓGICO

(*) Nelson Valente

A educação realista

Educação realista é aquela que se baseia na concepção do domínio do mundo exterior sobre o mundo interior, da supremacia das coisas sobre as palavras e, por conseguinte, da superioridade pedagógica dos fenômenos naturais e das instituições sociais sobre as línguas e as literaturas.
O realismo desenvolveu o culto da razão individual e o interesse pelo estudo da natureza que constituíram, talvez, os dois aspectos mais expressivos da revolução renascentista.
Dois são os caracteres culminantes da educação nessa quarta época de sua história: seu fundamento filosófico e seu fim secular. A pedagogia neolatina estava inspirada, em princípio, já pela Escolástica (filosofia teológica), já pela admiração e respeito à Antigüidade clássica: e se propunha um fim religioso. A partir do século XVII, pelo contrário, se inicia na educação uma dupla mudança: seus fundamentos são procurados na Filosofia, na qual surgem as novas tendências baconianas e cartesianas, de que vão resultar o sensualismo, o positivismo e o materialismo; e sua finalidade primordial típica, não é mais a formação do clérigo douto, e sim do homem culto, destinado, principalmente, à vida secular.
A educação realista, em seu desenvolvimento, passou por três fases sucessivas: foi, primeiramente, humanista ou literária, em seguida, social e, finalmente, científica.

A educação disciplinar

Segundo a concepção disciplinar, o valor da educação reside, não no conteúdo das matérias-primas de ensino, mas no processo de sua aquisição. O fator primacial do fenômeno educativo é, por conseguinte, antes a forma de aprendizagem do que a coisa aprendida. O conceito disciplinar de educação se baseia no postulado de que uma capacidade ou habilidade quando devidamente desenvolvida, pode ser utilizada em qualquer atividade ou experiência. Isto significa que as técnicas mentais adquiridas com a aprendizagem de uma matéria poderão ser aplicadas, com sucesso, à aprendizagem de todas as outras matérias. Para eles, entre as matérias de ensino, são a matemática, a lógica e as línguas clássicas, já pela generalidade dos seus princípios, já pela natureza formal do seu conteúdo, as que mais concorrem para o desenvolvimento das faculdades mentais. E o valor educativo dessas matérias constitui uma virtude intrínseca que não depende da sua relação com a vida ou da sua utilidade para o aluno.
Os fundamentos psicológicos da educação disciplinar são, assim, a teoria das faculdades, consideradas como capacidades isoladas e autônomas, e a concepção da transferência de todas a formas de aprendizagem. Admitindo a educação com disciplina do espírito, em oposição à educação prática ou de conteúdo, essa doutrina pedagógica constitui uma volta ao humanismo renascentista e ao formalismo da escolástica decadente e uma reação contra o conceito realista de educação. A educação disciplinar apresenta relações íntimas com a pedagogia realista, quer pelas idéias empiristas e sensualistas de LOKE, quer pelo valor que ele emprestou à língua vernácula e à matemática, julgadas por ele como matérias de ensino superiores às línguas clássicas. Divergiu, entretanto, do realismo quando desprezou o conteúdo das matérias para acentuar a importância educativa do treino e da disciplina.

A educação pietista

A educação pietista foi o primeiro movimento pedagógico que aplicou à prática escolar os princípios do realismo, embora dando maior relevo ao aspecto religioso do que ao aspecto científico. O pietista foi uma seita ou, mais precisamente, uma corrente religiosa que se produziu no seio do luteranismo alemão, a partir do século XVII, e cujos principais representantes exerceram uma influência considerável sobre a educação da Alemanha, com repercussões em toda a Europa. O pietismo constituiu uma reação contra o formalismo frio e seco da tradição luterana. Para fortalecer a crença e estimular o espírito religioso, os pietistas apelavam para os impulsos do coração, para a fé viva e ativa e para a prática do cristianismo que, para eles, possuíam maior valor do que o conhecimento dos dogmas. “Um grão de verdadeira fé, diziam, vale mais do que um quintal de conhecimentos históricos e uma gota de caridade é superior a um oceano de ciências.” Apesar do seu colorido sentimental e do seu desprezo pelas ciências e pelas artes, o movimento pietista revestiu-se de um caráter racionalista, resultante da influência não só do individualismo reformista, como do naturalismo realista.

A educação racionalista

As tendências individualistas, racionalistas e naturalistas do Renascimento, exaltadas pela reforma livre-examinista de Lutero, pela revolução racionalista de Descartes e pela reação empirista de Bacon, foram os fatores determinantes dos dois grandes movimentos filosóficos, literários e políticos que vamos encontrar dominando o cenário do século XVIII: “iluminismo” racionalista e o naturalismo romântico, de que VOLTAIRE e ROUSSEAU foram, respectivamente, as figuras mais representativas.
Identificadas, geralmente, como um movimento único, essas duas correntes do pensamento apresentam, entretanto, caracteres divergentes. O iluminismo foi racionalista, céptico e aristocrático. O naturalismo rousseauniano foi sentimentalista, otimista e democrático. Todavia, essa divergência não foi muito profunda e substancial, pois esses movimentos tinham origens comuns e colimavam idênticos objetivos. Ambos visavam combater a Tradição, a Igreja, a Autoridade, em nome da Razão ou do Sentimento. Pretendiam, igualmente, construir uma concepção naturalista e antropocêntrica da vida e do mundo, e, para isso, pregavam a libertação integral do homem de todos os laços que o prendiam aos valores espirituais e eternos. A Igreja, como mensageira fiel desses valores, foi o alvo principal de todos os ataques. E como julgassem que o Estado, então autocraticamente constituído, fosse um aliado da Igreja, para ele voltaram também suas baterias, propugnando uma revolução radical dos quadros sociais e políticos imperantes na época.
Procurando aniquilar a Igreja e o Estado, os iluminista e os naturalistas não perceberam que se iam escravizando à Razão ou ao Sentimento. O relativismo religioso, o pragmatismo moral, o individualismo político, o liberalismo econômico e o subjetivismo filosófico foram os resultados dessa nova concepção do universo e da vida que desagregou a civilização cristã, facilitando as tendências do seu aniquilamento.
As idéias dissolventes de VOLTAIRE, de ROUSSEAU e seus epígonos, encontrando um terreno propício à sua germinação e disseminação, das elites intelectuais ganharam as massas populares, infiltraram-se em todas as instituições políticas e sociais e foram, finalmente, criar o clima espiritual, dentro do qual se formou e explodiu a Revolução Francesa, com todas as suas inquietantes conseqüências para o destino do mundo moderno.
Sob o ponto de vista pedagógico, os movimentos iluminista e naturalista combateram, não só a educação escolástica, espiritualista e cristã, como a educação renascentista, livresca, formalista e artificial, muito embora, no fundo, fossem íntimas as suas ligações com o naturalismo pagão do Renascimento.

A educação naturalista

Durante a primeira metade do século XVIII, o racionalismo enciclopedista concentrou a maioria dos seus ataques contra a Igreja. A partir da segunda metade do mesmo século, a crítica foi dirigida, sobretudo, contra a organização social e política então dominante. O objetivo que passou a empolgar os espíritos não foi apenas o de demolir a ordem de coisas reinante, mas também o de construir uma sociedade ideal. O meio utilizado não foi mais a razão. A tirania do racionalismo tinha sido superior à tirania da autoridade. Generalizava-se a crença de que não se podia confiar na fidelidade dos sentidos, nem na infalibilidade da razão. E começou a considerar os sentimentos como as verdadeiras expressões da natureza humana, superiores aos cálculos frios e egoístas da razão e, portanto, normas muito mais seguras para a orientação do pensamento e da conduta.
O movimento cultural da segunda metade do século XVIII, baseado na concepção da bondade natural do homem, revestiu-se dum impulso de simpatia pelas massas populares, enquanto que o anterior resultara na formação de uma aristocracia intelectual. VOLTAIRE, racionalista, céptico, sarcástico, aristocrata, amante do refinamento e do artificialismo foi o líder do primeiro movimento. ROUSSEAU, sentimental, romântico, otimista, democrata, apologista da vida em plena natureza, foi o líder do segundo movimento. Mas ambos combatiam a ordem social, a disciplina moral e o respeito à Tradição, à Autoridade e à Igreja.

A educação filantropista

O sistema educativo denominado filantropista resultou da aplicação prática das idéias pedagógicas de ROUSSEAU, embora com certas modificações, por alguns dos seus discípulos. As idéias naturalistas e românticas do mestre de Genebra tiveram repercussão profunda em todo o Ocidente. Nos primeiros tempos essa influência se fez sentir com maior intensidade sobre os meios filosóficos, literários e políticos do que sobre os meios educacionais. Somente muito mais tarde, as idéias pedagógicas de ROUSSEAU foram aplicadas à prática escolar. Muito contribuíram para a difusão dessas idéias o refinamento social e artificialismo literário e o formalismo pedagógico dominante na época.

A educação revolucionária

As idéias individualistas e liberais do Renascimento que haviam sido, paulatinamente, fortalecidas e estimuladas pela reforma luterana e pelos sistemas filosóficos racionalistas dos séculos XVII e XVIII tiveram sua eclosão inevitável na Revolução Francesa. Este movimento revolucionário constituiu o acontecimento político e social mais importante e significativo do século XVIII e marcou um período novo na história pelas profundas repercussões que teve na evolução do mundo moderno.
Ao deflagrar a Revolução, não se pode dizer que a educação popular estivesse em decadência no território francês. A situação geral do ensino não era, por conseguinte, lastimável, muito embora o edifício educacional da França estivesse corroído e antiquado e exigisse uma reforma ampla e radical, o que aliás era reconhecido por todos os educadores esclarecidos da época.
A Revolução nada fez de positivo para melhorar e expandir a educação popular. Ao contrário, sua obra foi negativa e destruidora, não obstante os discursos inflamados e os planos românticos dos chefes revolucionários em torno da reconstrução educacional do país. Os fatos não corresponderam à eloquência generosa dos líderes da Revolução.
A Revolução procurou, entretanto, reerguer o edifício educacional que ela própria havia destruído. Essa tarefa suscitou uma série de discursos eloqüentes e de projetos grandiosos. Mas as realizações práticas ficaram muito aquém das palavras e dos planos. E os decretos lavrados foram impotentes para revigorar o corpo alquebrado da educação popular. A Convenção elaborou vários projetos e fez expedir vários decretos instituindo o ensino obrigatório e criando escolas em todas as localidades que tivessem de 400 a 1.500 habitantes. Tudo isso não passou do papel. No objetivo de substituir os estabelecimentos de ensino secundário que haviam desaparecido, a Convenção resolveu instalar escolas centrais em toda a França. Em fins de 1796, Paris possuía duas e cada departamento uma dessas escolas. Todavia, essas escolas não foram suficientes para substituir os 800 colégios e 22 universidades existentes em 1789. Sua organização didática foi alvo de críticas severas, tornando-se necessário voltar ao ensino graduado e tradicional dos antigos colégios. Essas realizações não puderam impedir que o edifício escolar construído pela Revolução ruísse devido à fragilidade de suas bases. Todavia, a Convenção teve o mérito de proclamar a liberdade de ensino e de organizar algumas instituições de valor real, como o Museu, a Escola Politécnica e a Escola Normal. O Diretório revelou acentuado interesse pela educação popular, mas sua iniciativas não tiveram grande importância.
NAPOLEÃO BONAPARTE, tornando-se primeiro cônsul, resolveu reorganizar o ensino, mas quis ter antes uma noção precisa da situação do sistema escolar francês. Mandou realizar inquérito amplo e rigoroso, por meio das divisões militares. Os resultados proclamaram o estado lamentável da instrução popular no país.
Diante desse estado deplorável, Napoleão baixou um decreto reorganizando o ensino primário e secundário. Mas cometeu o erro de abolir a liberdade de ensino, conferindo ao sistema escolar uma estrutura rígida, inteiramente subordinada ao Estado. Tornando-se Imperador, Napoleão criou, por decreto, a Universidade Imperial, através da qual o Estado passou a exercer um controle rigoroso sobre o ensino público e particular. Este decreto fazia da religião católica a “base do ensino”. Segundo RIBOULET, a reabilitação do ensino popular na França levaria um século para se efetivar.
A educação revolucionária, portanto, revela caracteres perfeitamente definidos: o primeiro caráter é o revolucionário já por ter sido obra de uma Revolução. O segundo caráter é o estatismo, subordinação da criança e de sua educação ao domínio exclusivo e absorvente do Estado. O terceiro caráter é o realismo, porque reage contra o ensino humanista, dando relevo às ciências naturais, às línguas modernas e aos trabalhos manuais.
Quanto ao caráter geral, a educação revolucionária é romântica e passional não tendo o sentido da verdadeira realidade.

A educação psicológica

Com o raiar do século XIX, a influência da psicologia sobre a educação, a preocupação de fazer o trabalho educativo gravitar em torno do espírito da criança, começa a ganhar terreno. A obra de Rousseau concorreu para que essa tendência se afirmasse e desenvolvesse. A educação psicológica representou uma tentativa de dar aos princípios do naturalismo pedagógico uma formulação científica e um caráter de processo escolar prático. Muitos, além de Rousseau, já haviam acentuado a necessidade de se adaptar o trabalho escolar à natureza psíquica do educando.

A educação científica

A preocupação de transformar o processo educativo num simples problema científico e experimental foi um reflexo das idéias filosóficas da época. A filosofia idealista que imperara nos primeiros decênios do século e que exercera grande influência sobre os sistemas educacionais foi perdendo o seu prestígio.
A filosofia passou a empolgar as inteligência na segunda metade do século XIX, teve por lema o combate à metafísica. Mas só se pode combater a metafísica com outra metafísica e o homem, por um impulso natural do seu espírito, não pode desistir de explicar o sentido das coisas e a razão da sua presença no universo. E, o protesto contra a metafísica nada mais representou do que um divórcio da concepção idealista, para substituí-la por outra metafísica, a que emanava das ciências da natureza, apesar de todas as afirmativas empiristas e fenomenistas feitas, em contrário, pelos seus cultores. Foi o desenvolvimento extraordinário das ciências naturais a causa primacial desse retorno do pensamento filosófico ao empirismo e ao fenomenismo, através dos dois grandes movimentos que passaram a dominar o panorama cultural do século XIX: o positivismo de COMTE e o evolucionismo de SPENCER.
O positivismo e o evolucionismo se caracterizam pela exaltação e apoteose da natureza. Seu ponto de vista básico é que só existe o que é possível de verificação empírica. A matéria é o fundamento eterno de toda a ordem existencial. Deus é substituído pela Natureza, una, autônoma, soberana.
Segundo essa concepção filosófica, a natureza é o principal agente educativo e a educação é considerada como adaptação ao meio, como simples desenvolvimento, ou como preparação para a vida, tomada esta no sentido puramente biológico. O ideal na educação é a formação científica. O conhecimento, o saber, o desenvolvimento da inteligência pelas ciências positivas devem constituir as finalidades primordiais de todo o trabalho educativo. O método de estudo e de ensino deve ser indutivo e experimental.

(*) é professor universitário, jornalista e escritor


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